Augusto Fernandes
postado em 28/09/2019 06:24 / atualizado em 19/10/2020 15:31
Aprender um novo idioma desde cedo pode ser determinante para proporcionar um bom futuro a qualquer aluno. Desenvolver as competências de uma língua estrangeira significa a possibilidade de abertura a um leque de oportunidades dentro do mercado profissional, como também a chance de que a criança ou o adolescente tenha uma visão mais ampla do mundo e possa aperfeiçoar as suas capacidades intelectuais. Nesse sentido, o ensino bilíngue surge como um importante componente para a formação do estudante na educação básica.
“A aquisição de outra língua, no contexto em que vivemos de comunidades que se conectam mundialmente, vai auxiliar a criança tanto na sua profissionalização quanto no desenvolvimento de uma cidadania global”, garante a diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV/EBAPE), Cláudia Costin.
A diretora acrescenta que o ensino bilíngue, além de otimizar a empregabilidade e as condições de empreendedorismo, é importante para o acesso a novas culturas. “O cérebro do estudante é estimulado, e ele passa a entender que cada canto do mundo tem a sua própria identidade. É uma aquisição de conhecimentos importantes para todo o futuro”, observa Cláudia.
A proposta de ensino em duas línguas já é realidade em algumas escolas do Distrito Federal, como no Colégio Mackenzie. Lá, os estudantes têm a possibilidade de participar de uma educação internacionalizada desde o ensino infantil. Da pré-escola 2 até o 4º ano do ensino fundamental, são 10 horas de imersão em inglês, com aulas teóricas e atividades práticas. Do 6º ano do fundamental até o 2º ano do ensino médio, o método muda, e os estudantes participam durante todo o ano letivo de classes ministradas no modelo das Middle School e High School dos Estados Unidos, equivalentes às séries finais do ensino fundamental e ao ensino médio brasileiro, respectivamente.
Os alunos leem, escrevem, ouvem e falam em inglês o tempo todo. Trabalham temas variados, como economia, tecnologia, engenharia, história americana, planejamento de carreira, entre outros, e são avaliados por professores Universidade de Missouri, nos EUA. Ao fim do ciclo na educação básica, cada estudante recebe dois diplomas: um brasileiro e um americano. “Esse certificado endossa os bons resultados alcançados pelo aluno ao longo do período, ampliando sua mobilidade em possibilidades acadêmicas, pessoais e profissionais”, destaca a coordenadora de ensino internacional do Mackenzie, Erika Zaidan.
A experiência ainda aproxima os adolescentes de um ensino superior fora do Brasil. Fernanda Queiroz, 15 anos, já imagina uma graduação em astrofísica em solo americano. “Um dos meus maiores sonhos sempre foi estudar em outro país e sinto que esse método me prepara para isso, pois tenho aprendido muito sobre os Estados Unidos e a maioria dos conteúdos do curso que eu quero fazer estão em inglês”, comenta.
De qualquer forma, mesmo que o aluno não queira deixar o Brasil, o currículo bilíngue será um diferencial dentro do país. É o que pensa Alice Tenório, 15. “Nós ganhamos um conhecimento indispensável para a vida inteira. Acredito que estaremos preparados para ir para qualquer lugar. Dominar outra língua é uma habilidade importante para todos”, resume.
Processos cognitivos
Tão importante quanto um ensino totalmente bilíngue é o aprendizado em uma escola de idiomas. “A diferença é metodológica. Enquanto a escola bilíngue oferta o ensino de maneira mais rígida, como um componente curricular, uma escola de idiomas trabalha o vocabulário e a criação de estruturas linguísticas gramaticais. De todo modo, a aprendizagem de outra língua amplia a relação do aluno com o mundo e melhora os processos cognitivos dele”, afirma a professora do curso de pedagogia do Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb), Olga Freitas.
Na capital federal, uma das portas de entrada para crianças e adolescentes ao ensino de idiomas é o Centro Interescolar de Línguas (CIL). Da Rede Pública, o colégio abre vagas para estudantes a partir do 6º ano do ensino fundamental. Atualmente, são 18 CILs no Distrito Federal, que oferecem aulas de espanhol, francês e inglês. Em algumas das unidades, também existem projetos de alemão, japonês e mandarim.
“A aprendizagem de outro idioma potencializa o sistema criacional e as funções executivas de qualquer pessoa. Também melhora o rendimento do aluno na própria língua materna, porque ele precisa de conhecimentos em português para entender alguns aspectos da língua estrangeira”, conta o vice-diretor do CIL 2 de Brasília, Patrick Gomes. “Os CILs fomentam oportunidades para expandir os horizontes dos alunos”, completa.
Quem confirma essa realidade é a advogada Suely Azevedo, 46. Para ela, uma das maiores alegrias é ver o filho Heitor Azevedo, 13, aprendendo inglês. “O idioma é importante não apenas para as oportunidades profissionais que virão no futuro, mas porque faz com que ele aprenda a refletir sobre o que acontece no mundo, que está cada vez mais cosmopolita. Sem a língua, ele ficaria à mercê daquilo que os outros dizem”, analisa.
A cada semestre, quem não está no ensino básico pode tentar uma matrícula no CIL por meio das vagas remanescentes. Foi o que aconteceu com a paratleta Larissa Nakabayashi, 21. Há dois anos, ela conseguiu a tão sonhada oportunidade para estudar inglês, e nem mesmo uma deficiência na visão a atrapalhou de aprender. “A limitação nunca vai te impedir de nada, a partir do momento em que você se esforçar. Tenho certeza de que o inglês vai rechear o meu currículo, mas o mais importante não é isso, e sim, a minha realização enquanto pessoa”, reflete.
Português como segunda língua
Ao passo que muitas pessoas buscam conhecimentos em uma língua estrangeira, há quem precise desenvolver o português para conseguir um futuro de qualidade, sobretudo aqueles que têm como língua materna a Língua Brasileira de Sinais (Libras). “Em geral, as pessoas ouvintes não sabem que, para os surdos, o português é a segunda língua. Eles têm de aperfeiçoar essa competência para ter uma vida autônoma. Assim, conseguirão tanto arrumar um trabalho quanto ir a uma farmácia, por exemplo”, explica a supervisora pedagógica da Escola Bilíngue Libras e Português Escrito, em Taguatinga, Clissineide Rodrigues.
A escola, criada em 2013, surgiu justamente para atender e promover a inclusão educacional e social dos surdos, ao trabalhar com o ensino bilíngue nas disciplinas curriculares de todos os níveis da educação básica. Em sala de aula, tudo é explicado por meio de gestos e sinais. Para os surdos, o visual é indispensável para que eles consigam assimilar o conteúdo.
“Trabalhamos a estrutura das frases, e utilizamos cores diferentes para separar classes gramaticais diferentes. A partir disso, o aluno percebe como deve ser a composição de uma frase em português, e onde devem ser escritos os pronomes, os substantivos e os adjetivos. Aos poucos, eles conseguem expressar suas ideias e redigir textos”, detalha a supervisora pedagógica.
Todo o conhecimento compartilhado com os estudantes, de acordo com os professores da escola, significa uma possibilidade para o crescimento pessoal, acadêmico e profissional dos surdos. “É impossível desassociar a aprendizagem do português para o surdo. Essa é uma forma de eles exercerem sua cidadania de forma mais plena. Mesmo sem o recurso da fala, a partir do momento em que eles escrevem ou leem em português, deixam de ser reféns das pessoas ouvintes”, explica Clissineide.
Igualdade
Abrir um livro e entender o que está escrito nele é uma satisfação para Mateus Alves, 18 anos. Aluno do 3º ano do ensino médio, quando criança ele pensava que nunca teria de aprender o português. Hoje, no entanto, sabe que a língua é indispensável no dia a dia, especialmente porque não são todos os ouvintes que dominam a Libras.
“Entender o português me mostra que eu posso ser igual a todos e isso eleva a minha autoestima”, garante. No futuro, Mateus pensa em ser engenheiro civil. O sonho o impulsiona a se dedicar aos estudos da língua portuguesa. “Eu me esforço bastante para aprender português porque, no futuro, quero estar em igualdade com as pessoas ouvintes na minha profissão”, explica.
Para Emanuele Pinheiro, 17, o conhecimento do português significa a chance de ela se comunicar com os pais e os irmãos, todos ouvintes. “Eu consigo sentir o amor que eles têm por mim, e, a partir da escrita, consigo expressar o que eu quero dizer”, detalha a estudante do 2º ano do ensino médio. Com o sonho de estudar direito na universidade, a jovem sabe que o idioma será fundamental. “Há muito material sobre o tema em português, portanto, tenho de priorizar essa língua. O meu futuro depende disso”, reconhece. (AF)
Crescimento
6% a 10%
Expansão do mercado de escolas bilíngues no Brasil nos últimos cinco anos, de acordo com a Associação Brasileira do Ensino Bilíngue (Abebi)
40%
Estimativa de incremento do número de alunos e instituições de ensino bilíngue no país em 2019, de acordo com o Systemic Bilingual
Ponto a ponto
O que é uma escola bilíngue?
Uma escola bilíngue é aquela que ensina em dois idiomas, sendo um deles, o materno. O aumento da carga horária de inglês não qualifica uma escola em bilíngue. Para esse título, é fundamental que outras disciplinas sejam ministradas no segundo idioma, normalmente o inglês.
As escolas bilíngues seguem o currículo brasileiro ou internacional?
As escolas alocadas em nosso país devem seguir o currículo brasileiro, preconizado pelo Ministério da Educação. Porém, na ampliação de carga horária, o colégio pode oferecer outras disciplinas para o complemento da formação de seus alunos.
A criança não se confunde quando ensinada em dois idiomas?
A infância é o melhor momento para que uma criança aprenda uma segunda língua, é um momento em que o cérebro está aberto a novos conhecimentos e o seu desenvolvimento é muito acelerado. Diversas pesquisas sugerem que as crianças não se confundem, e sabem diferenciar o momento em que devem utilizar cada língua.
Quais as vantagens do ensino bilíngue?
O aprendizado de uma segunda língua pode trazer diversas vantagens para uma criança. O ensino bilíngue estimula a inteligência, o pensamento lógico, a concentração, além de trazer vantagens em relação ao mercado de trabalho.
Uma escola bilíngue é melhor que uma escola convencional?
Não se pode fazer tal afirmação. Tudo depende da escola, do tempo de experiência, dos profissionais envolvidos, da gestão escolar, dos resultados que já possuem. Outro aspecto importante, nessa decisão, é avaliar quais, na verdade, são os objetivos dos pais e escolher a escola que melhor se enquadra nessa perspectiva.
Artigo
Curso de inglês, intercâmbio ou educação bilíngue: qual é a melhor opção para aprender uma segunda língua?*
Existem vários fatores que impulsionam o aprendizado de uma segunda língua. Alguns estão relacionados a questões intrínsecas de cada indivíduo, como sua facilidade para absorver mais conteúdos visuais em detrimento a auditivos, por exemplo. Já outros, não são intrínsecos: exposição, confiança e planejamento.
Uma instituição de ensino, portanto, deve estar preparada para oferecer uma base que propicie uma aprendizagem efetiva. Para começar, é essencial desenvolver uma gama diversificada de atividades que compreendem os diferentes perfis e personalidades. O acompanhamento individualizado é tão importante que, na Escola Roberto Norio, limitamos as turmas a 12 estudantes; assim é possível estimular cada um de acordo com as suas necessidades para que o aluno se desenvolva de forma completa.
Além disso, a exposição é outro fator determinante na aprendizagem. Na Escola, as crianças têm aulas de língua estrangeira todos os dias e, para estimular a parte visual, há o nome escrito de cada objeto, por exemplo, “janela” em inglês e em japonês. Outra estratégia que utilizamos é a inserção na cultura do país estrangeiro. Por isso, promovemos três festas durante o ano: Festa Junina (Brasil), Ação de Graças (EUA) e Festa de Boas-Vindas (Japão).
O contato constante juntamente com a apreensão da cultura estrangeira contribui para que a apreensão da língua se torne algo natural. Usamos a estratégia de alternar a cada semana o idioma de comunicação geral da escola – ou seja, na hora das refeições, por exemplo os alunos falam em português, inglês ou japonês. A naturalidade por ser percebida na troca automática de idioma ao falar com professores que ensinam línguas diferentes.
A confiança da criança também é um fator importante para que ela se torne bilíngue. Por isso, os educadores deixam que os alunos se comuniquem livremente. Caso cometam erros, não são corrigidos o tempo todo, pois isso acaba travando a fluidez da fala. A repetição é importante para que os estudantes aprendam da forma correta, se espelhando nos professores.
E, por último, o planejamento serve para definir os objetivos, as ferramentas que serão utilizadas, o material didático e a correlação dos conteúdos na língua materna e na estrangeira. Por exemplo, os alunos aprenderem as cores em português e, logo em seguida, em inglês.
Um dos objetivos da Escola no ensino da língua estrangeira, em especial o japonês, é preparar o aluno para um intercâmbio para o Japão ao final do Ensino Fundamental I. Para haver uma experiência positiva, a viagem de imersão precisa de preparação: cultural e socioemocional. Um intercâmbio não serve somente para aprender uma língua, mas os costumes, o saber se relacionar no mundo e a se comunicar com o outro.
Ensino personalizado, exposição constante, planejamento e aprendizagem socioemocional são as bases do nosso método de ensino de línguas. Esses fatores nos levaram a optar por um programa bilíngue na Escola e proporcionar as condições necessárias para que, se desejado, os alunos façam intercâmbios no futuro – aprofundando ainda mais os seus conhecimentos.
*Márcio Ikemori é diretor da Escola Roberto Norio, que atende crianças do Ensino Infantil ao Fundamental I no bairro do Paraíso, em São Paulo (SP).