Alan Rios
postado em 21/04/2019 06:00
Premiada internacionalmente, Janete Vaz, 64 anos, passa pelos corredores da sua empresa no Setor de Abastecimento Asa Norte (Saan) entre centenas de funcionários e pergunta a um deles, misturando o tom de voz empático com o sotaque goiano: ;Seu filho está melhor?;. É impossível falar da fundadora do Instituto Sabin sem citar, por exemplo, que ela foi eleita pela revista Forbes uma das Mulheres Destaque do Setor de Saúde, mas o cuidado com cada pessoa que está ao seu redor também diz muito sobre quem é uma das maiores empresárias de Brasília.
Quem olha o currículo cheio de honrarias nem imagina que a empreendedora foi só mais uma jovem recém-formada procurando vaga na sua área. ;Quando me graduei em bioquímica, em 1980, aqui era um ponto de oportunidade para todo mundo que queria começar uma empresa, um negócio ou buscar um emprego. Cheguei sonhando;, lembra Janete. Assim como a capital, ela tinha muita esperança: queria construir seu próprio laboratório de exames.
Em vez de investimento financeiro, a família deu exemplos de como se construir uma carreira. ;Nasci e vivi em um ambiente em que as mulheres trabalhavam e estudavam, desde a minha avó;, ressalta. A tentação brasiliense de uma vida mais segura, como concursada, chamou a atenção dela, mas só como ponto de partida. ;Fui para o serviço público e cheguei à chefia do Hospital Regional de Taguatinga, mas tinha o sonho de abrir a minha empresa, então me demiti depois de sete anos.;
Nascimento e crescimento
Havia as dificuldades de ser mulher, empresária e mãe, buscando sempre ser melhor em casa e no trabalho. Enquanto seu negócio crescia, os três filhos também se desenvolviam com os primeiros passos, as primeiras palavras, os primeiros dias de aula e todos os momentos únicos em que os pais sempre querem estar presentes. Mas nem sempre Janete pôde acompanhar isso de perto.
;Teve uma época em que eu comecei a frequentar uma psicóloga, porque estava mal por não ter tempo para os meus filhos. Foi um momento de decisão muito importante. Podia ter desistido, mas estaria matando um sonho;, pondera. Aos poucos, Janete percebeu ser possível aliar maternidade e empreendimento. ;Os psicólogos me falavam que eu ia impactar muito mais a vida dos meus filhos com o pouco tempo que tinha, do que se eu dedicasse tempo integral a eles, deixando minha carreira de lado;, comenta.
Brasília também deu à goiana uma companhia importante em sua vida profissional e pessoal. Descrita por amigas como guerreira, sonhadora e corajosa, assim como Janete, Sandra Soares Costa, 67, chegou à capital com um diploma de biomédica e o desejo de ser diferente. As duas se encontraram no primeiro emprego, em um laboratório de exames. Abrir uma empresa também era a meta de Sandra, mas ela pensava em uma farmácia. ;Não foi fácil iniciar um trabalho em um ambiente masculino e no fim do regime militar. Sem contar que Brasília era uma cidade de muitos ;nãos;. A gente queria fazer algo diferente, como um exame novo, mas não se fazia aqui, tínhamos que buscar outras regiões;, ressalta. Meses após de se fixar na capital, Sandra passou por mais uma dificuldade, que quase tirou sua vontade.
;Minha mãe me ensinou muito como empreendedora. Ela tinha só o ensino fundamental completo, mas era uma mulher de muito dom e talento para fazer seu negócio, vendendo roupa. Aí, no ano que vim morar em Brasília, ela faleceu;, conta. Mas Sandra abriu a farmácia que queria e pouco depois se juntou a Janete. Juntas, fundaram, em 2005, o Sabin.
A empresa cresceu com a capital. Odilon Costa, 70, marido de Sandra, viu tudo de perto. Como dentista, ele sempre teve uma agenda mais flexível e, por muitas vezes, fez tarefas que na época eram consideradas de mulheres. ;Antigamente, o homem era aquela figura de chefe de família e tudo mais, mas isso era um conceito antigo, das mulheres serem donas de casa. Você pega países desenvolvidos e o compartilhamento de tarefas existe há muitos anos. Sempre ajudei em tudo que pude dentro de casa.;
Sandra também dividia as responsabilidades com Janete. Ambas colocaram suas personalidades no empreendimento. Além de qualidade, a empresa pensada por elas deveria ter acolhimento. Foi assim que o Sabin se transformou em uma das melhores empresas para se trabalhar no Brasil, segundo o Instituto Great Place To Work. Lídia Abdalla, 45, é prova disso. A presidente executiva do instituto começou como trainee e cresceu sob os cuidados e orientações das empresárias. ;Elas não desanimam com nenhuma dificuldade e têm um lado humano muito forte. As duas sabem que as pessoas que trabalham para elas têm seus problemas e lados pessoais, então se preocupam com isso.;
Raios-x
Confira o tamanho do grupo Sabin:
Unidades 280
Funcionários 5,2 mil
Área de atuação 11 estados e DF (46 cidades)
Exames entregues por ano 47 milhões
Clientes atendidos em 2018 4,8 milhões
Na briga pelos direitos
;Uma estranha no ninho;, se definia a advogada Andréia Moraes de Oliveira, 50 anos. A gaúcha chegou ao Distrito Federal em 1993 para morar com a mãe, então funcionária do Ministério da Educação. Mas sua área de especialidade era dominada por homens. ;Naquela época, eu ingressei no Sindicato da Indústria da Construção Civil e era a única mulher em reuniões de diretoria. Não existiam assessoras jurídicas, só eu. Era um universo eminentemente masculino;, conta Andréia.
Aos poucos, sua competência foi se destacando, e o escritório que alugou com dinheiro emprestado ficou pequeno. ;A Andréia virou minha fiel escudeira. Fui vendo que ela era uma pessoa extremamente responsável e confiável, que sempre se pautava pela ética. Isso fez com que a gente pudesse atuar em prol do desenvolvimento do DF, gerando empregos e rendas;, destaca o amigo e companheiro de trabalho Paulo Muniz, 60, presidente da Assessora Jurídica da Associação de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi-DF).
Atuando na Ademi, a advogada se tornou referência na área. ;A realidade mudou bastante. Vejo muitas outras mulheres lutando pelos direitos da construção civil;, observa. Essas vitórias são comemoradas por ela e por brasilienses beneficiados com sua atuação. ;Um exemplo que lembro foi quando consegui recentemente, em pedido de tutela recursal, que a Terracap de forma imediata iniciasse e concluísse toda a infraestrutura da Etapa 2 do Noroeste e a implantação do Parque Burle Marx. Considero ações assim de extrema importância, porque impactam diretamente na qualidade de vida da população;, conclui.
Lute como uma garota
Primeira filha e primeira neta menina da família, Jordana Saldanha, 39 anos, cresceu sob os cuidados de uma mãe pianista e logo entrou no balé, mas tinha gosto mesmo é por outros tablados. Sem contar para ninguém, trocou a matrícula das aulas de dança pelas de kung-fu, ainda menina. Hoje mulher, ela vê que aquilo era o começo de muito sucesso, acompanhado de uma disciplina quase oriental.
Jordana é goiana só na identidade, pois a mãe morava em Brasília quando estava grávida, mas a paixão pelo estado vizinho a fez levar a filha a nascer lá. Com três meses de idade, voltou e se firmou por aqui. ;Aí rapidamente me apaixonei pelo esporte, até porque Brasília propicia isso. Temos o maior número de academias por metro quadrado, somos celeiro de diversos esportistas, e eu tive a felicidade de conhecer o esporte muito cedo;, lembra Jordana.
Além de ensinar muito sobre determinação, o kung-fu também fez com que a jovem atleta começasse um caminho empreendedor, na busca por apoios e patrocínios. Os resultados de muito suor logo apareceram: Jordana virou atleta da seleção brasileira e conheceu diversos estados e países.
Lar doce lar
Mas como sua ligação era com a capital do Brasil, nem as casas que teve na China e nos Estados Unidos, por exemplo, a fizeram ficar longe do quadradinho. No esporte, ela conheceu o jornalismo e viu uma nova felicidade. Mas a luta voltou. ;Eu trabalhava em uma emissora de televisão e sofri assédios morais baseados em gênero, assim que fiquei grávida;, desabafou. Quando percebeu que aquele problema não teria solução, Jordana se demitiu e entrou na Justiça, que acabou reconhecendo os assédios.
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A solução para voltar a gostar do que fazia veio por duas vias. Agitada, ela sempre procurou inovar, como contam as amigas. ;Jornalista empenhada, ela está constantemente se atualizando e se movimentando, então empreender é algo que ela faz muito bem;, diz Rosa Wasem, 65, também comunicadora. Se inspirando no trabalho da mãe, que vendia salgados, ela criou uma empresa que uniu o talento materno com seus conhecimentos em nutrição e comunicação.
;Enxerguei a possibilidade de me juntar a ela mudando a fabricação dos alimentos, com uma pegada saudável, já que ela já tinha feito algumas receitas leves quando eu estava competindo no kung-fu, com farinha integral e recheios mais saudáveis, por exemplo;, explica Jordana. Nascida em 2010, a Be Nutri, sua empresa, hoje ganhou reconhecimento nacional após ganhar o Prêmio Sebrae Mulher de Negócios. As propostas de expansão chegaram, mas ela pondera: ;Se minha história fosse outro lugar, eu tenho certeza de que não seria a mesma coisa. Talvez possa abrir indústrias em outros estados, mas a matriz nunca vai deixar de ser Brasília;.