postado em 22/04/2016 06:00
As mulheres que aqui chegaram, nos primeiros anos de Brasília, eram corajosas, solidárias e atuantes. Por força da tradição e da proporção numérica, porém, a narrativa da construção da cidade deu destaque apenas aos homens que vieram para cá a partir de 1956. No entanto, elas desempenharam funções tão fundamentais quanto os chamados desbravadores do cerrado. De cozinheiras a educadoras, elas enfrentaram os desafios que a poeira e o tempo seco imprimiram às primeiras gerações no Distrito Federal.
Quando Gerda Gumprich, 84 anos, recebeu a foto de onde o marido, Edbert Pereira Leite, morava, na Nova Capital, ela achou que se tratava de uma brincadeira. ;Parecia um galinheiro. Eu não acreditei, achei que era uma piada dele comigo;, lembra. Eram os idos de 1956, e a alemã tinha se mudado havia apenas quatro anos para o Brasil. Aqui, casou-se com Edbert, que seria o primeiro funcionário do Banco do Brasil a se mudar para Brasília. ;Quando cheguei e vi que era aquilo mesmo: uma casa de tábuas, com frestas e um banquinho que servia de mesa, eu chorei muito à noite. No outro dia, levantei e disse para mim mesma: o jeito é arregaçar as mangas e ir à luta;, conta.
Quando a residência na 116 Sul ficou pronta, a família se mudou para lá. ;Nos primeiros tempos, a gente brincava de pique-esconde, pega-ladrão no Eixão. Não tinha muito movimento, então a gente brincava em segurança. Gostávamos também de atravessar até a W3 Sul para irmos à Campineira, comprar tijolo de sorvete;, recorda a servidora pública aposentada Carla Pereira Leite, 57 anos. Filha de dona Gerda, ela e os outros dois irmãos tinham toda a cidade à disposição. ;A gente era bem livre, brincávamos muito.; Quando compara a capital daquele tempo com a de agora, o sentimento é de alegria. ;Brasília cresceu muito. Está enorme!”, diz. Os desafios iniciais se seguiram a uma vida estabelecida. ;Valeu a pena. Estamos aqui até hoje!”, ri a pioneira Gerda.
O poder de perto
Quando Francisca da Silva, 68 anos, se mudou para Brasília, ela só tinha 5 anos. Ela veio com a mãe, dona Dolores, cozinheira do presidente Juscelino Kubitschek. ;Eu era a única criança do Catetinho. Era muito paparicada;, recorda-se. Quando JK e colegas de empreitada vinham para Brasília, faziam questão de trazer um brinquedo para a pequena Francisca. ;Também sempre brincavam comigo.; Daqueles tempos, ela se lembra de morar na Rua do Sossego, na Candangolândia. ;Ver a cidade como está hoje é emocionante, porque minha mãe e eu fazemos parte dessa história;, afirma. Para ela, todas as dificuldades foram apenas um caminho a ser vencido. ;Sou muito feliz por ter presenciado tudo isso;, afirma.
Não foi fácil para Maria Coeli de Almeida Vasconcelos, 73 anos, se adaptar ao Planalto Central. Aos 17 anos, ela se mudou de Minas Gerais para o Planalto Central. ;Cheguei em 1960, estava cursando o normal;, lembra. O pai, então deputado federal, era amigo bastante próximo de JK e quis incentivar o projeto do então presidente. ;Ninguém queria vir para cá, porque não tinha nada;, explica. Foi em uma aula de ciências, na Escola Classe 206 Sul, que passei a pensar diferente. A professora contou que as árvores do cerrado eram grossas para se proteger do tempo seco. Vi que deveria me adaptar, como as árvores;, conta Maria Coeli.
Os primeiros anos, em Brasília, deram a ela a condição de desenvolver uma educação plena. ;Eu estudava no Colégio Aplicação e colocava em sala de aula o que aprendia no curso normal. Foi uma experiência maravilhosa.; A vida profissional se diversificou. ;Comecei o curso de arquitetura e urbanismo na UnB, mas não terminei. Também sou atriz e realizei dois documentários: Honestino 30 anos e Ataíde: sua obra, seu tempo.;
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