postado em 14/02/2010 14:49
Sérgio Vilar
Quando Camala Carneiro surgiu no carnaval de Natal, a cidade ainda vivia o clima das grandes folias de rua, dos bailes de elite e o glamour das escolas de samba. Talvez seja o personagem mais tradicional e anônimo do carnaval natalense. Todos os domingos da folia de Momo, como hoje, Camala desfila suas tranças - de causar inveja à Rapunzel - pelas ruas do Centro. A boneca gigante arquitetada pelo artista plástico Carlos Sérgio Borges serve de estandarte para o bloco carnavalesco mais popular, irreverente e tradicional da cidade: as Kengas.
O bloco surgiu em período de decadência do carnaval da cidade. A cortina do show dos anos 70 se fechava. E a alegria estava longe daquele início de espetáculo ou da herança de ouro deixada pelos carnavais da década de 60. A Banda Gália surgia na tentativa do resgate da alegria em decadência, enquanto um grupo de malucos curtia livre, leves e solteiros os carnavais da Bahia.Quando chegaram a Natal, decidiram "engrossar o caldo" da Banda Gália e criaram o bloco das Kengas, em 1983, no rastro do cometa da comicidade e da irreverência.
O cenário de surgimento das Kengas está hoje tomado pelo comércio da Rua Felipe Camarão, no Centro da Cidade - rua paralela à loja Riachuelo.
Funcionava ali a boate Broadway, das mais freqüentadas à época. Aquele grupo de malucos natalenses mergulhados no carnaval da Bahia estava reunido lá: o produtor Lula Belmont, o cenógrafo Whoton, o jornalista José Antônio (Dega), o professor Luciano Morais (hoje em Mato Grosso do Sul) e o professor do Cefet, Levir Miranda. Foram eles os culpados pela criação das Kengas.Desde o primeiro ano o bloco adotou o domingo como dia oficial e as 17 horas como o horário de libertação das Kengas. "Queríamos resgatar a alegria do carnaval da cidade. Quem batizou o nome Kengas foi Marcos Sá, então promoter da boate Broadway (hoje produtor do Som da Mata). A gente se perguntava como botar um bloco na rua. Contratamos uma Charanga e depois rodamos o chapéu para pagar os custos. Ninguémcolaborou. E nesse primeiro ano juntamos umas 300 pessoas. A boate arcou com o prejuízo".
No carnaval de 1984, a Broadway já estava fechada. Lula Belmont havia aberto a boate Vice-Versa, na Rua Vigário Bartolomeu, também no Centro (próximo à sede da Prefeitura) - novo ponto de apoio do bloco. A boate funcionou até 1992. Foi palco de inúmeros segmentos da música e estreia de bandas de rock e artistas do quilate de Cida Lobo, Mariângela e espetáculos teatrais como A Missão, que rodou mais de 20 festivais pelo Brasil. O Vice-Versa acompanhou as Kengas por oito anos e assistiu o crescimento vertiginoso do bloco.
O grande "boom" das Kengas se deu já no terceiro ano de desfile. Após o fiasco financeiro no primeiro ano, em 1983, a diretoria pensou já no início do ano como arrecadar verba para manter o desfile. Promoveram feijoadas, bingos, vendas de camisa e conseguiram o fundamental apoio do extinto Motel Thaiti - famoso pelas propagandas criativas e muitas faixas espalhadas pela cidade. Em 1985, o bloco saía já com 2 mil "kengas". A Rua Vigário Bartolomeu permaneceu o local de concentração e início do desfile até o número de adeptos crescer e invadir outras adjacências.
A diversidade
A organização do Bloco das Kengas crescia conforme o número de foliões. Em 1989, Lula Belmont teve a ideia de criar o Baile das Kengas para ajudar a financiar a logística do desfile de carnaval. Assim como a sua matriz, o Baile também se tornou das prévias carnavalescas mais tradicionais da cidade, em festas memoráveis na sede do América Futebol Clube. A década de 90 chegava com a queda de público da boate Vice-Versa e o conseqüente fechamento em 1992. Nada que afetasse o já bem sucedido e autosustentável Bloco das Kengas.
O número de "kengas" cresce a cada ano. Em 2009, Lula Belmont estima entre 20 e 25 mil participantes. O produtor identifica nos foliões participantes a maior representatividade da sociedade entre os blocos carnavalescos. "Você vê desde o médico ao mendigo, do professor ao aluno. São famílias inteiras que se vestem demulher para brincar, e também as kengas". E as kengas também simbolizam a diversidade. "Têm, as kengas com as fantasias de luxo e outras que buscam a originalidade, muito usadas nos bailes municipais de antigamente".
E o escracho e o glamour estarão juntos, na pele de personagens caricatos e sedutores na tarde de hoje, sob o tema Xanana, Minha Flor. A concentração, desde sempre, será na Rua Vigário Bartolomeu a partir das 17h. Uma orquestra de frevo composta por 15 músicos esquenta os tamborins e outros 25 músicos colorem as ruas do Centro com paetês, lantejoulas e saltos nas ruas esburacadas até voltarem ao palco montado na Rua Ulisses Caldas para seguir a festa.