postado em 15/02/2010 08:02
O calor excessivo que esquentou o asfalto da concentração do Pacotão, desde 11h da manhã de ontem na entrequadra comercial 302/303 Norte, não desanimou os foliões do grupo carnavalesco que completa 32 anos em 2010 e que continua tendo como principal marca a crítica política. ;Estávamos pensando em fazer um enredo homenageando os 50 anos de Brasília, mas fomos brindados com o escândalo do panetone;, brincou Joca Pavaroti, um dos organizadores do bloco. Este ano, foram inscritas cerca de 50 composições no clássico concurso de carnaval. Das 25 escolhidas para integrar a coletânea lançada em CD, todas versam sobre a situação política do Distrito Federal, inclusive a campeã de 2010, a canção de duplo sentido O bolsetão da Eurides.;É uma pena termos ficado defasados em relação aos últimos acontecimentos;, complementou o organizador , em alusão ao recente episódio da prisão do governador José Roberto Arruda, ocorrida na última quinta-feira, 11. Os escândalos de corrupção envolvendo o alto escalão do governo do DF foi mesmo um prato cheio para os participantes do tradicional e irreverente bloco. Falsos panetones e bolsas recheadas de dinheiro ; de mentira ; foram os adereços mais usados nas fantasias dos foliões e eram exibidos sem nenhum pudor.
O chef de cozinha Tony Martins preparou uma receita especial de panetone, cujo principal ingrediente é a delação de Barbosa. ;É prudente comer rezando porque a receita é indigesta;, avisou o cozinheiro. ;O carnaval é isso. Uma catarse em que o povo demonstra o repúdio com a situação política do país;, opina Martins.
Com atraso de mais ou menos uma hora, o bloco deixou a concentração rumo ao Gran Folia, passando pela W3 Norte, por volta das 16h. Um problema na embreagem do trio elétrico fez com que o desfile fosse interrompido por meia hora. Cerca de 40 integrantes do movimento Fora Arruda também marcaram presença na folia. Empurrando mini-carros alegóricos construídos em cima de carrinhos de supermercado, eles caminharam desde o Diretório Central dos Estudantes da Universidade de Brasília (UnB) até o encontro com o bloco ainda no trajeto da W3.
Um dos veículos levados estava enfeitado com fotografias de parlamentares envolvidos no escândalo político cobertas de baratas. Outro representava uma maquete do setor Noroeste, futuro bairro de Brasília. O objetivo era alertar sobre o impacto da construção de novos prédios para as reservas do cerrado. Este ano, a saída do Pacotão teve um sabor especial para o professor de história Aluísio Queiroz. Aos 68 anos, ele comemorava o 50; carnaval na pele do Palhaço Bimbo. ;A minha fantasia pode até servir para os políticos que estão aí;, brincou.
Segundo a organização do evento, pelo menos quatro mil pessoas participaram do desfile. A Polícia Militar, no entanto, confirmou a expectativa inicial, que era de três mil foliões. Até o fechamento desta edição, não havia registro de nenhuma ocorrência durante o percurso do Pacotão.
Operação Álcool Zero continua
O Batalhão de Trânsito vai realizar até o fim do carnaval a Operação Álcool Zero. Ontem, os policiais iniciaram o trabalho às 8h e realizaram blitzes até as 17h. Nos Setores de Clubes Sul e Norte, foliões foram abordados pelos policiais.
Para cobrir as principais áreas de concentração ; clubes e percurso do Pacotão ; foi necessário mobilizar 30 agentes, em três viaturas.
Até às 17h, não havia nenhum registro de motoristas dirigindo sob o efeito de bebidas alcoólicas.
No Setor de Clubes Sul, foram registradas ocorrências de pessoas sem cinto de segurança e falando ao celular enquanto dirigiam.
Documento da folia
O carnaval dos 50 anos de Brasília tem movimentado a comunidade cinematográfica da cidade. A professora da UnB e cineasta Dácia Ibiapina, que trabalha nas gravações do documentário Entorno da beleza, aproveitou o desfile do Pacotão na tarde de ontem para garantir mais alguns trechos do filme. ;Queria trabalhar a relação centro-periferia do Distrito Federal sob uma ótica positiva, que não fosse sobre violência. Estávamos acompanhando as escolhas das miss nas cidades e não deu para ignorar a influência da situação política nos concursos. Decidimos então gravar aqui;, explicou. O veterano documentarista Vladimir Carvalho também marcou presença no Pacotão. Autor de vários filmes sobre Brasília, Carvalho também trabalha no registro do carnaval deste ano. ;Eu não sei o que vai dar isso aqui e o projeto ainda não tem nome. O título só vem no final;, afirmou o cineasta, que vem registrando os protestos que se tornaram frequentes na cidade desde o início da crise política, em novembro de 2009.