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Delação premiada pode ajudar o país a combater mais organizações criminosas

Ainda pouco utilizada pelo Judiciário, a colaboração premiada é, segundo especialistas, recurso poderoso para ajudar no combate à corrupção

postado em 14/10/2014 07:39
Paulo Roberto Costa forneceu detalhes da operação criminosa na Petrobras e espera ter as penas reduzidas

Sob os holofotes depois que o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa decidiu usá-la para tentar amenizar uma eventual condenação por envolvimento em esquema de corrupção, a delação premiada é, de acordo com especialistas, instrumento que pode ajudar o país a enquadrar mais organizações criminosas, como a que supostamente atuava na petrolífera em troca de propina. Para eles, no entanto, a morosidade da Justiça costuma atrapalhar a aplicação do expediente em investigações. Já advogados reclamam que o dispositivo deveria prever maior punição ao delator que mentir.

O ministro aposentado do STF Carlos Velloso defende que a delação é um instrumento muito útil, ;desde que seja usado com seriedade e responsabilidade;. ;No caso de uma quadrilha de alto nível, como essa que agia na Petrobras, se não houver uma possibilidade como essa de esclarecer melhor as coisas, mostrar como os malfeitos eram feitos, seria muito difícil para os instrumentos da repressão, como o MP e a própria Justiça, desbaratar aquela quadrilha;, comenta.

O procurador da República Hélio Telho, do Núcleo de Combate à Corrupção do Ministério Público Federal de Goiás, explica que, embora prevista na legislação brasileira desde 1999, a colaboração premiada ganhou peso depois de ser melhor detalhada na Lei n; 12.850, de 2013, que define organizações criminosas. ;É nesse tipo de crime que ela melhor pode contribuir com as investigações. Isso porque, quanto mais se sobe na hierarquia de uma organização criminosa, mais distante vão ficando as provas contra esses chefes. Ou seja, mais difícil é a apuração;, explica.

Telho diz que, como a sanção da Lei n; 12.850 é recente, a delação pode se tornar agora um instrumento mais usado. ;Se os investigadores conseguem provas robustas para condenar um dos integrantes da organização, a delação se apresenta como uma alternativa a esse réu. Torna-se mais vantajoso para ele fornecer informações contra esses chefes;, detalha. O acordo de colaboração premiada prevê que, dependendo da relevância da ajuda, o réu pode ter a pena reduzida em dois terços, trocar a cadeia por prisão domiciliar ou até ter perdão judicial.

Para o procurador, a morosidade da Justiça pode ser um inimigo do dispositivo. ;A colaboração premiada é apenas uma das alternativas do réu. Se o advogado disser a ele que consegue atrasar a aplicação da pena eternamente por meio de recursos, o delator pode optar por essa alternativa. Então, é mais um problema do excesso de instâncias recursais no Brasil;, avalia Telho.

Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Alexandre Camanho diz que a delação é uma grande conquista para o Ministério Público. ;Contribui muito para as investigações. É importante lembrar que o delator só se beneficia com esse instrumento caso haja coerência entre as informações prestadas por ele e o restante do conjunto probatório;, diz. No caso de Costa, a delação foi homologada pelo Supremo Tribunal Federal este mês, mas ele ainda não garantiu o benefício porque as informações dependem de apuração.

Propina

O ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa acusou políticos do PT, do PMDB e do PP de receberem recursos de propina para campanhas políticas em 2010. Segundo ele, o Partido dos Trabalhadores ficava com 2% a 3% dos valores dos contratos superfaturados na empresa. Ele afirmou que o PT era a legenda que mais recebia recursos por meio de corrupção, já que comandava mais diretorias na empresa. De acordo com Costa, as construtoras acrescentavam 3% a título de ;ajuste político; em licitações que eram acertadas entre as empresas de um cartel.

A colaboração premiada prevê que o delator pode auxiliar a Justiça de diferentes maneiras, como identificando os demais integrantes da organização criminosa, revelando a estrutura hierárquica e a divisão de tarefas do grupo e recuperando o produto ou o proveito das infrações penais. Além de delatar outros integrantes do esquema, Paulo Roberto Costa combinou pagar cerca de R$ 70 milhões em multas, desistir de recursos que havia ajuizado no processo e manter sigilo do acordo, entre outros termos.

O advogado Pedro Gordilho diz que a delação é uma ;faca de dois gumes;. ;Produz resultados benéficos se as informações são confirmadas pela investigação, mas pode servir também como um instrumento do mal para afastar do cenário inimigos do delator. Então, deveria haver uma maneira de punir essa mentira;, diz Gordilho. Atualmente, a única penalidade em caso de mentira é não ter direito ao benefício negociado com a Justiça.
(Colaborou Grasielle Castro)

Experiência internacional
O instrumento da colaboração premiada tem sido amplamente usado fora do Brasil para desbaratar quadrilhas, de acordo com Carlos Velloso. O ministro aposentado destaca que, na Itália, a delação serviu inclusive para desmontar máfias, como na Operação Mãos Limpas, que investigou denúncias de corrupção nos anos 1990. De acordo com ele, no Brasil, o juiz federal Sérgio Moro está fazendo o trabalho de forma correta. ;Ele é um homem que entende de direito penal como poucos, é um magistrado de respeito, que está conduzindo de uma maneira perfeitamene correta esse processo;, destacou Velloso, acrescentando que ;é bom que isso tenha prosseguimento justamente no período eleitoral para servir de alerta e advertência;.

PERFIL// Sérgio Fernando Moro

Ainda pouco utilizada pelo Judiciário, a colaboração premiada é, segundo especialistas, recurso poderoso para ajudar no combate à corrupção

Especialista em lavagem de dinheiro

O revelador depoimento do engenheiro e ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa foi tomado pelo juiz da 13; Vara Federal de Curitiba, Sérgio Fernando Moro (foto), 42 anos, em meio a um processo criminal público. A audiência foi marcada em 19 de setembro, antes da conclusão da delação premiada sigilosa que o réu prestava para o Ministério Público.

Moro é um dos maiores especialistas do país em lavagem de dinheiro e colaboração premiada. Tempos atrás, sofreu ameaças de morte e andou escoltado por policiais. Cuidou do caso Banestado, que prendeu uma série de doleiros, entre eles, Alberto Youssef, um dos pivôs da Operação Lava-Jato. Nos últimos meses, os advogados dos réus têm tentado tirar o caso dele.

Moro é discreto na vida pessoal e evita exposição. Formou-se em direito pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Seu pai, Dalton Moro, já falecido, ministrava aulas no Departamento de Geografia da instituição. Na Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde é professor desde 2007, Moro fez mestrado e doutorado em direito do Estado. Em 2012, foi juiz instrutor da ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber. Interrompeu o trabalho por não conseguir adequar sua atuação com os horários da universidade.

Sérgio Moro defende que o Judiciário seja mais rigoroso com os crimes de corrupção em medida semelhante ao que faz ao tráfico de drogas. ;Imprescindível também são mudanças de percepção dos juízes quanto aos males da corrupção;, escreveu ele em agosto, em artigo na Folha de S.Paulo no qual defendeu que não fossem liberados da cadeia os suspeitos de desvio de dinheiro. (EM)

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