Eleicoes2010

ONGs beneficiadas com emendas retribuem fazendo campanha

postado em 05/09/2010 10:21
Organizações não governamentais (ONG) descobriram na parceria com políticos o caminho mais fácil para ter acesso a recursos públicos. Ao se beneficiar de repasses do governo federal por meio de emendas parlamentares apresentadas por deputados e senadores, essas instituições retribuem se dedicando às campanhas de quem lhes ajudou a encher os cofres. O Correio encontrou em diferentes regiões do país casos que dão fortes indícios de como políticos conseguem fazer de ONGs verdadeiros cabos eleitorais. Uma relação de proximidade que tem chamado a atenção de órgãos de fiscalização. Em Minas Gerais, por exemplo, o Ministério Público Federal abriu investigação para apurar a participação da Esporte Mais, de Uberaba, na eleição de um vereador.

No Distrito Federal, a Associação de Radiodifusão e Jornalismo Comunitário de Santa Maria tem uma simpatia declarada pelo deputado federal Geraldo Magela (PT). Graças a ele, a pequena instituição, localizada em cima de uma barbearia em uma sala alugada, recebeu do Ministério do Esporte R$ 490 mil em 2009 e este ano embolsou R$ 1,1 milhão. Em troca, a ONG faz o que pode para retribuir. No site da emissora, dois vídeos de entrevistas com Magela estão na página principal. Um deles desafiou até as proibições da Justiça Eleitoral. Entitulado ;Magela fala sobre voto facultativo;, o vídeo tem 7 minutos e 50 segundos e durante todo o tempo locutor e entrevistado conversam apenas sobre a trajetória política do deputado e ressaltam a presença frequente de Magela em Santa Maria. A entrevista foi feita antes do início oficial da propaganda eleitoral. O deputado tenta a reeleição.

Na residência do responsável pela rádio, Erivaldo Alves, adesivos de Magela estavam colados no portão. Apesar das demonstrações de que o empenho do petista para encher o caixa da rádio com recursos públicos rendeu a ele alguns cabos eleitorais, Erivaldo diz que não conhece ;direito; o parlamentar e que apenas pediu, em nome da entidade, que Magela apresentasse as emendas. Pedido que, segundo ele, foi feito a outros representantes do Distrito Federal no Congresso.

Uma emenda do senador Adelmir Santana (DEM) também rendeu apoio à sua campanha. Ao liberar R$ 99,9 mil em 2009 para a ONG Amigos do Bem, em Samambaia, o agora candidato a deputado federal conseguiu o apoio dos integrantes da instituição e ainda trouxe Hamilton Teixeira, dirigente da ONG, para a vida política. Ele disputará uma vaga na Câmara Legislativa. Na residência de Hamilton, que é o endereço registrado da Amigos do Bem, um adesivo de Adelmir ao lado do seu nome dá o tom da parceria. ;Ele é o nosso candidato do coração;, disse a esposa do responsável pela ONG, ao ser perguntada pela reportagem sobre a ligação da entidade com o senador. ;Ele nos apoia e nos ajudou com emendas. Decidi me candidatar porque sou ligado ao movimento de quadrilhas juninas no DF e precisamos de representação;, afirma Hamilton.

Pelo país
No Ceará, a relação entre candidatos e ONGs beneficiadas por emendas também é estreita. O deputado federal Eugênio Rabelo criou e atua informalmente como um dos gestores do Instituto Ceará de Esporte Total. Para dar uma força ao próprio projeto, o parlamentar conseguiu mandar para a instituição no ano passado R$ 120 mil por meio de uma emenda. Em troca, participa dos eventos de lançamento de projetos e é sempre lembrado como o maior apoiador da instituição. Em todas as notícias encontradas pelo Correio sobre a ONG, há sempre menções ao apoio do parlamentar.

O deputado Aníbal Gomes (PMDB-CE) também consegue angariar cabos eleitorais graças às suas emendas. Ao propor a liberação de R$ 300 mil no ano passado para a Sociedade Acarauense de Proteção e Assistência Infantil, o parlamentar se transformou no símbolo de apoio ao único hospital da cidade de Acaraú. Os dirigentes da instituição deixar claro aos moradores de onde vêm os recursos. ;Voto nele. Eu e a maioria. Ele ajuda o hospital e as pessoas sabem disso. Todo ano ele é o deputado mais bem votado aqui;, comenta um dos diretores do hospital, Francisco Silveira. Em 2003, o Supremo Tribunal Federal determinou a instauração de Ação Penal contra Aníbal Gomes por supostamente favorecer a essa mesma sociedade durante o período que exerceu o cargo de prefeito de Acaraú.

Em Pernambuco, o deputado estadual
Izaías Regis (PTB), ligado à Associação do Comércio, da Indústria e Agroindustrial de Garanhuns (Aciagam), tem pedido votos para o deputado federal Armando Monteiro (PTB) em uma espécie de ;campanha casada;. Entre 2005 e 2008, Monteiro destinou R$ 590 mil à entidade.

Há ainda casos em que o parlamentar se beneficia da ONG para ganhar visibilidade. Em Minas, o deputado federal Miguel Corrêa (PT), presidente da ONG Mudança Já, chegou à vida pública com a ajuda da entidade instalada em Venda Nova, região norte de Belo Horizonte. Ela foi fundada em 2001 e teve força de ajudar Corrêa a alçar uma cadeira na Câmara Municipal de Belo Horizonte, onde foi o mais jovem a assumir o cargo. De lá pra cá, Corrêa se elegeu deputado federal e agora se candidata à reeleição.

Para o procurador-geral eleitoral, Roberto Gurgel, as irregularidades notadas ao longo de uma campanha política devem servir para que a Justiça analise as brechas deixadas pela lei. ;Acho que é preciso analisar os furos das regras que normatizam as campanhas. A partir daí, abre-se um debate sobre as mudanças, para evitar que as condutas contrárias à lei se repitam;.

Como obter recursos
As ONGs atuam no chamado terceiro setor. São entidades sem fins lucrativos e de finalidade pública. Geralmente, recebem recursos originários de doações de pessoas físicas, contribuições de empresas privadas e de convênios com o governo. Outra forma de financiamento são as emendas parlamentares. Nesses casos, as entidades apresentam projeto ao deputado ou senador, que escolhe algumas ONGs para incluir na lista de beneficiárias de emendas que vão compor a proposta de Orçamento da União. Uma vez selecionada pelo parlamentar, e a depender do empenho e do interesse do político, essas entidades passam a receber repasses de determinados ministérios para financiar projetos específicos.

Colaboraram Alana Rizzo e Maria Clara Prates

Deputados negam qualquer favorecimento

O deputado federal Geraldo Magela (PT-DF) afirmou que não elabora emendas pensando em apoio político e que a escolha dos projetos que pretende beneficiar leva em conta os critérios de capacidade técnica e idoneidade das instituições. ;Minhas emendas têm caráter plural. Elas contemplam instituições ligadas à oposição e gente sem ligação partidária. Não faço emenda pensando em obter vantagem política. No entanto, quando faço campanha, faço para todo mundo. Peço apoio a todo mundo independentemente das emendas;, diz

Sobre a relação que mantém com a ONG Amigos do Bem, o candidato a deputado Adelmir Santana afirma que, ao destinar emendas à instituição, seu objetivo foi incentivar a cultura e o lazer em Samambaia. ;O ex-presidente da ONG hoje é candidato a distrital pelo DEM, partido que presido no DF. Ele tem meu apoio, mas nunca me beneficiou ou à minha campanha com recursos ou qualquer tipo de material. Ele está afastado da presidência da ONG desde novembro de 2009;, diz.

O deputado Aníbal Gomes (PMDB-CE) também negou que elabore emendas pensando em retorno político. ;Eles até podem votar em mim, mas é porque tenho história em Acaraú. Minha origem vem de lá;, diz. A assessoria do deputado Armando Monteiro afirmou que desde 2008 o parlamentar não destina recursos para a Aciagam e que o total repassado à associação ligada ao colega Izaías em três anos representou apenas 13% do total destinado à instituição no período.

O deputado federal Miguel Corrêa diz que fez opção por ;blindar; sua ONG Mudança Já ao se recusar a receber qualquer financiamento público. Para ele, isso evita insinuações de uso indevido da entidade. Apesar da blindagem à entidade, Corrêa já lançou mão de ONG para ajudar a financiar o evento privado Axé Brasil, em Belo Horizonte. O parlamentar foi autor de emenda de R$ 400 mil para o Instituto Mineiro de Desenvolvimento da Cidadania, que, por sua vez, repassou à DM Produções para a realização do evento musical. A DM é do empresário Leonardo Dias, amigo do deputado. Corrêa diz que não existiu irregularidade na triangulação porque o governo financia eventos privados, como as corridas de F-1. (IT e MCP)

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