postado em 23/09/2010 08:25
Famoso por ser um tribunal de debates elegantes e de manifestações sutis das divergências, o plenário do Supremo Tribunal Federal foi ontem palco de uma discussão acalorada e de trocas de argumentos ríspidos. Após a apresentação do voto do relator, Carlos Ayres Britto, a favor da aplicação da Lei da Ficha Limpa nestas eleições, o presidente do Corte, Cezar Peluso, levantou uma questão polêmica e não prevista para a sessão da tarde de quarta-feira. O ministro destacou uma suposta falha na aprovação da Lei Complementar n; 135 no Senado Federal. Segundo Peluso, os tempos verbais das alíneas foram alterados pelos senadores e, por isso, o projeto deveria seguir para uma nova votação na Câmara dos Deputados, o que não aconteceu. ;Evidentemente, as mudanças não podem ser consideradas emendas de redação;, afirmou.Peluso disse ter ficado ;perplexo; em virtude dessa hipótese não ter sido levantada nas análises feitas anteriormente pelos ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a lei. Ele destacou que as alterações no conteúdo de um projeto por uma das casas do Congresso Nacional devem ser remetidas à outra para uma nova apreciação. Como isso não ocorreu, a norma deveria ser invalidada. A emenda do senador Francisco Dornelles (PP/RJ) mudou a conjugação dos verbos do pretérito perfeito para o futuro do subjuntivo, ou seja, onde existia ;os membros do Congresso Nacional que tenham renunciado a seus mandatos; foi alterado para ;os que renunciarem;. ;Não se trata apenas de questão de português, de vernáculo;, afirmou o presidente.
Ricardo Lewandoswski, que preside o Tribunal Superior Eleitoral, disse ter consultado especialistas sobre o caso e encontrado duas interpretações: a lei só poderia ser aplicada em casos futuros, mas também poderia englobar todos que cometeram os atos previstos. ;Esta última análise estava mais próxima do espírito da lei. As emendas só buscaram harmonizar os tempos verbais;, argumentou Lewandoswski. ;O texto da Câmara já estava uniformizado;, rebateu Peluso.
Inconstitucionalidade
Para o presidente da corte, os ministros têm de analisar a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa no que se refere à mudança de texto feita no Senado. Entretanto, essa análise não havia sido reclamada pela defesa de Joaquim Roriz (PSC). Segundo Pedro Gordilho, advogado do ex-governador, a norma é legítima, mas o Supremo deve rever a aplicação dela para casos passados, atendendo os princípios da anualidade e da irretroatividade (1). ;Estamos em sede de recursos. Nenhuma ação de inconstitucionalidade foi proposta nesta casa. O texto não sofreu qualquer modificação no seu sentido original;, levantou Lewandoswski.
Se a lei de iniciativa popular for declarada inconstitucional, como indicou o presidente, ela não poderá ser aplicada em nenhum caso e será necessária uma nova tramitação do texto no Congresso Nacional. ;As leis não podem ser feitas de qualquer jeito;, frisou o presidente do STF. ;O Supremo só pode julgar o caso se for provocado. Um juiz não pode agir de ofício;, argumentou o presidente do TSE. Segundo Peluso, o assunto deve ser debatido no mérito do recurso extraordinário, mas outros ministros defendem uma discussão preliminar em uma questão de ordem.
Por enquanto, cinco magistrados deram a entender que são contra a possibilidade de o Supremo apreciar a alteração feita no texto do projeto ; Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Cármem Lúcia, Lewandowski e Marco Aurélio Mello. ;O Supremo não pode inaugurar de ofício uma ação direta de inconstitucionalidade;, disse a ministra Cármem. Marco Aurélio Mello, que é contrário à aplicação da lei complementar, concorda que o fato trazido por Peluso não deve ser analisado pela Corte: ;Não enfrentamos essa causa, que é autônoma. Estamos complicando o julgamento;.
Quando os ânimos ficaram mais exaltados devido à discussão do tema, Ayres Britto fez uma declaração sobre a proposta do presidente que fez os próprios ministros sorrirem. ;Parece um salto triplo carpado hermenêutico;, disse o relator. ;Isso é muito interessante do ponto de vista publicitáro, mas não do ponto de vista jurídico;, retrucou Peluso.
1 - Garantias
De acordo com o artigo 16 da Constituição Federal, as leis que alterarem o processo eleitoral devem ser aprovadas um ano antes das eleições. Em outro ponto, a Carta Magna garante que nenhuma norma pode retroagir para prejudicar o réu, apenas para beneficiá-lo.