Eleicoes2010

Crise do dólar mudará discursos de candidatos

Riscos de supervalorização do real obrigam Dilma Rousseff e José Serra a resgatarem temas esquecidos para o debate do segundo turno

postado em 10/10/2010 09:53
Equilibrando-se na corda bamba das pesquisas eleitorais, Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) chegaram ao segundo turno da corrida pelo Palácio do Planalto adotando a tática do erro zero, sem se comprometer com polêmicas e abusando das generalidades. Temas da agenda econômica considerados espinhosos entram agora no radar dos candidatos. A três semanas da decisão nas urnas, a estratégia de não perder votos pelo que pensam ou falam ; até então levada ao pé da letra ; se enfraquece, ao menos nos assuntos que mexem com o bolso das pessoas. Pesquisa Datafolha divulgada ontem mostra Dilma com 48% das intenções de votos e Serra, com 41%.

Tanto a petista quanto o tucano terão de ir para o debate franco e aberto. Questões como câmbio, juros, Previdência, responsabilidade fiscal e funcionalismo estão no cardápio. O confronto de ideias sobre esses e outros assuntos aos poucos evidencia diferenças e coincidências entre os dois concorrentes à sucessão presidencial. ;Em uma eleição muito midiatizada ninguém detalha as propostas, as campanhas são abstratas. Por outro lado, o eleitor não será tocado pela complexidade do tema. Vai ser tocado por algo que faça a diferença na vida dele;, analisa Rafael Cortez, cientista político da Consultoria Tendências.

O fato de José Serra tentar resgatar o legado deixado por Fernando Henrique Cardoso, elogiando as privatizações e as políticas de universalização realizadas nos anos 1990 e 2000, é parte de uma nova postura para conquistar simpatizantes. O mesmo vale para Dilma, que, ao insistir no aprofundamento das políticas sociais a partir de 2011 e na defesa de um Estado indutor do desenvolvimento, mira homens e mulheres que optaram por outras plataformas no primeiro turno. Assuntos populistas, no entanto, unem a petista ao tucano.

Ao falar de salário mínimo, Serra promete elevar o valor para R$ 600 já a partir do próximo ano. Dilma diz que aumentará o subsídio básico a um patamar acima do proposto pelo concorrente, mas sem definir prazos. Ambos, porém, esquivam-se de explicar como cumprirão a promessa, qual o custo financeiro da medida e seus impactos sobre aposentadorias, pensões e caixas de governos estaduais e municipais. No caso do Bolsa Família, idem. As propostas de ampliação do programa de transferência de renda são quase idênticas na forma e no conteúdo.

Ferro e fogo
Zeina Latif, economista-sênior do Royal Bank of Scotland (RBS) para América Latina, avalia que o que Dilma e Serra falam no calor da campanha precisa ser filtrado: ;Não acredito que o que está sendo dito agora possa servir como sinalizador de fato para a agenda econômica.; Um exemplo clássico, segundo ela, é a veemência com que Serra aborda a questão da queda dos juros . ;Não acho que, se vencer as eleições, Serra provocará queda dos juros no início de 2011 se não houver condições para isso. Ele conseguirá que os juros caiam fazendo uma boa política monetária. Não fará isso de forma arbitrária ou por meio de algum tipo de intervenção no Banco Central;, reforça Zeina. Em se tratando de gastos públicos, o raciocínio também se aplica a Dilma, completa a analista. ;Seria precipitado tomarmos a ferro e fogo tudo o que os candidatos dizem;, justifica.

Ruídos causados por temas que envolvem aborto, união estável entre pessoas do mesmo sexo e controle da mídia reduzem os espaços para que os candidatos aprofundem ou expliquem suas iniciativas de governo. Neste segundo turno, a massificação do debate em torno desses ícones sensíveis congestionou a agenda econômica na disputa pela Presidência da República. Fenômeno até certo ponto natural e amplamente vivenciado pelo eleitor brasileiro em embates passados, mas que não podem se sobrepor a outras tão ou mais importantes, advertem especialistas, ressaltando, por exemplo, a supervalorização do real ante o dólar, que está pondo em risco a indústria brasileira (leia mais sobre câmbio na página 19).

Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, chama a atenção para o papel do Legislativo em 2011 e nos próximos anos. ;O grande ponto é que os dois candidatos estarão mais amarrados ao Congresso e, por mais que se diga que eles leram livros semelhantes, seus partidos leram livros muito diferentes. Essa diferença será essencial na condução da política econômica nos próximos anos, principalmente no caso de Dilma, cuja experiência política é nula;, resume.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação