postado em 13/10/2010 09:48
Um sermão do arcebispo de Brasília, dom João Braz de Aviz, abordando os assuntos mais polêmicos destas eleições ; a Lei da Ficha Limpa e o aborto ; agitou os católicos que participavam da missa em homenagem a Nossa Senhora Aparecida, ontem na Esplanada dos Ministérios. E deixou aparentemente constrangidos os concorrentes ao Palácio do Buriti, Agnelo Queiroz (PT) e Weslian Roriz (PSC), que acompanhavam o evento. O sacerdote aproveitou o momento da homilia para enviar aos milhares de presentes mensagens de tom político, com críticas ao comportamento de alguns candidatos e ainda cobrando posturas sintonizadas com o princípio cristão, após o período eleitoral.
Os adversários ao Governo do Distrito Federal (GDF), que estavam acomodados numa área reservada a autoridades ao lado do palco principal, participaram da celebração acompanhados dos respectivos cônjuges. Apesar de negarem qualquer tipo de saia justa com as declarações do arcebispo, Agnelo e o casal Roriz, que não se cumprimentaram, não esconderam o desconforto de estarem sob críticas do chefe da Igreja Católica local e diante dos olhares atentos dos fiéis, que encheram o gramado central da Esplanada ; pelo menos 10 mil estavam presentes, segundo cálculos oficiais da Polícia Militar e da Secretaria de Segurança Pública. Durante o sermão, os três permaneceram sérios e calados, tentando seguir as palmas do público. Sete pessoas separavam o assento de Agnelo do de Weslian, entre elas o senador Pedro Simon e os distritais Wilson Lima e Rôney Nemer. O governador Rogério Rosso não compareceu ao evento.
Ao introduzir o tema eleições, o arcebispo disse que o processo eleitoral deste ano mostrou a consciência da participação popular, numa clara defesa à Lei da Ficha Limpa. ;A Ficha Limpa é uma lei vitoriosa. Ela nos ajudou a impedir que políticos corruptos nos governem. Entre eles, alguns foram barrados e outros foram impedidos de fazer campanha. Já podemos dizer que o povo começou a realizar a tão esperada reforma política, que agora poderá tomar uma força bem maior;, afirmou, sob salva de palmas.
Naquele momento, o ex-governador Joaquim Roriz, que foi alvo dos critérios impostos pela Ficha Limpa, aplaudiu de forma discreta, cruzando os braços em seguida. A mulher dele, Weslian, e a filha Liliane, deputada distrital eleita, o acompanharam no gesto. Ao sair do evento, o ex-governador desconsiderou que as declarações tenham sido dirigidas a ele. ;Não, muito pelo contrário. As palavras do arcebispo foram para aqueles que achavam que iam ganhar no primeiro turno. Eu sou ficha limpíssima;, ressaltou. A candidata Weslian minimizou os efeitos da mensagem de dom João. ;As palavras dele foram boas. Vou fazer uma reflexão em casa.; Agnelo também comentou brevemente o viés político da homilia: ;As igrejas não estão fora da sociedade, estão participando ativamente da vida do nosso país. A população quer uma eleição com candidatos ficha limpa e é importante que tanto o Brasil quanto o Distrito Federal sejam passados a limpo;.
Defesa pela vida
A questão do aborto, explorada em demasia pelos candidatos neste pleito, também foi tratada por dom João Braz com um viés crítico. Sem citar nomes, ele chamou atenção de políticos que usaram a religião como amortecimento para a queda nas pesquisas de intenção de voto ; tema trazido à tona pelo presidenciável José Serra (PSDB). A candidata à Presidência pelo PT, Dilma Rousseff, esforça-se atualmente para reverter uma campanha negativa, iniciada na internet e abordada até por adversários, que a classificava como favorável à interrupção da gravidez. ;Agora, com o perigo de ver seus índices de pesquisa caírem, o assunto religião e seus valores decorrentes, como a defesa da vida desde a concepção até a morte natural, moveram candidatos e partidos a fazerem o compromisso contrário ao que há pouco afirmaram. Outros que tentavam identificar suas candidaturas com a fé foram chamados para sair das palavras e a mostrar pelo testemunho a sua afirmação;, afirmou o arcebispo.
Utilizando índices estatísticos divulgados em debates políticos, dom João Braz ressaltou que os futuros eleitos devem lembrar que mais de ;90% dos brasileiros são homens e mulheres identificados com os valores da fé cristã; e que ;71% dos brasileiros e brasileiras são contra o aborto;. Colega de partido de Dilma, Agnelo concordou com a homilia do arcebispo e reafirmou seus laços cristãos. ;Todo mundo que acredita em Deus tem que fazer seu depoimento e seu testemunho de fé. É importante para dar transparência ao eleitor da posição dos candidatos;, disse ele, que fez questão de frisar ser contrário ao aborto.
Ao fim do evento, dom João Braz explicou ao Correio os motivos que o fizeram inflamar o tradicional sermão no dia da padroeira do Brasil. ;As críticas são dirigidas ao conjunto do processo eleitoral. Vemos muitas mudanças de afirmação de uma hora para outra, pois a palavra que se diz hoje não vale amanhã. Você não consegue encontrar a verdade. Além disso, o peso do Ficha Limpa mexeu muito com o cenário político;, esclareceu.
Hoje, os dois candidatos terão poucos compromissos públicos. Ambos gravam programas eleitorais pela manhã. Às 15h, Agnelo fará uma caminhada pela Rua das Farmácias (CLS 102), enquanto Weslian visitará a Feira dos Goianos, em Taguatinga Norte.
Colaborou Ary Filgueira
Obras no Gama
Antes de ir à missa na Esplanada, Agnelo Queiroz (PT) percorreu, na manhã de ontem, a Feira Permanente do Gama. Os comerciantes reivindicaram a conclusão das obras do espaço, suspensas com o estouro do escândalo da Caixa de Pandora. Ele prometeu, se eleito, atender os pedidos dos feirantes e afirmou: "A feira é uma referência na cidade". Com a agenda congestionada de compromissos, Agnelo adiou o encontro que teria com os microempresário do Shopping Popular daquela cidade. Weslian Roriz (PSC) não teve agenda pública além da celebração católica.
Declarações polêmicas
Os dois programas eleitorais de Weslian Roriz (PSC) veiculados ontem na televisão mostraram as polêmicas declarações de um padre contra o Partido dos Trabalhadores. O padre José Augusto, do movimento católico Canção Nova, declara, durante uma homilia registrada em vídeo, que é contra o PT porque a legenda apoiaria o aborto. ;Podem me matar, podem me prender, podem fazer o que quiser, mas eu não posso me calar diante de um partido que está apoiando o aborto e a Igreja não aprova. Porque eu sou a favor da vida;, diz o religioso. O PT solicitou ao Tribunal Regional Eleitoral que proíba novas veiculações das imagens do padre e pediu direito de resposta. O partido já entrou com quatro ações contra a coligação do PSC e hoje vai entrar com a quinta. Até mesmo o PT nacional representou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra a divulgação das opiniões do padre.