postado em 23/10/2010 08:00
O futuro governador do Distrito Federal vai exercer seus quatro anos de mandato administrando uma capital que tem parte de sua área protegida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). A importância do tombamento da cidade, porém, vem sendo esquecida pelas campanhas dos candidatos ao Palácio do Buriti. A nove dias das eleições, Agnelo Queiroz (PT) e Weslian Roriz (PSC) pouco tocaram no assunto. Os planos de governo protocolados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também são bastante evasivos e pouco específicos quanto à ocupação desordenada, os monumentos que precisam de reformas e o Plano Diretor de Ordenamento Territorial (Pdot) vigente.A pouca atenção é questionada por segmentos da sociedade civil organizada, que chegaram a se reunir ainda durante o primeiro turno para elaborar e distribuir aos candidatos um documento com as principais reivindicações. ;Apresentamos um caderno de propostas para eles nas áreas de planejamento, preservação patrimonial, ambiental e governança. Esperamos que a atenção devida seja dada a esse assunto. Brasília foi construída com a função de ser a capital federal para ocupar e desenvolver a região Centro-Oeste. Todos os governos, no entanto, vêm trabalhando no sentido oposto, adensando excessivamente Brasília;, considera Vera Ramos, arquiteta, urbanista e membro do Instituto Histórico e Geográfico do DF.
Para a especialista, que participou com prefeitos de quadras e associações de moradores da elaboração das reivindicações, o principal desafio do novo governo está em diminuir o adensamento populacional e de serviços na capital federal, possibilitando com isso a diminuição das pressões sociais e econômicas. ;Essa questão é a origem de todos os outros problemas, como a especulação imobiliária e a falta de estacionamentos na área central da cidade. Claro que esse não é um trabalho que o governador desenvolve sozinho, mas o novo governante do DF tem que demonstrar essa vontade para resgatar a função de Brasília e, até o momento, pouco foi falado pelos candidatos a esse respeito;, considera Vera.
Poluição visual, ocupação de área pública, puxadinhos e grades nos pilotis dos prédios são alguns dos principais assuntos que afrontam as ideias de Lucio Costa, responsável pelo projeto da capital do país. Mais recentemente, o caso foi agravado, ainda, com construções embaixo de pilotis. Em dezenas de prédios das asas Sul e Norte, os vãos que deveriam ser livres foram transformados em salas de ginástica, quartinhos de despejo, bicicletários e até mesmo em garagens. ;Na minha opinião, o novo governador deveria rever, também, a Lei n; 766/08, que regulamentou os puxadinhos de até seis metros em áreas comerciais, já que a mesma vai contra a legislação de tombamento. O comércio local está inserido em área residencial e ali só cabem lojas de pequeno porte. À medida que aumenta o comércio, a área pública é ocupada por mesas e cadeiras. Isso toma proporção maior, como a falta de estacionamentos e o excesso de barulho;, destaca a urbanista Vera Ramos.
O superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Alfredo Gastal, concorda que a metropolização do DF é o principal desafio que deverá ser enfrentado pelo novo governo. Para ele, o chefe do Executivo precisa estar ciente de que não será responsável apenas pela capital federal, mas também por todas as demais cidades comportadas pelo DF, inclusive o Entorno. ;Nos três últimos governos, conseguimos um alto grau de proteção de Brasília e acredito que será melhor ainda na nova administração. Temos que trabalhar sempre em parceria e esperamos que os candidatos estejam atentos a isso.;
Para Gastal, o aprimoramento do transporte público no DF é uma das alternativas para a preservação do patrimônio público. ;O Plano Piloto é hoje o grande estacionamento do DF, quase todo mundo tem carro e gasta fortunas para vir ao centro, sendo que poderia estar pagando uma passagem de metrô ou VLT e não por esse sistema vergonhoso;, avalia. A pouco menos de uma semana do segundo turno do pleito, Agnelo Queiroz visitou na noite de ontem o Instituto Histórico e Geográfico do DF para receber as propostas elaboradas pelo segmento.
Padronização
A Lei n; 766/08 determina a utilização de, no máximo, seis metros na parte posterior do comércio e estabelece a obrigatoriedade de que todas as lojas de um mesmo prédio sigam um padrão único. Os concessionários são responsáveis pela conservação das calçadas e manutenção de 2m livres para a circulação de pedestres. A punição pelo não cumprimento varia de multa a demolição.
PARA SABER MAIS
Conceitos modernistas
Brasília foi inscrita como Patrimônio Cultural Mundial pela Unesco em 1987. Mas a polêmica decisão exigiu empenho da delegação brasileira que defendia a candidatura. À época, a cidade tinha apenas 27 anos e a maioria dos especialistas acreditavam que a capital era muito nova para merecer o título. Mas os defensores de Brasília argumentaram que a cidade era um trabalho único e representativo do movimento da arquitetura modernista. Alegaram que o projeto do urbanista Lucio Costa para o Plano Piloto da nova capital precisava ser reconhecido mundialmente. A decisão não foi unânime, mas prevaleceu a tese de que a capital federal brasileira, com sua arquitetura inovadora, precisava ser protegida e reconhecida como um feito histórico e um marco do movimento. Hoje, existem 890 locais inscritos na lista da Unesco, entre parques ecológicos, monumentos ou cidades inteiras. Apenas 17 deles estão no Brasil. Entre seus diferenciais, o projeto de Lucio Costa apresenta os conceitos modernistas de cidade. Brasília possui diretrizes que remetem aos projetos de Le Corbusier na década de 20 e ainda ao seu projeto para a cidade francesa de Chandigarh, pela escala monumental dos edifícios governamentais. A cidade de Lucio Costa também foi inspirada em estudos do arquiteto alemão Ludwig Karl Hilberseimer.
Preservação e revitalização
Para preservar o patrimônio público do DF, a candidata do PSC, Weslian Roriz, promete em seu plano de governo desenvolver um trabalho focado na preservação do Plano Piloto. Para tanto, ela afirma que seguirá a linha de governo já desenvolvida anteriormente por seu marido, o ex-governador Joaquim Roriz. Ela diz que ele removeu 64 favelas localizadas na área central da cidade, transformando-as em regiões administrativas ; caso de Samambaia, do Riacho Fundo e de Sobradinho II. ;É fundamental preservar o Plano Piloto, lembrando que as favelas removidas no governo Roriz permitiram a preservação do centro de Brasília e ao mesmo tempo deram dignidade às pessoas;, avalia.
A candidata também destaca que, caso eleita, pretende alterar o gabarito da cidade para permitir a construção do terceiro pavimento nas residências do DF, o que hoje é proibido nas áreas tombadas da capital. Weslian também pretende discutir com organismos internacionais mecanismos para a preservação dos monumentos do centro da capital, que foram construídos com materiais novos e portanto precisam de um cuidado especial. ;O Palácio da Alvorada é um exemplo disso. Em outros lugares, temos palácios com muito mais tempo de construção e que não precisaram ainda de revitalização. A nossa realidade aqui é diferente, somos uma cidade extremamente jovem;, afirma Paulo Fona, coordenador de Comunicação da campanha de Weslian.
Reformas
Já Agnelo Queiroz promete revitalizar áreas importantes da cidade, como o Setor Comercial Sul, o Setor Bancário e as avenidas W3 Sul e Norte. Ele também destaca a necessidade de reformar a Rodoviária do Plano Piloto. ;É responsabilidade nossa fazer o Brasil, os brasileiros conhecerem sua capital e o que ela tem de melhor. Brasília é orgulho desse país como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco. Temos todaos os meios de tornar a cidade uma das mais visitadas, inclusive por estrangeiros. As condições já existem. O potencial é enorme. Basta o empenho em se desenvolver uma política voltada para isso em parceria com os segmentos da sociedade. A economia da cidade precisa disso ;, avalia o candidato.
No plano de governo de Agnelo, também está prevista a criação do Instituto Lucio Costa de Planejamento Territorial e Urbano e Preservação da Área Tombada de Brasília, para tratar da questão patrimonial. O candidato afirma, ainda, que, caso seja eleito, vai estabelecer um novo Plano Distrital de Ordenamento Territorial (Pdot) e desenvolver o Entorno por meio de incentivos econômicos e industriais, como estratégia para preservação da área central da capital. (NO)
PROPOSTAS
Weslian
* Desenvolver um trabalho focado na preservação do Plano Piloto seguindo a linha de trabalho desenvolvida anteriormente por seu marido, o ex-governador Joaquim Roriz
* Aumentar o gabarito da cidade para permitir a construção de um terceiro pavimento nas residências do Distrito Federal
* Discutir com organismos internacionais a criação de mecanismos para a preservar os monumentos do centro da capital, que foram construídos com materiais novos e precisam de cuidado especial
Agnelo
* Revitalizar áreas importantes da cidade, como o Setor Comercial Sul, o Setor Bancário e as avenidas W3 Sul e Norte. Reformar a rodoviária do Plano Piloto
* Criar o Instituto Lucio Costa de Planejamento Territorial e Urbano e Preservação da Área Tombada de Brasília, para tratar da questão patrimonial
* Estabelecer novo Plano Distrital de Ordenamento Territorial (Pdot) e desenvolver o Entorno, por meio de incentivos econômicos e industriais, como estratégia para preservação da área central da capital