Adriana Bernardes
postado em 31/10/2010 06:07
Os brasilienses sairão de casa hoje para escolher quem vai conduzir o futuro do Distrito Federal. Mais do que uma obrigação, eleger os governantes é um ato de cidadania com consequências boas ou ruins. Afinal, dependerá do próximo chefe do Executivo ; Agnelo Queiroz (PT) ou Weslian Roriz (PSC) ; se os pacientes da rede pública de saúde terão um atendimento digno ou se o transporte público será pontual, com ônibus novos e limpos, só para citar dois temas que fazem parte da rotina de milhares de pessoas. Mas os sentimentos que permeiam a política vão além da razão. Despertam paixões e podem até gerar mal-estar por conta de discussões acaloradas sobre quem é a melhor opção. Na última semana, o Correio entrevistou dois moradores do DF com convicções políticas opostas. Coincidentemente, dois paraibanos que deixaram a terra natal em 1973 para tentar uma vida melhor na capital da República. A aposentada Maria Dalia Lima de Andrade, 63 anos, é eleitora histórica do ex-governador Joaquim Roriz (PSC). Mesmo agora, quando quem disputa a eleição é a mulher dele, Maria Dalia só se refere a Roriz e, quando corrigida, se justifica: ;Votar nela é a mesma coisa que votar nele;, afirma a moradora do Paranoá.
Em Ceilândia, o Correio entrevistou o vigilante José Ribamar Moura Vieira, 47 anos. Eleitor incondicional do PT desde a primeira vez que exerceu o direito de votar, ele enumera os feitos do presidente Lula e explicita as convicções políticas que, faz questão de dizer, são da família toda. Bandeiras e adesivos dos candidatos petistas estão grudados nas janelas e no portão da casa. ;Tenho muita fé de que o Agnelo vai mudar o DF.;
As acusações mútuas feitas nos bastidores das duas campanhas não parecem abalar a crença desses eleitores em seus candidatos. Ambos acreditam tratar-se de armações políticas dos opositores.
Confiança e ideologia
Na primeira vez em que o paraibano José Ribamar Moura Vieira exerceu o direito de votar, ele escolheu candidatos do Partido dos Trabalhadores (PT). ;Tinha acabado de sair do Exército, me identificava com o PT e aquelas propostas me influenciaram pelo resto da vida;, recorda-se. Aos 47 anos, casado e pai de seis filhos, José Ribamar não esconde a paixão nem a convicção política. O capô do carro está coberto de adesivos da candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, e de Agnelo Queiroz (PT), que disputa a vaga de governador do Distrito Federal. No portão de casa, ele hasteou uma bandeira e colou adesivos dos políticos em grades e janelas. ;Aqui em casa, todo mundo é PT, graças a Deus;, diz, olhando para o céu.
Ao depositar o voto em Agnelo, José Ribamar, que trabalha como vigilante e está concluindo o ensino médio, espera que o médico-candidato cuide da saúde pública. ;Eu tenho condição de pagar um plano de saúde. E quem não tem? Espero que o Agnelo não me decepcione. Se o governo dele der um jeito na saúde e cuidar da segurança para que os jovens não se envolvam com droga, ele será reeleito;, acredita, já contando com a vitória neste ano. Questionado sobre as críticas em relação às alianças do petista com aliados históricos de Roriz ; como Tadeu Filippelli, Benício Tavares e Pedro Passos ; , o vigilante dá um voto de confiança. ;A Ficha Limpa e a Justiça não barraram essas pessoas, então, não tenho por que acreditar no que dizem (os adversários). Acho que é só veneno;, afirma.
O paraibano chegou a Brasília em 1973, aos 10 anos. O pai, que sempre trabalhou como autônomo, empregou-se num açougue até comprar o próprio negócio, mas não foi fácil se estabelecer. A primeira moradia, na invasão Iapi (Vila do Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários) era precária. ;Um compadre do meu pai nos abrigou na casa dele aqui em Ceilândia. Vivemos um bom tempo de favor. Era tanta gente debaixo do mesmo teto que um tinha que esperar o outro acordar para conseguir espaço para dormir. Não é para menos, somos nove irmãos;, conta.
Com o passar dos anos, a vida começou a melhorar. O pai de José Ribamar, Manoel Marcelino, inscreveu-se na antiga Secretaria de Habitação e Interesse Social (Shis) e ganhou uma casa do governo em Ceilândia, a mesma onde a família mora até hoje. ;Isso aqui era só mato. As ruas não tinham asfalto, rede elétrica, de água ou esgoto;, lembra-se, olhando em volta apontando para o progresso. Manoel teve uma morte trágica e precoce. ;Mas deixou a família toda encaminhada;, diz o vigilante que, para não deixar a mãe sozinha, construiu uma casa pequena no fundo do lote, na qual mora com a mulher e os dois filhos do segundo casamento, Lucas Matheus, 12 anos, e Polianna Bispo, 14.
Liberdade
Atualmente, a educação e o futuro dos filhos é o que mais preocupa José Ribamar. ;Estão em uma fase muito difícil. Querem ter liberdade, mas, quando vejo a juventude se envolvendo com droga, roubo, tanta coisa errada, tenho medo que se percam por esse caminho;. A liberdade tão pedida, ele vai dando aos poucos e avisa aos meninos: ;Se vocês me decepcionarem, será uma vez só;. Outra preocupação vai acabar em festa hoje, pelo menos no que depender da torcida dele e de toda família: ;Eu quero é comemorar. Onde o Agnelo estiver comemorando a vitória, pode ter certeza de que estarei no meio do povo;.
Depois de 24 anos sem pisar em Campina Grande, sua terra natal, José Ribamar planeja voltar para rever os parentes. São 2.150km para matar a saudade de quem ficou e ver de perto as mudanças no sertão promovidas, segundo ele, pelo presidente Lula. ;Ouço as histórias do povo de lá. E quando vou para a Bahia, onde minha mulher nasceu, vejo o tanto que os canais de irrigação e as cisternas levaram prosperidade. O povo do sertão tem criação e plantação. Sem água, a vida era uma tristeza só;, comenta. (AB)
Gratidão pelo lote
Da cidade natal, Itaporanga, no sertão da Paraíba, restam vagas lembranças. Mas do dia em que pisou em Brasília pela primeira vez nos idos de 1973, a aposentada Maria Dalia Lima de Andrade, 63 anos, não se esquece. ;Fiquei decepcionada demais. Eu pensava: ;meu Deus, que lugar feio, que lugar ruim é esse?;;. Se pudesse, Maria Dalia teria percorrido os 2.035km de volta na mesma semana em que chegou carregando os dois filhos pequenos para se encontrar com o marido Manoel da Silva, que trabalhava como carpinteiro na construção da nova capital desde 1958.
Em vez disso, Maria Dalia fez os olhos se acostumarem com a estranheza e a precariedade do novo lar. A família morava de favor, na casa de um e de outro, até que Manoel comprou uma chácara no fim do Núcleo Bandeirante. Ali, Maria Dalia teve mais cinco filhos ; dos sete, apenas três vingaram. Na chácara, era ela quem plantava feijão, milho e mandioca. Carpia o chão e cuidada da casa e dos filhos. Foi preciso fazer mais e ela saiu em busca de trabalho para complementar a renda.
O primeiro emprego como doméstica foi em um apartamento na 411 Sul. ;A mulher era desquitada e tinha dois filhos. Os meninos gostavam muito de mim, pois adoro criança. Tive os meus, cuido dos netos e dos filhos dos vizinhos;, diz. A lida nos primeiros anos de Brasília foi dura. Maria Dalia plantou grama nos jardins do Lago Sul. Aos poucos conquistou a confiança dos moradores e, novamente, conseguiu emprego como doméstica. ;Era difícil. Ia de ônibus e tinha que deixar meus filhos na casa dos outros;, relembra.
A situação financeira não melhorou e Maria Dalia e o marido se viram obrigados a vender a chácara. A família se mudou para a invasão do Paranoá Velho, surgida logo acima da barragem do Lago Paranoá. Manoel montou um pequeno comércio, mas a insegurança era diária. ;Tinha muito maloqueiro e o povo matava por qualquer coisa. Aí, veio o papai Roriz e deu um lote para nós;, relembra com um sorriso largo no rosto. Começava ali um história de admiração pelo homem que, ao todo, governou o DF por quatro mandatos.
Paredes azuis
A casa de cinco cômodos ; pequenos, como frisa Maria Dalia ; foi erguida aos poucos. O que entrava de dinheiro ia para a comida e para o material de construção. A varanda tem paredes de cor azul, coincidência ou não, a mesma de Roriz e, agora, de Weslian, que vai obter pelo menos 10 votos da família. Aliás, é ao ex-governador, que desistiu de concorrer após o Supremo Tribunal Federal não ter chegado a uma conclusão sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa, que Maria Dalia se refere o tempo todo. ;Aqui, todo mundo é Roriz. Quem vier falar mal do Roriz não entra na minha casa, não toma nem uma xícara de café;, avisa.
A reportagem insiste que Roriz não é o candidato, mas, sim, a mulher dele. A resposta de Maria Dalia é imediata. ;Votar na dona Weslian é a mesma coisa que votar para o Roriz;, acredita. Para a aposentada e a família dela, qualquer denúncia contra o político é armação de pessoas que querem tirá-lo da vida pública. ;Essa história de bezerra de ouro, é tudo mentira. Ficam falando que o Roriz roubou. Não acredito em nada disso. E se ele roubou, foi para ajudar os pobres. Ajudar a comprar o leite e dar um teto para quem precisa;, diz.
Maria Dalia nunca pôde estudar. ;Caneta de nordestino é enxada puxando capim;, justifica. ;Mas sou muito inteligente, faço tudo o que preciso sozinha;, orgulha-se. Do alto dos seus 63 anos, diz ter aprendido que a maior riqueza de uma pessoa é ser honesto e manter as contas em dia. A mulher que recusou a viagem de avião ofertada por uma patroa rica por medo ;daquele bichão despencar lá do alto; ainda sonha. Quer ver a esposa do seu candidato ser eleita governadora. Quer ver os filhos saírem do aluguel. E, política à parte, quer reencontrar a filha mais velha, que se casou e sumiu no mundo. A paraibana tornada brasiliense há mais de três décadas sente saudades.