postado em 01/11/2010 08:26
Vinte e um de outubro de 2002. Poucos dias antes de eleger-se presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva chegava a Brasília de um compromisso de campanha. A imprensa estava a postos no aeroporto. Greg Newton, então repórter fotográfico da Reuters, posicionava-se para conseguir o melhor ângulo do provável primeiro presidente da República eleito pelo PT. Mas Greg escorregou de uma marquise do hangar em que havia subido. Quebrou três costelas e fraturou a clavícula esquerda. Poderia ter morrido de hemorragia. Mas foi acudido rapidamente. A poucos metros de onde ocorreu o acidente estava Agnelo Queiroz, médico especializado em cirurgia de tórax. Então candidato a deputado federal pelo PCdoB e integrante do staff de Lula, Agnelo prestou os primeiros socorros ao fotógrafo.Desde as 18h20 de ontem, Agnelo Santos Queiroz Filho recebeu missão tão delicada quanto a da vida que ajudou a salvar em 2002. Um dos principais desafios do baiano de Itapetinga será justamente em sua área de formação, o que o torna mais capacitado para vencer, mas aumenta a cobrança por resultados. A grande expectativa em torno do médico-cirurgião eleito ontem governador do Distrito Federal é que ele recupere um sistema de saúde em colapso. Um socorro com impacto na qualidade de vida de 1,8 milhão de pessoas que dependem de hospitais, unidades de pronto atendimento e remédios da rede pública de saúde.
O governador petista assume aos 51 anos a tarefa de cuidar de uma população de pouco mais de 2,5 milhões de brasilienses, pacientes carentes não só de bons hospitais, mas de um transporte decente, de segurança, de escolas equipadas e até de autoestima, afetada com a crise sem precedentes da Caixa de Pandora. O comando do DF chegou às mãos de Agnelo após 25 anos de militância política na capital da República ; cidade que ele adotou em contrapartida a uma vaga na residência médica do Hospital de Base. Eleito pela primeira vez em 1990 para a turma que estreava na Câmara Legislativa, o governador eleito atribui a vitória ao apoio dos colegas da área da saúde, que se mobilizaram em torno de sua candidatura. Na época, ele havia liderado a categoria ao presidir a Associação de Médicos Residentes de Brasília, cargo que ocuparia mais tarde em âmbito nacional.
Nos primeiros anos de vida pública, Agnelo direcionou sua atuação a temas voltados para a saúde e com apelo entre o público mais jovem. Ele é autor de projetos como o que tornou obrigatório o teste do pezinho entre os recém-nascidos e o que criou uma central de captação de órgãos na rede hospitalar. Também conseguiu consenso para a lei da meia-entrada e a que prevê desconto de dois terços no preço da passagem de ônibus a estudantes. A boa repercussão das atividades de Agnelo na Câmara Legislativa encorajou o PCdoB a indicá-lo para concorrer a mandato de deputado federal em 1994. Ganhou por três legislaturas consecutivas.
Na versão dos amigos, Agnelo tem tudo para se consolidar na chefia do Executivo como o governador mais voltado para as causas sociais que o Distrito Federal já conheceu. ;Agnelo se importa de verdade com o bem-estar das pessoas e não tolera injustiças;, defende um colega de jaleco e colaborador que esteve presente em todas as campanhas disputadas pelo político desde 1990. A vocação para preservar a vida não livrou o político de um infortúnio. Em 4 de novembro de 1995, Agnelo atropelou Antônio Leite da Mata, no Eixão, altura da 214 Sul. Apesar de Agnelo ter prestado socorro, Antônio morreu um dia depois, em função dos ferimentos.
Vitória após derrota
A primeira derrota na carreira Legislativa Agnelo sofreu em 2006, quando disputou o Senado e perdeu para Joaquim Roriz, a quem, ontem, o petista impôs uma dura revanche. O papel de protagonista no Executivo veio após um longo percurso trilhado desde 2001 ; primeira vez que o então deputado federal se insinuou para concorrer ao GDF. Naquela época, o militante do PCdoB já vociferava contra o adversário que só uma década depois, e em meio a circunstâncias desfavoráveis, como a edição da Lei da Ficha Limpa, ele conseguiria abater.
Para ter a chance de ir ao ringue contra Roriz, Agnelo precisou antes enfrentar uma disputa dentro do próprio grupo político. A filiação ao PT foi como a taxa de inscrição para um embate de vários rounds. O mais penoso deles: unir a militância em torno de seu nome e conseguir a indicação para a disputa ao GDF contra o favoritismo de Geraldo Magela, com uma história antiga dentro do partido que lhe cacifou para em 2002 enfrentar Roriz nas urnas ; e perder. Por desvantagem de 15 mil votos, Magela não levou a chefia do governo local. A união com o PMDB de Tadeu Filippelli foi um capítulo à parte em um embate entre companheiros.
Mesmo sem tradição partidária, Agnelo conseguiu fazer prevalecer o seu nome na corrida ao GDF. Contou com a ajuda do padrinho Luiz Inácio Lula da Silva, de quem foi ministro do Esporte entre 2003 e 2006, ano em que saiu da pasta na tentativa de se cacifar para concorrer, já naquela ocasião, ao governo. Acabou preterido dentro do grupo de esquerda, que escolheu Arlete Sampaio, e teve de se candidatar ao Senado. Como perdeu, foi acomodado, por orientação de Lula, na diretoria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), onde permaneceu até sair como candidato a governador.
Após três tentativas, em 2010 Agnelo finalmente tornou-se o candidato da preferência do grupo de esquerda. Mas, antes e depois de sua indicação, o nome do neopetista foi exposto e ele virou alvo dos ataques de adversários, dentro e fora do seu grupo político. Histórias do passado voltaram, como o episódio dos jogos Pan-Americanos na República Dominicana, quando o então ministro do Esporte teve as diárias para o evento pagas por duas fontes, o governo e o Comitê Olímpico Brasileiro (COB). Acabou tendo de devolver dinheiro para os cofres públicos.
Novos fatos também vieram a público com a candidatura ao GDF. O político, que tem entre seus hobbies o hábito de praticar esportes, invadiu uma área pública aos arredores de sua casa, no Setor de Mansões Dom Bosco do Lago Sul, onde construiu uma quadra de tênis. A solução improvisada para ganhar espaço no quintal de casa fez do tema invasão de terras ; um dos principais problemas do DF ; assunto indigesto para o candidato petista.
A gestão no Ministério do Esporte é uma das principais referências da carreira política de Agnelo. E o programa Segundo Tempo, a menina dos olhos do ex-ministro. Justamente o projeto mais comemorado pelo político foi alvo de críticas, denúncias e ainda está sob investigação da Polícia Civil na Operação Shaolin. Há suspeita de desvio de recursos para o favorecimento de organizações não governamentais vinculadas ao PCdoB. Agnelo rebate as acusações, atribuindo às entidades mal-intencionadas a responsabilidade por eventuais irregularidades. Toda vez que é abordado sobre a Shaolin, adota como mantra explicação de que o ministério não foi omisso sob sua liderança e que os casos duvidosos foram investigados.
Dom de ouvir
Tratado como humanista entre os amigos e disléxico pelos desafetos, que o acusam de não ter facilidade para completar raciocínios, Agnelo tem pelo menos uma característica citada entre aliados e adversários. ;Ele ouve muito;, elogia um amigo de longa data. ;Tanto que demora demais a tomar decisões. Prato cheio para o vice Tadeu Filippelli, mais astuto;, complementa um aliado de conveniência. No convívio social, o governador eleito, chamado entre os mais íntimos de Magrão, tem uma marca registrada: o abraço. ;Não sei qual é o tempo regulamentar de um abraço, mas, seja qual for, o de Agnelo é mais demorado;, afere um velho conhecido, que conviveu com o governador eleito no Ministério do Esporte, mas depois se afastou do político, sobre quem lança certa dose de desconfiança: ;A primeira impressão é de uma pessoa muito boa. Mas na vontade de agradar todo mundo, às vezes, abre mão de ideais;.
A principal característica de Agnelo, reconhecida por ele mesmo, é a persistência. É guiado pela perseverança que ele pretende imprimir um revés na história política do DF. Quando ainda a medicina era um meio de vida, Agnelo salvou um paciente que após um acidente de carro havia sofrido uma lesão estrelada no fígado, situação em que o órgão vital ; um dos mais vascularizados do corpo ; está esfacelado. Após 16 horas e mesmo sob os olhares resignados de colegas descrentes quanto à recuperação do doente, Agnelo relembra que insistiu, vaso a vaso, sutura a sutura. Salvou o enfermo. É com a determinação de um médico diante de um paciente em caso de vida ou morte que o cirurgião e novo chefe do governo promete lidar com as questões do Distrito Federal. ;Não desisto no meio, vou até o fim.;
>>Formação
Agnelo estudou em escolas públicas da Bahia, cursou o ensino médio, então científico, no Colégio Central, o maior da rede pública de Salvador. Formou-se em medicina pela Universidade Federal da Bahia e especializou-se em cirurgia. Fez pós-graduação em políticas públicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Depois de formado, veio para Brasília, onde fez a residência médica no Hospital de Base. Trabalhou por três anos no Hospital Regional do Gama (HRG), onde chefiou o setor de cirurgia. A cidade acabou se tornando a sua primeira base eleitoral.
>>Família
Agnelo Queiroz é casado com Ilza Maria, com quem tem dois filhos, Fernanda e Guilherme. É o mais velho de quatro irmãos, todos moradores do Distrito Federal. Do signo de escorpião, faz aniversário daqui a poucos dias: em 9 de novembro.
>>Do PCdoB ao PT
A vida partidária de Agnelo foi por mais de duas décadas vinculada ao PCdoB, partido ao qual ele se filiou em 1985 e de onde saiu em 2008 para se filiar ao PT. A troca de legendas foi um dos preparativos para a candidatura ao governo em 2010.
>>Liderança
Agnelo também foi diretor do Sindicato dos Médicos, da Associação Médica de Brasília e da Federação Nacional dos Médicos na década de 1980.
>>Legado
Na Câmara dos Deputados, o projeto mais importante de Agnelo Queiroz destina 2% da arrecadação bruta das loterias federais para o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e para o Comitê Paraolímpico Brasileiro. A proposta virou lei e foi sancionada em julho de 2001. É conhecida como Lei Agnelo/Piva (menção ao então deputado federal e ao então senador Pedro Piva).
>>Governo Lula
Agnelo Queiroz foi escalado para assumir no início do primeiro mandato de Lula o Ministério do Esporte, pasta que até então lidava também com as questões do turismo. Iniciou a função com um orçamento contingenciado de R$ 86 milhões. Em três anos e três meses de gestão, os recursos da pasta alcançaram a marca de R$ 1 bilhão.
>>12km/h
A corrida de rua é o esporte preferido do novo governador. Em geral, ele participa dos circuitos de 10km, como a Corrida de Reis no início do ano. A média de Agnelo para esse percurso é de 50 minutos, o que significa velocidade de 12km/h. Agnelo também joga tênis e arrisca umas partidas de futebol.
>>Jovens
Programa que tem como foco estudantes da rede pública de ensino. Tem por filosofia ocupar o tempo dos alunos na parte inversa ao das aulas com atividades desportivas, reforço escolar e lanche. A meta projetada durante a gestão de Agnelo era incluir um milhão de crianças e jovens no projeto. Mas denúncias deram conta de que, em alguns casos, os estudantes ficavam ociosos, sem acesso a material para a prática de esportes. O programa chegou a ser copiado em Angola e Moçambique.
QUEM É O GOVERNADOR ELEITO
; Idade: 51 anos
; Estado civil: Casado e pai de dois filhos
; Naturalidade: Itapetinga (BA)
; Formação profissional: Médico especializado em cirurgia do tórax
; Atuação legislativa: Deputado distrital (1990) e deputado federal (1994, 1998 e 2002)
; Cargos públicos: Ministros do Esporte e diretor da Anvisa
; Hobbies: Prática de esportes, sobretudo corrida e tênis