Pós-eleição é tempo de especular. Uma especulação em especial deve bombar nos próximos dias e semanas. Quanto Luiz Inácio Lula da Silva influirá no governo Dilma Rousseff?
Se o sujeito ausculta no entorno de Lula, a impressão é que muito. Já o entorno de Dilma é algo mais impermeável a especulações.
Quanto da força de Lula é pessoal e quanto vem do desempenho do governo dele? E quanto do combustível eleitoral de Dilma virá da sombra de Lula e quanto virá da caneta?
O mapa eleitoral nos estados, completado neste segundo turno, é um termômetro da relatividade da força política pessoal do presidente da República. Nos principais lugares onde se envolveu na disputa local, Lula foi derrotado.
O fecho veio com a eleição do desafeto Marconi Perillo (PSDB) em Goiás. Depois da derrota no primeiro turno em Santa Catarina, estado no qual bradou para que o eleitorado extirpasse o Democratas, e viu o candidato do DEM ser eleito no primeiro turno, o revés em Goiás foi o veredito final sobre a relatividade do conceito de ;lulismo;.
A Presidência é atividade cotidiana, política e gerencial. E quem tem o poder, a caneta para nomear e ordenar despesas, concentra também as expectativas do mundo político e empresarial.
Lula não vai ficar trancado em casa em São Bernardo do Campo (SP) esperando os telefonemas de Dilma para ajudar a resolver os problemas com os quais ela não conseguiria lidar sozinha.
A influência de Lula poderá ser medida em detalhes bem terrenos. Quanto da equipe atual será mantida? Não nos ministérios, moeda de troca com os partidos, mas nos escalões executivos e principalmente nas estatais.
Entretanto, mesmo os sobreviventes cometerão um grave erro se imaginarem que a continência deve ser batida com os olhos voltados para o ABC. Será uma escolha fatal.
O Pires
Nos tempos turbulentos do começo da Nova República, a expressão mais recorrente era ;chamem o Pires;. Leônidas Pires Gonçalves era o Ministro do Exército. Felizmente, o governo José Sarney começou e terminou e ninguém chamou o Pires.
Nos momentos duros que virão (todo governo é assim), haverá a tentação de pedirem para Dilma ;chamar o Lula;. De fato, a artilharia verbal do futuro ex-presidente poderá ser útil à sucessora para ferir ; ou matar ; adversários políticos em circunstâncias complicadas.
Mas só isso. Não é imaginável que Lula venha a desempenhar na administração Dilma o papel que, por exemplo, Néstor Kirchner tinha no governo da mulher, Cristina. Não terá poder de veto.
De onde vêm os principais desafios à nova presidente? Da armadilha cambial, atrelada ao juro alto, com as consequências sobre a balança comercial, a atividade econômica e o emprego. Da heterogeneidade da base política. Da força remanescente da oposição, que consolidou uma plataforma política para voos futuros.
Quanto Lula poderá ajudá-la a administrar essas tensões?
Muito pouco.
VIAGEM À ÁFRICA APÓS DESCANSO
A presidente eleita do Brasil, Dilma Rousseff, já tem uma pré-agenda determinada para as próximas semanas. Após vencer o segundo turno da corrida eleitoral, a petista concede entrevista coletiva hoje à tarde. Depois, reservará uma semana para descansar em Porto Alegre, onde vive a filha Paula e o neto Gabriel. Já como futura presidente, ela embarca ao lado de Lula para uma viagem oficial a Moçambique e deve participar da reunião do G-20 na Coreia do Sul, marcada para a semana que vem.
Aliados comemoram vitória
>> Josie Jeronimo
O acirramento de ânimos entre petistas e tucanos na reta final da campanha deu lugar a reações contidas de ambos os lados depois do anúncio da vitória de Dilma Rousseff (PT). A maioria dos aliados do presidenciável José Serra (PSDB) optou pelo silêncio. Os petistas, por sua vez, anunciam em coro que as diferenças eleitorais serão superadas a partir de hoje e que o governo não perseguirá ninguém. ;Com o fim das eleições baixa o calor, e a partir de amanhã (hoje) a oposição terá diálogo com o governo;, afirmou o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha.
Ainda ontem, os petistas definiram o papel do presidente Luiz Inácio Lula da Silva como um ;conselheiro eventual; no mandato de sua pupila. ;É Dilma que vai escolher os momentos em que terá Lula a seu lado. Ele não é um obstáculo, não é um peso, é um facilitador;, aponta o governador reeleito de Sergipe, Marcelo Déda (PT).
Já o governador reeleito da Bahia, Jaques Wagner (PT), aposta em um governo com mais técnicos e menos políticos. Aliados da presidente eleita apostam em um perfil de gestão diferente do formado por Lula, mas a presença do líder petista será uma constante. ;Ela é bem diferente do presidente. Ela não tem barba;, brinca o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. Segundo Bernardo, o governo negocia com o Congresso alterações no projeto de Orçamento que está em análise para incluir propostas apresentadas pela presidente eleita na campanha. ;Algumas alterações no Orçamento já estão em negociação com os parlamentares, para que compromissos do governo possam estar presentes no Orçamento;, informou.
Sobriedade
O presidente do PSB e governador de Pernambuco, Eduardo Campos, afirma que a legenda foi presenteada com a vitória de Dilma. O partido, lembra Campos, foi um ;aliado de primeira hora;. ;Nós mudamos de patamar. Mas não somos aliados de dar problema. Podemos ajudar na área da Saúde.; Com a vitória de Dilma, o PSB espera herdar os ministérios da Saúde e da Educação.
José Gomes Temporão afirmou ontem que sente orgulho de colocar em seu ;currículo; que foi ministro da Saúde no governo Lula. O atual comandante da pasta não quis falar sobre a futura participação na gestão de Dilma, mas alertou que a presidente eleita precisará criar novos caminhos para investir na área. ;Ainda não foram consolidadas as fontes de receita que serão definidas para custear as melhorias na saúde;, afirmou Temporão, referindo-se à criação de imposto semelhante à extinta Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).
Oposição
O senador eleito por Minas Gerais Aécio Neves (PSDB) divulgou nota elogiando a importância das eleições deste ano. ;O PSDB se orgulha do candidato e das propostas que apresentou ao país. Estou certo de que, com o tempo, ainda mais brasileiros vão ter consciência do importante papel desempenhado neste pleito. Ao contrário do que pode parecer para muitos, a eleição não se resume a quem venceu e a quem perdeu.;
O ex-prefeito Cesar Maia (DEM-RJ), por sua vez, ressaltou que a vitória de Dilma contra Serra foi mais apertada em comparação à eleição de 2006, quando o atual presidente venceu Geraldo Alckmin (PSDB). ;Em 2006, o Lula venceu o Alckmin por 21 milhões de votos. Agora a Dilma venceu por 11 milhões de votos;, lembrou.
Filé com alho ao lado do ex-marido
>> Denise Rothenburg
Enviada especial
Porto Alegre ; O último jantar de Dilma Rousseff antes de se tornar a mulher mais poderosa do Brasil foi preparado por Ana, namorada de seu ex-marido, Carlos Araújo. Antes mesmo das 19h de sábado, Ana já estava na cozinha, enquanto ele fazia uma avaliação do processo eleitoral para a reportagem do Correio: ;A pessoa mais feliz desta campanha é o Bornhausen (Jorge Bornhausen, ex-presidente do PFL, hoje DEM). Ele realizou o desejo de ver o PSDB dominado ideologicamente pelo DEM;, afirmou. ;O PSDB assimilou tudo, desde os métodos até as consígnias. Esse foi um dos fenômenos desta campanha;, disse o ex-marido de Dilma.
Do alto de quem acompanha de perto a história política do Brasil e participou ativamente da luta pela redemocratização, Carlos aposta que, a partir de agora, haverá uma reacomodação partidária. ;Nessa rearticulação de partidos deve surgir uma nova legenda, centrista clássica. O fracasso do PSDB na sucessão presidencial e o fato de ter adotado uma nova linha ideológica vão gerar o surgimento de um novo partido;, comenta, sempre tomando o cuidado de registrar que fala por si e não pela nova presidente.
Sobre Dilma e o futuro governo, o discreto Carlos apenas repete a frase de Lula: ;Quem acha que a Dilma não vai governar o Brasil não conhece a Dilma. Ela terá as rédeas do governo;, diz o advogado de 72 anos, que recupera-se de complicações de um enfisema pulmonar decorrentes da tensão desta reta final de campanha.
Depois de degustar o filé com alho, arroz, feijão e salada preparados por Ana, Dilma conversou um pouco. Bastante confiante, antes das 23h já estava de saída. Precisava descansar, certa de que o dia seria longo e terminaria com a festa da vitória em Brasília.