Newark ; Caminhar pelas ruas de Newark pode, por alguns instantes, dar a impressão de se estar em uma cidade do interior do Brasil. A falsa ideia vem dos nomes das lojas, do português na conversa da esquina e do hábito de parar o carro no meio da rua para uma rápida brincadeira com um conhecido ; talvez o policial, acostumado com as piadas e o carisma da gente brasileira. Mas as avenidas de Newark já não são tão verde e amarelas como antes. Localizada a 17km de Manhattan, o centro de Nova York, a cidade costumava abrigar uma grande comunidade de brasileiros, que vem minguando desde o 11 de setembro.
Com os ataques, permanecer nos Estados Unidos ficou muito mais difícil, principalmente para os conhecidos como ;indocumentados; ; expressão usada entre os brasileiros para aqueles em situação ilegal no país. Algumas leis que ajudavam na regularização desses expatriados foram extintas, e a burocracia, combinada à crise econômica que chegou depois do atentado, tornou a busca pelo sonho americano uma jornada dura demais.
Mesmo para os que já conquistaram o direito de permanecer e trabalhar no país, tudo ficou bem diferente. Brasileiros residentes em Newark há mais de 10 anos relataram ao Correio suas memórias e o que sentiram naquela trágica manhã de terça-feira. E contaram que a vida no país nunca mais foi a mesma: passou a ser marcada pela insegurança.
Na cidade, que fica no estado de Nova Jersey, está o Newark Liberty International Airport, de onde partiu um dos quatro aviões sequestrados pelos terroristas em 11 de setembro de 2001. O voo 93 da United Airlines saiu de lá com destino a São Francisco, na Califórnia, mas foi desviado pelos extremistas islâmicos, que assassinaram os pilotos. A aeronave, cujo alvo seria o Capitólio, em Washington, caiu em um campo a cerca de 130km ao sul de Pittsburgh, na Pensilvânia, com 44 passageiros, quatro comissários de bordo e dois pilotos, além dos terroristas.
O mineiro Rafael Moreira estava em uma agência bancária quando percebeu a inquietação das pessoas, que pareciam assustadas e comentavam sobre algo. Sem compreender bem o que elas falavam, ele só se deu conta ao chegar à lanchonete do irmão e ligar a tevê. Da rua em frente ao comércio, pôde ver o que antes costumavam ser as Torres Gêmeas. No lugar, divisou grandes colunas de fumaça. ;Na hora, senti medo, insegurança por não saber mais o que seria deste país. A partir daquela data, nunca mais viveríamos em paz;, conta.
Há 14 anos nos EUA, Rafael está regularizado e tem seu comércio. Mas ele recorda como foi difícil ter os documentos. A partir de setembro de 2001, o cerco foi se fechando para os brasileiros, principalmente por conta da emissão de carteira de habilitação ; essencial a quem trabalha como entregador. O fato de um dos terroristas ter tirado a carteira de motorista, se inscrito em um curso de aviação e executado o ataque tornou a atmosfera ainda mais hostil para os imigrantes.
Desconfiança
Silvio de Souza, dono de um jornal sobre a comunidade brasileira em Newark e há 23 anos nos EUA, acha que os atentados ajudaram a fazer nascer um clima de desconfiança maior contra os estrangeiros. Segundo ele, ficou complicado obter documentos essenciais para ajudar o imigrante a se estabelecer. ;Hoje está muito mais difícil. Muitos brasileiros desistiram e voltaram para o Brasil.;
Saber que tantas pessoas morreram naquele local foi o que mais comoveu o paulista Cesar Desouza. Do seu escritório de contabilidade, à época localizado na cidade de Belleville, ele viu a notícia pela tevê. Sem crer no que estava diante de seus olhos, foi até a rua e chamou a primeira pessoa que encontrou, um entregador de refrigerante. ;O homem começou a gritar e ficou atordoado. Do meu escritório, eu podia ver as torres, mas, naquela hora, só era possível ver a fumaça que saía delas;, relata.
Desouza garante ter percebido mudanças desde 2001. ;Para tudo o que se vai fazer, é preciso assinar um termo, dizendo que não tem a ver com terrorismo;, relata. ;A gente não acredita que a segurança seja suficiente para impedir nada. Passamos a achar que o dia em que o terrorista quiser fazer alguma coisa, ele vai fazer, e todas essas medidas não vão servir de nada.;
A repórter viajou a convite do Departamento de Estado dos EUA