Ricardo Daehn
postado em 25/09/2014 08:01
Estar diante de um fato histórico e conseguir interpretá-lo pode ser um desafio imenso. Ainda não somos capazes de entender totalmente a dimensão da consagração do filme Branco sai, preto fica na edição do 47; Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, encerrado de forma catártica na noite da última terça-feira com a premiação da fita explosiva dirigida por Adirley Queirós como resultado dos esforços do coletivo CeiCine.
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O primeiro prêmio recebido por uma produção do Distrito Federal desde que André Luis Oliveira ganhou a edição de 1994, com Louco por cinema, proporciona visibilidade nacional ao cinema ceilandense. ;É claro que o Festival de Brasília dá um avanço ao CeiCine no cenário nacional mas temos de ter em vista nossas questões internas de representação da Ceilândia;, analisa Adirley Queirós.
O simbolismo desta premiação tem múltiplos significados. Alguns concernem ao cinema. E outros a temas mais amplos. Em 1991, o registro antológico de Conterrâneos velhos de guerra, documentário dirigido por Vladmir Carvalho, criou as bases para entender o abismo social que se abriu com a Campanha de Erradicação de Invasões (CEI), cuja sigla originou o nome do lugar onde hoje é a Ceilândia, a cidade mais populosa do DF.
Entrevista Adirley Queirós:
O que significa a premiação de um filme de Ceilândia em um Festival de Brasília?
Na minha cabeça é muito claro que há várias cidades. Existe uma Ceilândia que representa algumas periferias e existe Brasília. Isso é uma questão histórica, política e econômica. Dados de classe e raciais dizem isso. Talvez gerações mais novas venham com outro olhar, mas é fundamental colocarmos essas questões para geração de outras discussões e mais compreensão destas relações.
Há dois anos, o CeiCine retirou A cidade é uma só? da Mostra Brasília como forma de protesto. Vocês se reconciliaram com o Festival de Brasília?
A cidade é uma só? foi tirado por não aceitarmos a forma como estava sendo conduzido o Festival de Brasília naquele momento. Foi uma reação contra o rumo político do festival. Este ano, a atenção aos realizadores foi feita com muito carinho e apreço.
A vingança simbólica do filme pode contribuir para uma discussão política mais inclusiva?
O filme é também muito agressivo. De certa forma, ele foi criado para isso. Tem sentido de vingança, de liberdade, de elevação da auto-estima. Agressividade, no cinema, não é ruim, é importantíssimo. Digo, em termos de enfrentamento. E o enfrentamento do filme se dá no campo da cidade, e não com os moradores de Brasília. Temos, na equipe, muitas pessoas do Plano Piloto que carregaram o filme nas costas. Nossas questões são com as estruturas políticas e estéticas da cidade.
Dividir o prêmio central com os demais diretores não te traz prejuízo?
De maneira alguma. Eu já ganhei com o prêmio. Saiu, junto com a equipe, R$ 40 mil. A decisão de dividir o prêmio foi coletiva e unânime. Veio da reflexão de que existe essa possibilidade: que os festivais sirvam mai para o embate e discussões, trocas de energias e informações, do que ganhar um prêmio. Sozinho, um prêmio é um bumerangue: ele vai e arranca a cabeça da gente, na volta. Todas as questões do cinema nacional são baseadas no afeto, na coletividade e no compartilhamento.
Qual a perspectiva do teu filme circular?
Meu filme pode chegar a sete bilhões de pessoas - ele pode alcançar a intergaláxia. O grande potencial dos filme é o de comunicar - estão aí para serem vistos. Sem sala de cinema, a gente não consegue chegar à distribuição dos filmes. Tenho muito claro: quero exibir meu filme e, no final, quero fazer cópias e colocar na feira. Tentar uma distribuição de feira, como entendemos a nossa realidade. Não temos política nem de distribuição de DVD. E não se trata nada de se posicionar de coitado, ou não coitado, sabemos muito bem a posição política que ocupamos. Não temos nada de coitados, na verdade.
É perigoso associar pólvora, como faz teu filme, ao Plano Piloto e trazê-lo para ser consumido no que seria o centro da cidade?
A questão central disso tudo segue sendo a sala de cinema, na Ceilândia. E isso segue sendo questão fundamental: por mais que se articulem durante o festival exibições no Sesc, não vou lá. Na Ceilândia,
existe uma sala de cinema que até realiza sessões. Durante um ano, porém, não cria nenhuma possibilidade da população chegar a esse cinema. Depois, ficam dizendo que teve pouco público. Como surgiria um público, de uma hora para outra? É uma construção, a longo prazo.
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