Festival de Brasilia 2015

Filme traz Jean-Claude Bernardet como um sem-teto numa metrópole

Na trama de Fome, o realizador adianta que a limitação do conceito morte se introjeta no enredo

Ricardo Daehn
postado em 17/09/2015 07:30
Cena do filme Fome, de Cristiano Burlan.
"Pra começar, tenho que dizer que não consigo ver a vida colorida. Isso, para mim, é algo muito sério;, confessa o cineasta Cristiano Burlan, ao comentar opções feitas para o longa-metragem Fome, único representante em preto e branco na corrida pelos troféus Candango. Com parcos R$ 15 mil, munido de uma pequena câmera Alfa a7 e tendo por ambiente quase a totalidade de cenas externas, na noite paulistana, Burlan viu que ;esgotou o desejo; da ausência de cores em seus filmes. O diretor, com o longa Fome, segue, aliás, se desprendendo de conceitos ; acha a ideia ;aristotélica de narrativa um pouco ultrapassada; e desacredita de fórmulas prontas. ;Se for para repetir clichês e convenções de cinema muito batidas, como realizador, realmente, não tenho interesse;, explica ele, que recentemente voltou a investir na carreira de teatro, abandonada há 14 anos.

Na trama de Fome, o realizador adianta que a limitação do conceito morte se introjeta no enredo. ;Não é só fome de alimento, mas de rejeição ao que está estabelecido. Como ilegal, morando na França e na Espanha, tive a sensação de fome e ela não sai de mim. Mesmo que o filme tenha alguma ligação com a obra homônima de Knut Hamson, não é uma adaptação;, observa. Em Fome, realidade e ficção comungam, em Fome.

Em dado momento, moradores de rua reais são eleitos para um perfil levantado pela estudante interpretada por Ana Carolina Marinho. A menção do diretor ao personagem, rebate as críticas sobre a pequena representação de mulheres no 48; Festival: ;Não é um filme misógino, tem mulher, sim;.

[SAIBAMAIS]Ausência e barreiras incomodam de verdade o diretor, que transparece isso na forte relação com São Paulo. Metrópole que ele conhece demais, por não ter carro e desvendá-la a pé: ;O partido quase higienista que domina o estado de São Paulo impede até que o morador de rua durma no banco de praça. Embaixo dos viadutos, há artefatos anti-mendigo ; é de uma aberração!”.

;Existe uma invisibilidade na capital paulista: a gente acaba se acostumando com miséria e pobreza;, diz o cineasta, que propõe protagonista masculino na emblemática figura do crítico de cinema Jean-Claude Bernardet. Ele vive, na trama, um ex-professor que deixa o dia a dia acadêmico, para morar na rua, na contracorrente da falta de opções. Em seis diárias de filmagens (;Foi quanto ;durou; o dinheiro;, brinca), Burlan desenvolveu o enredo de morar na rua como ;ato de resistência;. ;Para mim, em termos pessoais, perambular foi garantia de movimento;, lembra, sem esconder que no leque de possibilidades, em tempos difíceis, não desconsiderou até a possibilidade de suicídio.

Serviço

48; Festival de Brasília do Cinema BrasileiroHoje, às 20h30, exibição do longa Fome, de Cristiano Burlan (SP, 90min, 10 anos), antecedido pela mostra dos curtas-metragens Tarântula, de Aly Muritiba e Marja Calafange (Paraná, 20min, 16 anos) e de Rapsódia para o homem negro, de Gabriel Martins (Minas Gerais, 24min, 12 anos). Ingressos, R$ 12 e R$ 6 (meia).

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