Festival de Brasilia 2015

Crítica: Para minha amada morta

Arquitetura da desolação

Ricardo Daehn
postado em 22/09/2015 11:22

Arquitetura da desolação

O grau de tensão é tão asfixiante no longa de estreia do diretor Aly Muritiba, a ponto de lembrar o novo clássico Caché (2005), assinado por Michael Haneke. A produção paranaense, protagonizada por Fernando (Fernando Alves Pinto), testa os nervos dos espectadores ao contrapor um homem enlutado que realinha a memória da mulher morta, depois que descobre uma traição do passado. Nas cenas, uma arma manipulada por uma criança, a infiltração de um leão em pele de cordeiro (no seio familiar do ex-amante da morta) e um cachorro atropelado incrementam os sobressaltos do público.


Sem muito prejuízo do trocadilho, vale no filme a máxima do "casa de serralheiro, espeto de tridente", uma vez que o ex-amante (Lourinelson Vladimir, ótimo coadjuvante) comanda casa de evangélicos que se veem postos à prova, atiçados, com a chegada de Fernando. Na trama, ele aluga casa adjunta à da família da qual quer se vingar. Entre o anjo de Teorema (clássico de Pasolini) e o prenúncio de desgraça à ia Contra todos (filme que expunha hipocrisias sociais semelhantes), Fernando, com dor nos olhos e tomado pela arquitetura de destruição, dá ótima oportunidade para o talento de Fernando Alves Pinto.


"Mulher é coisa do diabo. Quando resolve judiar, então", demarca o pai de família (Lourinelson), que, em casa, mantém rédea curta para a esposa Raquel (Mayana Neiva) e para a filha Estela (Giuly Biancato, uma revelação). Pouco a pouco, a luz mortiça de Pablo Baião se liberta dessa condição, trazendo nitidez para o engenhoso e crível jogo do roteiro assinado por Aly Muritiba. Incitando a revolta das testemunhas (no caso, espectadores), o diretor é hábil em tratar de sequelas de ódio, do renascimento da vida, da comunhão de vícios e da altivez do perdão, num belo filme.

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