Festival de Brasilia 2017

História: Saiba como Paulo Emílio Sales deu perfil político ao festival

Paulo Emílio Sales Gomes forjou o perfil do Festival de Brasília como espaço de debate crítico e polêmico

Severino Francisco
postado em 15/09/2017 06:00

Paulo Emílio ao lado de Lygia Fagundes Telles e, na outra fila, Grande Otelo

Darcy Ribeiro gostava de repetir: só se faz sábios com sábios. Com essa perspectiva, ele trouxe mais de 200 intelectuais brasileiros brilhantes para formular e implantar o projeto original da Universidade de Brasília (UnB), na década de 1960. E um desses sábios era o crítico e professor Paulo Emílio Sales Gomes. Ele veio à cidade com Nelson Pereira dos Santos para criar, em 1965, o primeiro curso de cinema da universidade brasileira. Reparem: com apenas cinco anos de existência, Brasília já tinha um curso de cinema.

Logo o regime militar atropelou o projeto ambicioso da UnB. Paulo Emílio ficou pouco tempo em Brasília, mas sua passagem foi extremamente fecunda. As sementes que ele plantou no chão árido do planalto germinaram, floresceram e frutificaram. Em 1965, ele coordenou a 1; Semana do Cinema Brasileiro, que dois anos depois, em 1967, se transformaria no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o mais importante e longevo evento cultural da cidade. O evento já nasceu sob o signo do debate crítico e polêmico.

Paulo Emílio tinha uma personalidade magnética, carismática e fascinante. Ninguém ficava imune à sua paixão pelo cinema. Além de ser um brilhante escritor de cinema, era um palestrante sedutor. As apresentações que fazia para comentar filmes na UnB no Clube de Cinema da Escola Parque figuram entre os momentos memoráveis da cidade.

Durante muito tempo, Paulo Emílio foi um consumidor sofisticado da alta cultura europeia e da norte-americana. Mas, em seguida, passou por uma transformação radical e se tornou um dos maiores pensadores da singularidade de um cinema do Terceiro Mundo, sob as condições do colonialismo. Como provocação polêmica, ele brincava que o pior filme brasileiro era mais interessante para pensar o Brasil do que o melhor filme estrangeiro.

A afirmação poderia ser confundida com xenofobia. Mas não no caso de Paulo Emílio. Ele era um homem cosmopolita, morou na Europa e escreveu a melhor biografia do cineasta francês Jean Vigo. A radicalização dele tinha como foco a criação de um cinema brasileiro moderno, uma espécie de versão audiovisual da Semana de Arte Moderna de 1922, quatro décadas mais tarde.

A experiência brasiliana do crítico está inserida no contexto mais amplo dos embates travados para a afirmação do cinema brasileiro moderno: ;E, no entanto, precisei vir aqui para entender os termos exatos do problema da cultura cinematográfica no Brasil;, escreveu Paulo Emílio. ;É incrível como chegou rápido o momento em que ver e ser brasileiro não é mais possível sem a ótica de Brasília;.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação