Festival de Brasilia do Cinema Brasileiro

Diretor de "Noites de reis" conta que filme trata parte de sua dor

Ricardo Daehn
postado em 22/09/2012 08:00
De maneira impactante, o diretor Vinícius Reis já foi atingido por parte daquilo que trata, na segunda incursão por eventos fictícios, em seu terceiro longa-metragem, Noites de reis, no qual personagens sentem o desamparo proveniente de luto. Concorrente da quinta noite do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o filme porém amplifica a dor da perda ; "a situação é de ruptura do ciclo da vida, mas de modo surpreendente e com imprecisa mensura. "A atriz protagonista, Bianca Byington, foi quem arriscou a imagem mais precisa do drama. É um filme de sobreviventes, no qual a visão do holocausto pôde balizar a experiência de uma perda irreparável e o encontro de um caminho possível para superação. Num campo simbólico, tratamos de sequelados emocionais e de dores profundas", adianta o cineasta.

Orçado em R$ 1,2 milhão, Noites de reis consumiu 23 dias de filmagens em Paraty (Rio de Janeiro), mas "com animação de uma rave; eram 30 pessoas na equipe sempre muito integrada". Se "dormia e acordava" com a mesma energia, Vinícius Reis recorreu à atualização de lembranças da infância para incrementar a fita. "Dos 5 aos 12 anos, no interior de Minas Gerais, testemunhei o colorido bonito e a até assustadora loucura dos artistas envolvidos na Folia de Reis. Tivemos, no filme, fontes de inspiração como as fotografias de Walter Firmo e um filme de Arthur Omar (Folia no Morro), conferido num festival de títulos etnográficos", revela. Comentando a anestesia de sentimentos de "um resto de família", no longa, a opção foi a de retratar o peso da tragédia com um coro grego em que palhaços e música se projetam como elementos fundamentais.

Uma pegada "mais despojada", com câmera na mão e uso de única encenação (sem direito a repeteco) marcam o cinema de Vinícius Reis, motivado por carga documental. Foi assim com A cobra fumou (primeiro longa, em torno dos pracinhas da FEB) e com a ficção Praça Saens Peña, dona de elenco premiado no 15; Cine PE. "Passei anos fazendo reportagens para a tevê. É um estilo natural e espontâneo, até pela formação teórica ; fui assistente de direção de Silvio Tendler", conta. Para além do feito de implantar, ao lado de Rosane Svartman, o núcleo de cinema do Nós do Morro (na comunidade do Vidigal); dez anos de Teatro Tablado ; onde teve "o privilégio" de ser aluno e assistente de direção de Maria Clara Machado ; marcaram a carreira do diretor.

"Com o documentário correndo no sangue, tenho ainda o gosto pelo teatral. Tudo é muito estimulante, nas filmagens, mas vejo como momento especial o prazer na relação de descobrir, junto com os atores, os pormenores do texto", observa. "Muito donos de seus personagens", Bianca Byington, Enrique Diaz (respectivamente, a cargo dos papeis de mãe e pai enlutados) e Raquel Bonfante foram as gratas surpresas no jogo de culto às cinzas do pequeno Lucas, proposto pelo roteiro de Rita Toledo. Mas, pelo que garante o realizador, o filme é menos sobre luto e mais sobre a continuidade da vida.

Amargor necessário
Na rede de cargas emotivas, Noites de reis propõe mais "pontos necessários do que negativos", pelo que avalia Vinícius Reis, ao falar da jornada de aceitação que impulsiona a produção. Associado à produtora El Desierto Filmes, o diretor garante ter dado ouvidos ao produtor Jorge Durán (conhecido pela direção de filmes como A cor do seu destino e Não se pode viver sem amor), atento à importância da "pegada visual forte" impressa na fita.

Um dado interessante é o de o filme ; com premissa alinhada à de O que se move, visto no Festival de Gramado ; chegar à mostra competitiva de Brasília, 22 anos depois da exibição do primeiro filme de Vinícius Reis no festival (com o curta-metragem 16mm Uma rosa é uma rosa). "Foi simbólica a ocasião, justamente por, naquele ano, o governo Collor ter decretado o fim do cinema brasileiro", relembra. Curiosamente, o protagonista do novo filme, Jorge, busca um caminho de retomada do poder de expressão. "Ele, há cinco anos, se vê impedido de articular algo sobre a morte do filho. O subtexto de reconstrução dele para a mulher e a filha é ;me ajudem a sair deste espaço de luto;", conclui.

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