Jonh F. Kennedy

Correio inicia uma série de reportagens sobre o legado de John F. Kennedy

Meio século depois do crime que abalou o mundo, a figura do ex-presidente ainda exerce forte influência sobre os EUA

Renata Tranches
postado em 17/11/2013 07:59

John Kennedy desfila em carro aberto pelas ruas de Dallas, no Texas, ao lado da primeira-dama, Jacqueline: poucos minutos depois, um tiro de fuzil atingiria a cabeça do presidente

A morte de John Fitzgerald Kennedy, aos 46 anos, interrompeu abruptamente o governo que durou apenas 1.036 dias, mas foi suficiente para transformá-lo em um dos mais influentes líderes dos Estados Unidos. Seu legado ultrapassa seu tempo de vida e, meio século depois de seu assassinato, em 22 de novembro de 1963, segue influenciando mentes e corações de eleitores e políticos. De republicanos a democratas, todos querem se associar à imagem do jovem presidente. Nem mesmo o atual chefe da Casa Branca, o também democrata Barack Obama, passou incólume ao prestígio do famoso clã, que o avalizou na campanha de 2008. O Correio inicia, hoje, uma série de reportagens que ajudam a explicar a trajetória do 35; presidente americano: a herança política, a morte prematura e a fascinação despertada por ele e pela família Kennedy ; a ;monarquia americana; ; continuam marcantes na sociedade norte-americana.

JFK ou Jack, como também era conhecido, é o presidente mais popular do Estados Unidos desde a Segunda Guerra Mundial. No índice histórico de aprovação, a partir de 1945, do Instituto Gallup, Kennedy lidera o ranking com 70,1%. O segundo colocado é o general Dwight Eisenhower (1953-1961), com 65%. Historiadores, especialistas e autores americanos explicam que uma combinação de fatores ; como a morte de um jovem e carismático político enquanto ocupava o cargo mais poderoso do mundo e a ausência de um líder tão popular como ele ; o transformaram em mito.

Filho de ricos imigrantes irlandeses, seu casamento com a bela e elegante Jacqueline ;Jackie; Bouvier Kennedy, de origem francesa, retratava o apogeu de uma era marcada pelo clima de autoconfiança de um Estados Unidos pós-guerra. A mudança do jovem casal com os dois filhos pequenos para a Casa Branca refletia uma atmosfera de renovação. ;Havia um sentimento de que uma família de verdade estava vivendo ali;, lembra o cientista político Graham Dodds, pesquisador americano sobre o legado Kennedy da Universidade de Concordia (Montreal, Canadá). Nem mesmo o céu era o limite, e as promessas daquela época incluíam nada menos do que levar o homem à Lua, o que o país conseguiu quase uma década mais tarde.

A imagem da família feliz, porém, foi atropelada pelos relatos de casos extraconjugais do presidente. Seus relacionamentos envolviam, muitas vezes, celebridades como a estrela do cinema Marilyn Monroe. Quem nunca assistiu à cena em que a atriz, com roupas e voz provocantes, sai de um bolo para cantar Happy Birthday para o presidente em 1962? As polêmicas prosseguiram mesmo depois da morte. Em seu livro An Unfinished Life, de 2003, um dos mais renomados biógrafos do presidente, o historiador Robert Dallek, revelou que Kennedy também teve um romance com uma estagiária da Casa Branca, Mimi Alford, à época com 19 anos.

Além da infidelidade, o livro de Dallek mostrou que o presidente lutava para esconder as fortes dores na coluna e o uso de anabolizantes para o tratamento da rara doença de Addison. Todas essas informações foram retiradas de documentos até então secretos da John F. Kennedy Presidential Library aos quais Dallek teve acesso exclusivo. O historiador afirmou ao Correio que as descobertas confrontavam a imagem de um líder saudável. Ele acrescenta que o vício de JFK por mulheres era tão ;embaraçoso; que poderia ter se sobreposto ao papel político em um novo mandato. ;Se Kennedy tivesse sobrevivido e tido um segundo mandato, talvez hoje não estivéssemos falando sobre ele;, avalia.

Tragédias


Jackie (E) observa o caixão do marido, no Salão Leste da Casa Branca
A tendência, porém, segundo os especialistas, é de que os fatos negativos sejam esquecidos e a lembrança positiva do político fique congelada na memória dos americanos. As circunstâncias da sua morte ; Kennedy foi baleado na cabeça enquanto desfilava em um carro aberto em Dallas (Texas), ao lado de Jackie ; e as outras tragédias que assolaram a família ajudaram a mitificar os Kennedies. Mesmo o crime cometido naquela tarde de sexta-feira continua alimentando teorias da conspiração.

Sua curta administração coincidiu com um dos mais conturbados períodos da história recente, a Guerra Fria. ;Nesse período, a Terceira Guerra Mundial foi evitada pelo menos duas vezes: com a construção do muro de Berlim e com a crise dos mísseis em Cuba;, assinala Thomas Whalen, especialista em Presidência dos Estados Unidos pela Boston University (Massachusetts) e autor de Kennedy versus Lodge: The 1952 Massachusetts Senate Race.

A liderança de Kennedy na crise dos mísseis foi crucial nesse que, para o diretor do Centro de História Presidencial da Southern Methodist University (Dallas), Jeffrey Engel, foi ;o momento mais perigoso para a sobrevivência global;. ;Kennedy mostrou-se um calmo, ainda que não perfeito, gestor de crises, conseguindo no final o que ele precisava ; a retirada dos mísseis soviéticos de Cuba ; a um baixo custo diplomático;, opinou Engel.

Mas talvez seu maior legado esteja mesmo dentro dos EUA. Em 1963, o país vivia uma ebulição sociocultural, com a segregação racial chegando ao limite. O discurso I have a dream (;Eu tenho um sonho;) imortalizou a figura de Martin Luther King Jr., um ativista cuja luta pelos direitos civis e pelo fim do preconceito o transformou em uma espécie de santo secular. A pressão nas ruas levou Kennedy a introduzir no Congresso um projeto que, no ano seguinte e já sob o governo de seu sucessor e ex-vice Lyndon Johnson, se transformaria na Lei dos Direitos Civis. A medida pôs fim a diversos sistemas de segregação racial no país. A iniciativa de Kennedy, primeiro e único presidente católico dos EUA, abriu caminho para o país ter seu primeiro presidente negro, a primeira entre as várias conexões com Obama.

Nas conversas com os especialistas, não foram raros os momentos em que a fascinação por Kennedy ficou evidente. Um questionamento recorrente foi: ;E se ele tivesse sobrevivido, como teria sido um segundo mandato?;. A pergunta, segundo os entrevistados, é irresistível aos olhos dos historiadores e da opinião pública norte-americana. ;As pessoas se perguntam se, caso ele tivesse sobrevivido, as coisas teriam sido melhores; , diz Thomas Whalen. ;É interessante e marcante para mim, como historiador, quão duradoura é a atenção e o respeito que se tem pelo presidente Kennedy até hoje.;

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