Jovem Guarda

Historiadora analisa a relação entre a Jovem Guarda e a MPB da época

Eleonora Zicari Costa de Brito é doutora em história pela Universidade de Brasília e pesquisadora na área de história e música

Eleonora Zicari - Especial para o Correio
postado em 25/11/2013 08:02
Fenômeno musical que sacudiu o país nos anos 1960, a Jovem Guarda foi vista ora como responsável por conectar a juventude da época com posturas bastante transgressoras, ora como um movimento que domesticou essa mesma juventude. Revolucionária ou conservadora, a depender do ponto de vista, essa experiência representou um importante canal de expressão dos anseios juvenis, e ajudou a configurar o universo imaginário de boa parte da juventude brasileira.

Transmitido pela TV Record, o programa Jovem Guarda foi o maior sucesso televisivo do ano de 1966. Numa década em que a música invadiu a programação da televisão, a atração dividia espaço com outros musicais produzidos pela própria Record, como O fino da bossa, comandado por Elis Regina e Jair Rodrigues, representantes da nascente MPB. Isso ajuda a explicar o incentivo da emissora a batalhas travadas entre representantes da MPB e da Jovem Guarda com seu rock no estilo iê-iê-iê. Acirrar os ;conflitos; entre essas vertentes musicais divulgadas pela Record era um dos meios de garantir os altos índices de audiência dos programas e promover a adesão apaixonada dos fãs. Além disso, o avanço comercial alcançado pela Jovem Guarda fez de sua música uma fórmula de sucesso.
Eleonora Zicari Costa de Brito é doutora em história pela Universidade de Brasília e pesquisadora na área de história e música
A imagem comumente veiculada de que existia um isolamento da Jovem Guarda frente a outros redutos musicais pode ser contrariada por algumas evidencias. Um exemplo disso é a reportagem publicada em dezembro de 1968 na revista Realidade, em que Gal Costa e Caetano Veloso discorrem sobre o importante papel do iê-iê-iê para a transformação do cenário musical brasileiro. Na matéria, Gal ;recusa-se a aceitar a hipótese de um abismo entre a Jovem Guarda e o tropicalismo;, e Caetano salienta que ;Roberto derrubou padrões estabelecidos;, colaborando para que se ultrapassasse o ;tipo de música quase acadêmica; na qual a bossa nova se transformara. A gravação, em 1969, por Gal Costa, da canção Meu nome é Gal, de autoria de Roberto e Erasmo Carlos, demonstra a sintonia entre esses artistas. E nunca é demais lembrar a bela interpretação que Elis Regina deu em 1970 para As curvas da estrada de Santos, outro sucesso da dupla, composta em 1969.

A postura aguerrida de alguns importantes nomes da MPB ;contra as guitarras elétricas;, ou seja, contra a Jovem Guarda, explícita na passeata que em 1967 abria o novo programa da Record, Frente única pela MPB, foi contrabalançada pelo posicionamento de Nara Leão, representante daquela vertente e musa da bossa nova. Para ela, o evento do qual não participou, mais parecia ;uma passeata do Partido Integralista;, como relatado por Caetano em seu livro de memórias. Não por acaso, em 1978, Nara grava um LP inteiro com canções de Erasmo e Roberto Carlos, e entre elas alguns sucessos da Jovem Guarda.

Entender o fenômeno da Jovem Guarda, portanto, implica questionar as narrativas que em seu tempo e em períodos posteriores ajudaram a construir imagens sobre o grupo. Nem tão alienados como nos fazem supor certos discursos, a Jovem Guarda inscreveu com sua experiência um novo modelo de juventude, transmitido por uma maneira de se vestir ; a mini saia, os cortes de cabelo modernos, acessórios e bijuterias ; de lidar com o corpo, de falar de seu universo, nem que para isso fosse preciso mandar tudo pro inferno.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação