Jovem Guarda

Composições autorais marcaram a Jovem Guarda e transcenderam o tempo

O hit "Splish splash" de Roberto Carlos é o resultado da adaptação de uma música de Bobby Darin

postado em 26/11/2013 08:42

As gravações eram feitas no Teatro Record. As canções internacionais garantiam os aplausosAs versões dominavam o mercado. Um dos primeiros sucessos do iê-iê-iê made in Brazil, Banho de lua, entoado por Celly Campelo em 1960, nada mais era do que um rockzinho italiano que fazia sucesso na voz da cantora Mina: Tintarella di luna. Um dos primeiros hits de Roberto Carlos, Splish splash, originalmente cantado por Bobby Darin, teve a letra adaptada para o português por Erasmo Carlos, em 1963. Foi só quando começou realmente a compor em parceria, contudo, que a dupla Roberto e Erasmo conseguiu se impor. ;Os roqueiros brasileiros ainda não faziam suas músicas, e sim adaptações. Roberto e Erasmo incentivaram todo mundo a criar suas próprias;, conta Sergio Reis.

As versões, muitas vezes, atendiam à propósitos puramente comerciais, como preencher o espaço de um long-play, e servia para contrapor as ;canções de protesto; nas paradas de sucesso. Com o tempo, a banalização do formato abriu espaço para que o trabalho autoral ganhasse força.

;A gente tinha influência muito grande de Beatles e do rock inglês, dava vontade de cantar aquelas músicas. A gente até compunha as nossas também, mas era tentador incluir hits mundiais no repertório;, conta Leno Osório, da dupla Leno e Lilian. Ele é autor do megassucesso Pobre menina, versão em português de Hang on Sloopy, dos americanos The McCoys. ;O disco chegou às minhas mãos e eu fiquei com vontade de gravar;, detalha. Para Leno, apesar da enxurrada de versões que desembarcaram no Brasil, as canções que ficaram foram as de assinatura própria.
A dupla Leno e Lilian teve um dos CDS mais vendidos na década de 1960
Entre 1963 e 1968, a cantora Wanderléa lançou um disco por ano. Foram cerca de 80 músicas gravadas, das quais mais de 50 eram versões. Alguns dos maiores sucessos da artista, inclusive, pertencem ao formato: Ternura (Somehow it got to be tomorrow, today, originalmente) e Pare o casamento (Stop the wedding). Os números apenas ajudam a comprovar o fenômeno. Fazer versões dos Beatles era quase obrigatório. A maior parte dos singles do Fab Four tiveram seus versos convertidos para o português. Ronnie Von também se aventurou: Girl, na voz do cantor-galã, virou Meu bem.

[SAIBAMAIS]Por mais êxito que tenha tido com as versões de músicas dos Beatles ; notadamente Minha menina (I should have known better) e Feche os olhos (All my loving), Renato Barros, líder do Renato e seus Blue Caps, só obteve reconhecimento quando emplacou composições nas vozes de outros artistas. Roberto Carlos, por exemplo, gravou Você não serve pra mim. Já Leno e Lilian marcaram a década com Devolva-me e Eu não sabia que você existia, também de Barros.

Feitiço contra o tempo
Renato Barros é o responsável por lançar a dupla Leno e Lilian
Renato Barros é um dos maiores hitmakers da Jovem Guarda. O líder do Renato e seus Blue Caps foi também o responsável por lançar a dupla Leno e Lilian para o sucesso. Lilian, à época, era namorada de Renato. Ela e o amigo Leno acompanhavam os Blue Caps em shows e estúdios, sempre nos bastidores. Quando começaram a cantar juntos, Renato os levou para gravarem uma demo. Devolva-me (;Rasgue as minhas cartas/E não me procure mais;), de Renato, e Pobre menina, versão de Leno, agradaram tanto ao dono da gravadora que um disco foi lançado imediatamente e se tornou um dos compactos de maior sucesso dos anos 1960. ;Ficou em primeiro lugar meses e meses;, diz Leno. ;Devolva-me não fez tanto barulho quanto Pobre menina;, admite Renato. Nos anos 2000, contudo, Adriana Calcanhoto a resgatou. Leno e Lilian gravariam, com grande êxito, Eu não sabia que você existia, também de Renato.
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Você não serve pra mim guarda uma boa história. Renato tinha o sonho de que Roberto Carlos, de quem integrava a banda, registrasse uma canção de sua autoria. Quando compôs essa, criou um plano mirabolante: fez com que o Rei a escutasse no intervalo de uma gravação do disco Em ritmo de aventura (1967). Roberto adorou e pediu a Renato para gravá-la. ;Ele queria tudo quanto é música legal para ele;, conta. O autor demorou a ceder, mas tudo caminhou como planejado. Roberto acabou incluindo a faixa naquele mesmo disco, cujo repertório já estava fechado.

Duelo de Titãs

A amizade aparentemente inabalável da dupla Roberto e Erasmo Carlos adquiriu uma pequena rachadura em 1967. Erasmo conta na autobiografia Minha fama de mau que fora homenageado como compositor no programa Show em Si;monal, em que apresentou oito músicas. Só que elas eram também de Roberto, que, por algum motivo, não fora creditado em nenhum momento. A história chegou aos ouvidos do parceiro escanteado, com temperos ainda mais picantes do que a chata situação já pedia. Roberto não perdoou o amigo e houve um breve rompimento. Durante o período, o Rei compôs, sozinho, sucessos como Namoradinha de um amigo meu e Como é grande o meu amor por você. Erasmo, por sua vez, deu vida a Prova de fogo e Neném corta essa. ;O bom senso prevaleceu quando, alguns meses depois, recebi uma fita com uma melodia gravada na qual Roberto dizia: ; Bicho, não estou mais zangado com você. Essa letra você faz em 10 minutos. A música era Eu sou terrível;, escreveu Erasmo no livro de memórias.


Doce amor
Raul Seixas produziu um dos álbuns do cantor Jerry adriani

Raul Seixas é autor do maior sucesso da carreira de Jerry Adriani: Doce, doce amor. Muitos nem desconfiavam que seria o baiano o compositor da canção. Outros tantos nem sabem que Raulzito esteve intimamente ligado ao iê-iê-iê, tendo, inclusive, produzidos discos de vários artistas ; Jerry, entre eles. ;A primeira música dele gravada por outro artista, Tudo que é bom dura pouco, foi comigo;, lembra Adriani. Quando, certa vez, um jornalista acusou o cantor paulistano de só interpretar músicas reacionárias e besteiras, ele tirou uma carta da manga. ;Como assim? Eu gravei Doce, doce amor;, disse ao repórter, que não entendeu nada. Jerry explicou que a música era de Seixas e que ;doce amor, onde tens andado, diga por favor; era uma metáfora sobre democracia e liberdade. ;Era mentira, conversa fiada, falei para acabar com a polêmica;, conta Adriani. ;Nós não éramos a favor da ditadura, muito pelo contrário. Inclusive, eu tive coisas minhas censuradas, por incrível que pareça;, finaliza.

Felino de 150 Vidas
O álbum Negro gato, de Getúlio Côrtes, recebeu mais de 150 regravações
Getúlio Côrtes foi roadie de Renato e seus Blue Caps, secretário particular de Roberto Carlos e assistente de Carlos Manga na direção do Jovem Guarda. O maior papel de sua vida, entretanto, foi ter composto Negro gato. O Rei gravou a faixa no disco Eu te darei o céu (1966) e ela acabou sendo um dos maiores sucessos de seu repertório. ;Roberto cantou 14 músicas minhas;, diz Côrtes. Negro gato recebeu mais de 150 regravações ; Luiz Melodia e Marisa Monte, entre elas. ;Eu morava em Madureira, no Rio, e havia realmente um felino que não me deixava dormir. Um dia, me pus no lugar dele e escrevi a música;, detalha o também compositor de Quase fui lhe procurar.


Sertanejo no rock
A música
O paulistano Johnny Johnson ouvia música caipira em casa e rock;n;roll na rua. Já bem integrado à Jovem Guarda e com o nome que usaria por toda a vida, Sérgio Reis, o artista compôs um dos hinos daquela geração. Coração de papel está no disco de mesmo nome lançado em 1967, e deixou Reis no primeiro lugar das paradas por alguns meses, até o ano seguinte. "Antes desse sucesso, eu já era compositor, com músicas gravadas por Deno e Dino e Golden Boys", relembra. A música, que tem mais de 100 regravações, tem a ver com a primeira namorada de Sérgio.

Ele era muito ciumento, e um dia ela o dispensou. Arrasado em casa, o artista começou a escrever versos em um papel. Não gostou, amassou e jogou no chão. A cena lhe despertou uma ideia e ele finalizou a canção em 15 minutos. "Se você pensa que meu coração é de papel/Não vá pensando, pois não é", diz a letra. "No começo, eu ouvia Bill Halley e Elvis. Depois, vieram os Beatles. Pegamos a melhor fase do rock mundial. Mas, em casa, eu já gostava de Tonico e Tinoco também." Em 1972, Sergio Reis grava O menino da porteira e se torna um dos maiores artistas sertanejos do país.

Colaborou Ivone Bele, especial para o Correio

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