"Deste Planalto Central, desta solidão que, em breve, se transformará em cérebro das altas decisões nacionais, lanço os olhos mais uma vez sobre o amanhã do meu país e antevejo esta alvorada com fé inquebrantável em seu grande destino;, bradou Juscelino Kubitschek em 1956. Quatro anos depois, o fadário de Brasília estava selado: como sede do poder político, esta seria a cidade dos concursos públicos distritais e federais. Contudo, ao passar dos anos, as gerações nascidas no Planalto Central vislumbraram oportunidades e apostaram em planos alternativos. Ávida por uma rotina com liberdade financeira, geográfica e temporal, a juventude brasiliense decidiu empreender.
Por meio de startups, home office e coworking, a opção ganha espaço. A capital federal ocupa a 16; colocação entre 32 cidades empreendedoras do Brasil, objetos de estudo da Endeavor Brasil, publicado em novembro de 2016. A colocação deve-se aos avanços do próprio mercado e, principalmente, da tecnologia ; hoje, sequer é necessário que os sócios das empresas estejam no mesmo lugar do mapa para desenvolver um projeto.
Passo a passo, com divisões de espaços, investimentos mútuos, incentivos ao ecossistema e trocas de experiências, o empreendedorismo brasiliense cresce sistematicamente. Aos poucos, a cidade dos concursos públicos torna-se a capital da pluralidade, a qual capacitará as gerações candangas a serem, cada vez mais, como o utopista e conquistador Juscelino Kubitschek.
Comodidade para estacionar o carro
O apoio de universidades de ensino e entidades do ramo, por meio de consultorias e investimentos financeiros, inclusive, é essencial aos empreendedores no momento inicial dos negócios. Graças a um empurrãozinho da incubadora de empresas do Centro Universitário Iesb, os sócios Ricardo Bernardes, Euler Santos e Ismael Mendonça conseguiram tirar a ideia do papel e transformá-la em um negócio com potencial lucrativo. ;Nessa primeira fase, só precisamos utilizar o intelectual. Isso já é um incentivo;, frisa Bernardes.
Ele e os parceiros criaram o StreetPark.me, uma espécie de Uber dos flanelinhas. Com a plataforma digital, ao chegar à área central de Brasília, em ambientes abarrotados de veículos, como o Setor Comercial Sul, o motorista terá acesso ao perfil (nome, foto e localização) de, até o momento, 196 guardadores de carros ficha limpa e poderá escolher com quem deixar o automóvel. Somente flanelinhas cadastrados na Secretaria de Trabalho ; sem ficha criminal ; são aptos a integrar o software.
Outra facilidade pode poupar dor de cabeça aos condutores: o aplicativo mostra a localização exata do carro via satélite e emite informes ao motorista, caso as janelas ou as portas do carro tenham ficado abertas. O pagamento ao guardador é realizado de maneira digital. ;Com o cartão credenciado, o cliente repassa à conta bancária virtual do flanelinha o valor acordado;, explica Bernardes.
A ideia de desenvolver o sistema operacional surgiu em fevereiro de 2016, após uma conversa entre Ricardo, empreendedor há 17 anos, e um guardador que prestava serviços à locadora de carros dele. À época, o flanelinha argumentou que, por diversas vezes, havia perdido a oportunidade de lavar carros ou receber gorjetas por não portar máquinas de cartão. ;O brasiliense não anda mais com dinheiro na mão. O aplicativo facilita a transação entre motorista e guardador; garante a segurança do veículo, potencializa a economia local e combate o trabalho de profissionais irregulares;, esclarece o empresário.
Para fazer parte da plataforma digital, disponível para os modelos Android desde novembro de 2016, o guardador paga o valor de R$ 49,90. Em contrapartida, recebe um colete fornecido pela empresa. A startup dos três sócios lucra 16% sob os subsídios angariados pelos guardadores. A profissão é regulamentada por Lei Federal desde 1977.
Ajuda tecnológica na cozinha
Em outra vertente, para Diego Rhoger, 33 anos, os principais incentivos ao empreendedorismo são a possibilidade de trabalhar em casa, com modelo home office, e o fato de não ser necessário investir muito dinheiro a fim de montar um estabelecimento próprio. Insatisfeito com o cotidiano no escritório de advocacia do pai e avesso ao sistema de concurso público, após 10 anos de trabalho, ele deixou a carreira de direito e se voltou à gastronomia. Contudo, com o passar do tempo, a criação de receitas e o preparo de pratos não se mostraram suficientes aos anseios de Diego. Então, há pouco mais de dois anos, Diego decidiu ingressar no ramo de lifestyle business, com o site Academia Gastronômica.
Ainda assim, atualmente, o carro-chefe dele é o aplicativo Gastrobox, que pretende solucionar, a partir de meados de maio, um constante impasse da vida de amantes da cozinha: afinal, quem nunca se empolgou com uma receita e, de repente, não pôde terminá-la por falta de ingredientes?
Sob essa ótica, o modelo digital oferece um leque de receitas e, em vez de enviá-las prontas à casa do consumidor, expede ao cliente os ingredientes em porções, cortados, higienizados e embalados. O aplicativo é embasado por uma pesquisa da revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios a pedido do empresário. Segundo o estudo, 25% dos adultos que cozinham todos os dias o fazem por lazer. ;É um software para quem ama cozinhar, mas deseja economizar tempo durante o processo mais moroso. Com essa facilidade, os pratos ficam prontos em, no máximo, 20 minutos;, explica Roger.
Apesar de o aplicativo não estar disponível, é possível aderir ao pacote mensal na plataforma on-line gastrobox.com.br. O produto, no valor de R$ 80, dá direito a um prato, suficiente para saciar duas pessoas. Hoje, quem acessar o site poderá encomendar os ingredientes de quatro quitutes: lombo suíno com persillade e purê de couve flor; frango ao curry indiano com dhaal; filé ao molho de pimenta verde; e frango asiático com vegetais no vapor.
Suporte de R$ 100 mil
Apesar das benesses do segmento, a depender do projeto, inovar pode custar ; e muito ; ao bolso do empresário em momentos iniciais. Diante da barreira, as startups aceleradoras ganharam espaço. Os serviços são destinados aos desbravadores que idealizam boas ideias, mas não detêm o valor necessário ao lançamento do produto ou, até mesmo, à manutenção da proposta no mercado. Em troca da concessão de investimentos, as aceleradoras requerem a participação minoritária nos respectivos negócios.
Em Brasília, os sócios André Froes, André Faria e André Casimiro tocam uma empreitada nesse modelo. O trio comanda a Cotidiano, empresa que realiza aportes de até R$ 100 mil durante o primeiro ano das empresas. Em pouco mais de 12 meses, eles apostaram no futuro de 15 empreendimentos. ;Não damos um empurrãozinho, colocamos as startups em um foguete;, brinca Froes. Os investimentos são viáveis graças a parcerias com universidades e entidades, como o Sebrae.
O retorno financeiro demora de cinco a 10 anos para saltar aos olhos, ponderam os empreendedores. Ainda assim, destaca-se que o molde potencializa as chances de acerto e dilui os riscos de erro devido à ramificação das aplicações da Cotidiano. As ideias agraciadas são selecionadas em dois ciclos por ano. Para participar, os interessados descrevem os projetos, enviam vídeos com curtas explicações e comparecem à entrevista presencial.
A iniciativa, pontua Froes, garante a sustentabilidade do ecossistema de empreendimentos candangos. ;Quanto mais pessoas integram o mercado, maior fica a concorrência e melhor se mostra o serviço. Há movimentação na economia local, e o empreendedorismo é impulsionado. Todos saem ganhando;, acrescenta.
No último dia 17, a Cotidiano divulgou o nome das startups que receberão subsídios por meio do primeiro ciclo deste ano. Entre as vencedoras, estavam a Colmeia, plataforma de reforço escolar que conecta professores e alunos, e a Líbon, que realiza doações a organizações não governamentais cada vez que o usuário desbloqueia o telefone, desde que o cliente se disponha a assistir alguns anúncios ao longo do dia.
Ambiente compartilhado
A despeito do boom de startups, a abertura de empresas convencionais segue em alta. Um dos métodos adotados para não desembolsar grandes quantias com a abertura de escritórios ou estoques, por exemplo, é apostar no coworking, forma de gestão com o compartilhamento do ambiente profissional. A opção garante aos desbravadores do mercado a oportunidade de diminuir custos, maximizar lucros, estreitar laços com clientes e formar novas parcerias.
Sob este prisma, o The Brain, espaço de coworking dedicado ao mercado industrial, abriu as portas há dois meses. O espaço garante um paralelo entre descontração e sobriedade. Ao adentrar ao local, o cliente se depara, à direita, com um ;pequeno pub; e, à esquerda, com mesas de jogos. O ambiente é utilizado em eventos de apresentação dos produtos. Entre eles, a cervejaria brasiliense Corina e o Picolé VaiBem. Mas, se a reunião necessitar de um tom formal, não há problema: os escritórios, com isolamento acústico, situados no térreo e no primeiro andar, estão disponíveis. Atrás do prédio principal, há, ainda, uma câmara fria e um estoque. Até o momento, o The Brain é integrado por 13 coworkers. A maioria, brasiliense.
;A economia colaborativa facilita a estruturação de novas empresas. Por exemplo: o investimento nesse espaço chegou a R$ 1,7 milhão. Em contrapartida, os meus parceiros, que têm escritório fixo aqui, desembolsam de R$ 1,2 mil a R$ 8 mil mensalmente;, pontua Otavio Theodoro, que comanda a empresa com cinco sócios: Cristiano Araújo, Thiago Riveiro, Jerzley Guedes, Rodolpho Martins e Helbio Nogueira.
Além da economia, da diluição de risco e da expansão da rede de contatos, a centralização dos segmentos indispensáveis ao funcionamento do negócio é um ponto forte do modelo de coworking. ;Tínhamos um estoque na quadra 108 da Asa Norte que já estava ficando pequeno. Então, quando precisávamos checar os produtos, tínhamos de nos deslocar de um lado para o outro. Ter todos os setores em apenas um local otimiza o nosso trabalho;, acrescenta Samuel Kicis, sócio da Distribuidora Pulso, que tem sede no The Brain.
Transparência na revisão do carro
Os candangos Cícero Santos, Lemon Leite e Rodrigo Cursino adotaram o mundo como escritório. Com a conexão Brasília;São Paulo;Portugal, os empreendedores desenvolveram o aplicativo Revisado, que será lançado em 26 de abril. A plataforma digital promete desburocratizar a relação entre cliente e concessionárias de automóveis ou oficinas. Com o celular em mãos, o usuário solicitará o atendimento de um mecânico, que, caso necessário, seguirá ao ponto de encontro. Lá, após a avaliação do veículo, o profissional indicará as peças de reparo ou sugerirá o procedimento de conserto. A partir das sugestões, o freguês deverá descrevê-las no aplicativo e, instantaneamente, receberá as melhores ofertas do mercado.
Oitocentas lojas de autopeças e concessionárias se inscreveram e aguardam o lançamento do sistema operacional. Os mecânicos interessados em remeter o contato ao software deverão passar pelo crivo dos desenvolvedores. ;Será necessária a comprovação da qualificação técnica e a disposição de referências de cinco empregadores. Se for autônomo, terá de repassar os números de vários clientes;, adianta Cícero. ;O ponto principal, entretanto, é a questão da garantia de um serviço limpo. Há inúmeros relatos de clientes que foram ludibriados a comprar peças, por exemplo. Esse cenário vai mudar;, acrescenta. A proposta venceu o programa Impulso, promovido pela parceria firmada entre Sebrae, Centro Universitário de Brasília (UniCeub) e Brasal.
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Dicionário do empreendedor
Startup ; Modelo repetível e escalável. Ou seja, o negócio pode ser expandido sem que o modelo tenha de mudar. Normalmente, apresenta boa base tecnológica e conceitos inovadores.
Exemplo: Uber
Empresa convencional ; Renova-se constantemente para vencer a concorrência do mercado. Dividem-se em quatro vertentes: micro, pequena, média e grande empresa.
Exemplo: distribuidoras de bebidas
Lifestyle business ; Modelo de trabalho utilizado unicamente para o sustento do envolvido, sem objetivos lucrativos ou mercadológicos.
Exemplo: canais do YouTube
Coworking ; Forma de gestão com o compartilhamento do ambiente profissional
Home office ; Ambiente profissional sediado em casa.