Made in Brasilia

Brasília tem os melhores resultados agrícolas do Brasil

Agricultores que se instalaram nas área rurais de São Sebastião, Paranoá e Planaltina, há 40 anos, transformaram as até então improdutivas terras do DF. Hoje, a capital tem os melhores resultados do Brasil

Luiz Calcagno
postado em 21/04/2017 00:00

Em seus primeiros 20 anos, Brasília importou grande parte do alimento que consumia. A capital simplesmente não plantava grãos. Havia o mito que o solo ácido do cerrado era improdutivo. Até que, tão audazes quanto os pioneiros que vieram erguer a cidade, produtores rurais, em grande parte do Sul do país, deram início ao plantio de soja, milho e feijão no Distrito Federal.

O ano era 1977. Moradores de áreas rurais próximas a São Sebastião, Paranoá e Planaltina, por exemplo, vivia dizendo que "essa gauchada ia morrer de fome". A "gauchada" era composta por beneficiários do Programa de Assentamento do Distrito Federal (PAD-DF). Passados 40 anos, o espaço de terra da capital nas mãos dessa gente não só dá de tudo como produz 158% a mais que em outros locais do Brasil.

A primeira colheita de soja de 2017 bateu recordes e chegou a 4,6 milhões de sacos, o equivalente a 279 mil toneladas. A coleta média de trigo no PAD-DF é de 6,2t de por hectare na região do programa de assentamento. A média nacional é de 2,4t/hectare. Já em Planaltina, a produtividade de milho, por exemplo, cresceu 100% nos últimos 20 anos e hoje se estende até a divisa com Cristalina (GO).

Agricultores que se instalaram nas área rurais de São Sebastião, Paranoá e Planaltina, há 40 anos, transformaram as até então improdutivas terras do DF. Hoje, a capital tem os melhores resultados do Brasil

As fazendas se concentram, principalmente na área do PAD-DF, às margens da BR-251, rodovia que liga Brasília a Unaí (MG), e em Planaltina. Com uso de pivô central para a irrigação, agricultores das localidades otimizam a produção mantendo plantio e colheita de diferentes culturas durante todo o ano. Inclusive de outras, que não grãos. Os melhoramentos genéticos de sementes ajudam.

Alan Cenci, 37 anos, é filho de gaúchos pioneiros do PAD-DF. Chegou em Brasília com os pais, vindo do Rio Grande do Sul. Tinha 2 anos. A família enfrentou dificuldades e hoje, à frente dos negócios, ele atesta: ;Brasília é privilegiada na produção de grãos. Ela gera receita para o estado e renda. E, com zonas bem definidas, como a do PAD-DF, é possível evitar até a grilagem de terras. Produzimos e, ao mesmo tempo, desenvolvemos o DF e o país;, ressalta.

Envolvido com a produção de grãos e outras culturas, Cenci recorre aos termos técnicos até para falar sobre a ligação que tem com Brasília. ;Estou enraizado e aclimatado aqui. Temos uma grande diversidade de produtos de qualidade e respeitamos o meio ambiente. Plantamos e colhemos em todos os períodos do ano;, garante.

Cenci ressalta a necessidade de valorizar os produtos feitos em Brasília. ;Temos que dar importância a tudo que fazemos na capital. Não só na agropecuária. É a nossa produção que gera os valores e a riqueza, que desenvolve a região e que emprega as pessoas. O brasiliense precisa saber disso.;

Vocação

Sandro Triacca, 47 anos, chegou do Paraná com os pais e um irmão em 1981. Ele tinha 11 anos. Ele lembra das dificuldades para desbravar o cerrado. ;Meu pai e o meu avô estão entre os pioneiros da região. Temos orgulho daqui. Quando JK pensou em Brasília, tinha nos planos uma região autossustentável. É nisso que estamos trabalhando;, destaca.

Ele planta, principalmente, soja e milho, e divide o custo e o uso de equipamentos com o irmão e outros agricultores. Pai de duas famílias, ele destaca que a linhagem, agora, é 100% candanga. ;Cada um adquiriu uma máquina especializada em um tipo de serviço. Conjuntamente, elevamos o nível de toda a nossa produção. Temos melhor rendimento e maior qualidade;, aponta.

Mais do que uma cultura que veio dos estados do Sul do país, a qualidade e a produção de grãos do DF, na visão de Sandro Triacca, é a confirmação de uma ;vocação local;. ;Fomos chamados porque nossos parentes tinham conhecimento, tradição. Mas, hoje, provamos o poder que pertence ao Distrito Federal;, observa.

"Valor inestimável"

Marchese diz ser preciso informar o consumidor sobre as culturas da região, incluindo a pecuária: ; O que produzimos tem um valor enorme para o país, mas não sei se o consumidor sabe da nossa produção. Por exemplo: produzo 9 milhões de ovos férteis para a Asa Alimentos. Eles viram frangos e vão para a mesa do consumidor. Isso vai para outros países. É alimento de boa genética e alta qualidade. Agregamos tecnologia, alta produção, genética.;

O uso de máquinas de última geração, de técnicas de plantio e uma cuidadosa seleção genética estão entre as ferramentas que permitem a qualidade e a quantidade do tipo de cultivo no DF. O clima também é um aliado. Predominantemente seco, ajuda no combate a fungos.

Pioneirismo

O Programa de Assentamento do Distrito Federal foi concebido e implantado pelo GDF, por meio da Secretaria de Agricultura, e executado pela Fundação Zoobotânica do DF, com início em 1977. O objetivo era incorporar áreas rurais inexploradas ao processo produtivo. A região é destaque no setor pela produtividade acima da média nacional em várias culturas de grãos.

4,65 milhões

Quantidade de sacas de soja produzidas nos primeiros meses de 2017 no DF

100%

Crescimento da produção de milho na região em 20 anos

Interesse de investidores

Mesmo que a região não seja autossuficiente e tenha um território restrito ao plantio de grãos ; não há terreno para expansão dos cultivos e consequente aumento da produção ;, o DF atrai a atenção do Brasil e do mundo com a qualidade do produto final. Para garantir a eficiência, muitas vezes, fazendeiros compartilham maquinários, otimizando o trabalho de toda a comunidade. Operadores de tratores e colheitadeiras de última geração podem receber até R$ 3,5 mil por mês.

Não à toa, a capital sedia a Feira Internacional dos Cerrados (AgroBrasília) voltada ao avanço da tecnologia em culturas e maquinários e que recebe delegações de diversas embaixadas. Coordenador-geral da feira, Ronaldo Triacca chegou à região em 1978, aos 13 anos. A história do empreendedor está intimamente relacionada ao crescimento da produção de grãos no DF.

Quando ele chegou, morou com a família em um barraco sem porta. Mais de uma vez, ouviu o barulho de onça rondando o local. ;Uma vez, estava dormindo na carroceria de um trator, enquanto o meu tio fazia a colheita de feijão. Ele freou e despertei. Quando vi, tinha uma onça na frente do veículo. Ele roncou o motor e o animal fugiu;, recorda. ;Em 1977, éramos 11 famílias. Passamos por inúmeras dificuldades, incluindo dívidas e a inflação da época;, relata.

Ronaldo Triacca considera o trabalho da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Distrito Federal (Emater-DF) fundamental. ;Somos a região mais técnica e mais diversificada do mundo. Daqui para Cristalina (GO), você encontra soja, feijão, café, trigo, alho, tomate e hortaliças. Só em Brasília é possível fazer isso. Graças ao investimento em tecnologia e o comprometimento com o meio ambiente;, destaca.

Também produtor do PAD-DF, Fabrício Marchese, 43 anos, planta soja, feijão milho, trigo e ervilha. Ele veio do Rio Grande do Sul com a família, em 1980. ;A produção de alimentos perto das grandes cidades é de um valor inestimável. Diminui custo, gasto com combustível e frete. Evita grandes deslocamentos sem necessidade. Nós, agricultores da capital, trazemos o alimento para perto do consumidor;, pondera.

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