Se a falta de luz atormenta a vida de dona Francisca Otacília Rodrigues, 54 anos, nada lhe tira mais o sono do que o medo da sede. No povoado de Baixa do Sítio, em São João do Piauí, não há um poço. Ela conta com a Operação Carro-pipa do governo federal para receber o equivalente a 8 mil litros de água a cada três meses. ;Como não é sempre que o caminhão vem, a cisterna às vezes fica vazia;, conta. O líquido tem de ser repartido com os animais. Para evitar o desperdício, é usado várias vezes na lavagem de louças e das roupas.
Quando as cisternas secam, os moradores de Baixo Sítio têm que tirar do próprio bolso R$ 300 para pagar mais um carro-pipa. O dinheiro, no entanto, é escasso para todos. Francisca é sustentada por um salário mínimo, fruto da aposentadoria do marido já morto. ;Infelizmente, meu dinheiro é contado. Tenho, inclusive, que reservar parte dele para ir à cidade para sacar;, conta.
Como no pequeno povoado não há qualquer transporte público, ela tem duas opções: ou paga R$ 20 (ida e volta) para um carro que passa somente às segundas-feiras ou anda seis quilômetros ;até a placa;, na rodovia, onde espera pelos carros que cobram entre R$ 4 e R$ 6 pelo trecho. ;Transporte aqui é muito difícil. Quando a gente fica doente e não tem condição de esperar até segunda-feira ou ir andando até a estrada, tem que pagar R$ 100 para o carro vir aqui buscar;, lamenta.
A pouco mais de 60 km da casa de dona Francisca, no povoado de Maquiné, da cidade de Coronel José Dias, a aposentada Erudite Dias de Santana Gomes, 66 anos, sofre com o risco da Doença de Chagas. Nos galinheiros, é possível achar dezenas de barbeiros, o agente transmissor. Muitos dos vizinhos de Erudite já foram infectados, mas poucos encontram tratamento, mesmo nos hospitais de Teresina. A única solução é ir para São Paulo.
A casa simples de taipa onde Erudite vive com o marido abriga todo tipo de necessidade. Sem energia elétrica, ela, muitas vezes, restringe o cardápio a arroz puro por não ter como conservar a carne. ;Dinheiro para o feijão também não tem. Quando consigo ir ao mercado, compro uma mistura com carne, o suficiente para um dia só;, conta.
A situação vivida por ela não é menos crítica do que se vê nos demais povoados do sertão piauiense. Até a água de beber é amarelada e cheia de areia. O esgoto escorre a céu aberto ou, com algum luxo, vai para as fossas. A energia, lentamente, chega a alguns povoados da região, mas muitas casas ainda não receberam os postes. Saúde e educação são regalia de poucos. São maioria nos povoados os analfabetos, como Francisca. Pelas paredes da casa onde ela vive, é possível ver o nome do marido falecido, com alguns garranchos embaixo. Francisca conta que ele tentou aprender a assinar copiando as letras feitas por um parente. ;Nem sei o que tá escrito aí. Quem sabe ler me fala que é o nome dele. Mas acho que no fim ele não aprendeu foi nada;, diz. (VM)