Renato Alves
postado em 09/12/2012 07:30
Nada de dragão, arpão ou sereia como os eternizados nas canções Menino do Rio, de Caetano Veloso, e Tatuagem, de Chico Buarque. Muito menos tribal, escudo do time de futebol preferido, fadinha ou estrelinha. Brasilienses carregam na pele desenhos do arquiteto que deu fama mundial à cidade planejada por Lucio Costa. Monumentos de Oscar Niemeyer estão tatuados em costas, braços e pernas. Homenagens eternizadas ao gênio que partiu na noite da última quarta-feira, aos 104 anos.
O bombeiro Luis Ricardo Fernandes Jales, 42 anos, é um dos que fazem questão de exibir o amor pela cidade em que nasceu e foi criado. Em meio a uma viatura original do Corpo de Bombeiros, de 1969, e cinco retratos de colegas de farda em ação, ele tatuou na perna direita a Catedral Metropolitana Nossa Senhora Aparecida, mais conhecida como a Catedral de Brasília. Ele decidiu estampar no corpo um dos cartões-postais da capital em homenagem à terra natal e à família.
Na igreja que hoje está em reforma, Luis Ricardo batizou os filhos João Pedro e Maria Rita, de 9 e 4 anos, respectivamente. Há pouco mais de dois anos, o bombeiro decidiu fixar a imagem do templo na pele. Procurou um amigo, o tatuador Frederick Nascimento, o Lico, padrinho de batismo de Maria Rita. A fim de passar para o corpo do amigo o retrato da Catedral, Lico pediu a Luis Ricardo para fazer mais de 20 fotografias com ângulos diferentes do monumento.
O bombeiro de Brasília gostou do resultado. ;A Catedral representa o batismo dos meus filhos, a fé da minha família e o meu amor pela cidade;, ressalta. E ele pretende expandir essa demonstração de apego e afeto pela capital. Pensa em pedir ao amigo tatuador para desenhar em outra parte do corpo o Congresso Nacional. ;Só não fiz ainda por uma questão: tenho receio que as pessoas confundam a minha admiração pela cidade com a política;, pondera.
A depender de Lico, Luis Ricardo e muitos outros clientes terão a marca de Brasília no corpo. Sempre que pode, ele tenta convencer alguém a deixá-lo tatuar uma imagem da capital. ;Tenho um projeto de me especializar em imagens de Brasília. Já fiz tattoos de diversos monumentos, como a Catedral e a Igreja Dom Bosco. E também de outros símbolos do DF e do Cerrado, como a bandeira, o lobo-guará e as árvores e flores típicas da região. Tem uma história interessante: uma vez, fiz os Dois Candangos nas costas de uma turista estrangeira. Ela adorou a obra de arte e me pediu para reproduzi-la;, conta.Lembrança
Se prevalecesse a vontade dos pais, a brasiliense Mariana Martins Hummel, 23 anos, teria se tornado médica como os dois e nunca faria uma tatuagem. Mas ela decidiu estudar arquitetura e cobrir o corpo com desenhos. Até agora, são quatro. O menor, porém mais simbólico é uma cópia do esboço de Oscar Niemeyer para a Catedral. Com linhas finas, pretas e simples, como o original. Fixado no braço esquerdo, representa o amor e a saudade dela pela avó Geralda Martins, católica e apaixonada pela igreja.
A jovem universitária decidiu fazer a tattoo após a morte da avó, em 2007. ;Nascida em Unaí (MG), a minha avó adorava Brasília. E, de todas as obras da cidade, a preferida dela era a Catedral. Agora, a minha tatuagem ganhou mais significado com a morte de Niemeyer. Os meus amigos dizem que é a minha homenagem a ele. Pode ser também, pois quero ser uma grande arquiteta;, comenta a garota, aluna da Universidade de Brasília (UnB) e moradora do Lago Norte.
Um dos mais requisitados tatuadores de Brasília, Eric Schwartz, o Boreu, espera ocorrer agora o mesmo após a morte de Athos Bulcão, em 2008. ;Já fiz muita tattoo de cópias dos azulejos do Athos, principalmente do painel da Igrejinha (da 308 Sul). De referências do Niemeyer, ainda é pouco, mas, há uns quatro meses, uma cliente me pediu para tatuar quatro monumentos dele no braço. Pediu para que fosse tudo igual;, recorda o artista.
"Agora, a minha tatuagem ganhou mais significado com a morte de Niemeyer. Os meus amigos dizem que é a minha homenagem a ele;
Mariana Martins Hummel, 23 anos, estudante de arquitetura
Restauração
A Catedral de Brasília passa pelos últimos reparos antes da conclusão das obras de restauro, inicialmente previstas para terminarem em 2010. A expectativa é que os trabalhos acabem até o próximo dia 18. Um dos principais cartões-postais da capital, ela foi projetada por Niemeyer e começou a ser construída em 1956. A inauguração ocorreu somente em 31 de maio de 1970.
Construtores
Erguida em 1959 e fixada na Praça dos Três Poderes, a escultura Os Dois Guerreiros, popularmente conhecida como Os Candangos, foi esculpida pelo artista Bruno Giorgi. Feita em bronze, a estátua mede 8 metros e homenageia os 80 mil trabalhadores responsáveis pela construção da capital. Em 1987, foi restaurada pelo artista Zeno Zani.