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Entenda os pilares da denúncia contra os 38 réus do julgamento do mensalão

Paulo de Tarso Lyra
postado em 30/07/2012 14:38


A peça de acusação que aponta a existência de um esquema de pagamento de mesadas à base aliada do então governo Lula em troca de votos no Congresso Nacional foi costurada a quatro mãos. A matéria começará a ser julgada a partir da próxima quinta-feira, 2 de agosto, no Supremo Tribunal Federal, e é fruto de um trabalho elaborado pelo ex-procurador-geral da República Antonio Fernando de Souza e o atual, Roberto Gurgel. O texto aponta a existência de um ;plano criminoso voltado para a compra de votos dentro do Congresso Nacional;, tendo como comandante o ex-chefe da Casa Civil ministro José Dirceu. ;Trata-se da mais grave agressão aos valores democráticos que se possa conceber;, afirmou Gurgel, em suas alegações finais. O processo, que conta 50 mil páginas, no entanto, ainda não responde a várias das perguntas que cercam um caso ainda envolto pela névoa (Leia no quadro ao lado).

A primeira denúncia do Ministério Público elaborada por Antonio Fernando, em 2007, já apontava a formação de quadrilha, na época com 40 nomes. Ela foi baseada em investigações da Polícia Federal e nas conclusões do relator da CPI dos Correios, Osmar Serraglio (PMDB-PR), instalada para apurar as denúncias do ex-deputado Roberto Jefferson, de que o PT, por meio do empresário Marcos Valério, e sob o comando de José Dirceu e de Delúbio Soares, tesoureiro da legenda, transferia recursos ao PP e ao PL (atual PR) para a compra de votos no Congresso com mesada de R$ 30 mil por deputado. Antes, Jefferson havia falado em recursos para o financiamento de campanhas, o que caracterizaria o crime menor de caixa dois ; corrente na política nacional.

Segundo Fernando, havia elementos que comprovavam a existência de um ;eficiente sistema de repasse de valores, especialmente a integrantes de diversos partidos políticos, que se utilizavam de mecanismos altamente suspeitos, de que são exemplos o desprezo pelos procedimentos bancários regulares, a entrega de quantias elevadas em espécie e em locais inadequados (recepção e quartos de hotéis, e bancas de revistas) e a preocupação de inviabilizar a identificação do destinatário;, completou o procurador.

Financiamento
Empossado, Gurgel manifestou inteira concordância com a denúncia ao apresentar as alegações finais ao STF, em julho de 2011. Manteve e reforçou todas as acusações do antecessor ; as exceções foram os pedidos de absolvição do ex-ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência Luiz Gushiken e do ex-assessor parlamentar Antonio Lamas. Explorou bastante o envolvimento de instituições bancárias financiadoras maiores do valerioduto, mas nada acrescentou para demonstrar a compra de votos ou identificar deputados aliciados. Apontou como indício da cooptação a proximidade de datas entre saques e votações.

Gurgel, no entanto, foi bem incisivo em outros pontos da denúncia. ;As provas colhidas no curso da instrução, aliadas a todo o acervo que fundamentou a denúncia, comprovam a existência de uma quadrilha, constituída pela associação estável e permanente dos seus integrantes, com a finalidade da prática de crimes contra o sistema financeiro, contra a administração pública, contra a fé pública e de lavagem de dinheiro;, explicitou o procurador. Ao longo do processo, alguns nomes ficaram pelo caminho. O ex-secretário-geral do PT Silvio Pereira fez um acordo com o Ministério Público e passou a prestar serviços comunitários. O ex-líder do PP na Câmara José Janene (PP) morreu em 2010 vítima de problemas cardíacos.

A ênfase de Gurgel levou o PT a buscar outros caminhos para diminuir o impacto do julgamento do mensalão no partido. Aproveitando-se da criação da CPI para investigar as relações do bicheiro Carlinhos Cachoeira com entidades públicas e privadas, os petistas tentaram convocar o procurador-geral para explicar por que ele não iniciou as investigações contra o bicheiro em 2009, quando foi deflagrada a Operação Vegas. ;Foi uma maneira de tentar mostrar a inconsistência jurídica do procurador. Desconstruindo o acusador do partido no inquérito do mensalão, tentou-se desmontar a acusação que pesava contra a legenda;, confessa um parlamentar do PT com assento na CPI.

Núcleos de atuação
O documento de Gurgel divide os réus em três núcleos. O político, composto pelo ex-ministro José Dirceu, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, o ex-secretário-geral Silvio Pereira, e o ex-presidente do PT José Genoino. ;O objetivo era negociar apoio político ao governo no Congresso Nacional, pagar dívidas pretéritas, custear gastos de campanha e outras despesas do PT;, diz a denúncia.

O segundo núcleo, identificado como núcleo operacional, seria integrado por Marcos Valério, Rogério Tolentino e outros profissionais do meio publicitário. Na visão de Gurgel, coube a esse grupo ;oferecer a estrutura empresarial necessária à obtenção dos recursos que seriam aplicados na compra do apoio parlamentar;. Valério teria concordado em participar do esquema porque desejava ;aproximar-se do governo federal;.

Já o terceiro núcleo, chamado de núcleo financeiro, era integrado pelos dirigentes do Banco Rural à época. ;Visando à obtenção de vantagens indevidas, consistentes no atendimento dos interesses patrimoniais da instituição financeira que dirigiam, proporcionaram aos outros dois núcleos o aporte de recursos que viabilizou a prática dos diversos crimes objetos da acusação, obtidos mediante empréstimos simulados, além de viabilizarem os mecanismos de lavagem que permitiram o repasse dos valores aos destinatários finais;, conclui as alegações.

Muitas perguntas, poucas respostas
Quem montou a cena sobre pagamento de propina nos Correios pretendia eliminar o servidor Maurício Marinho de algum esquema ou atingir o deputado Roberto Jefferson, a quem ele seria ligado?

Por que Roberto Jefferson denunciou a existência de pagamentos mensais (mensalão) a deputados para votar a favor do governo, correndo o risco de ser cassado por ter recebido recursos para o PTB?

Antes de denunciar o mensalão, Jefferson havia cobrado publicamente uma ajuda de campanha que o PT teria prometido ao PTB, mas não havia cumprido. Seriam os recursos recebidos pelo PTB apenas para financiar campanhas e somente os de outros partidos para garantir votações no Congresso?

Entre os réus, 11 eram deputados na época da denúncia, sendo quatro do PT e oito de outros partidos. Os três do PT também recebiam
para votar a favor do governo do próprio partido, para enriquecimento próprio ou para saldar dívidas de campanha, como alegam?

Os oito deputados não petistas estão longe de garantirem, sozinhos, a maioria parlamentar. O PT tinha 80 deputados e, com a ajuda dos aliados de esquerda PCdoB e PSB não chegava a 120 votos. Se PTB, PP e PL recebiam dinheiro para garantir votos ao governo, quais eram
então os outros votantes cooptados? Por que seus nomes nunca foram revelados?

É sabido que quem coordena votações são os líderes de bancadas e não os presidentes de partidos. Mas, entre os réus não-petistas, apenas um era líder e os outros, presidentes de partidos. Por que os líderes de outras bancadas não participaram dessas negociações?

Por que os bancos Rural e BMG estão cobrando na Justiça o pagamento dos empréstimos feitos ao PT por meio de Marcos Valério se, de acordo com a acusação, tais empréstimos eram fictícios, criados apenas para mascarar o desvio de recursos públicos?

Uma das fontes de recursos públicos desviados seria o Banco do Brasil, por meio do contrato de publicidade com a agência DNA, de Marcos Valério. O TCU decidiu recentemente que o contrato era correto e legal. Como a acusação responderá à decisão do TCU?

Quais eram os interesses dos bancos no processo de concessão de empréstimos a partidos e políticos? Eles foram atendidos em seus pleitos?

Como se deu, concretamente, a participação do ex-chefe da Casa Civil ministro José Dirceu no esquema de corrupção?

Até que ponto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva conhecia e tinha participação no esquema?

Sessões
O julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal terá pelo menos 22 sessões transmitidas ao vivo por rádios e televisões. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, terá cinco horas para ler a acusação sobre a qual trabalhou durante todo o recesso de julho. Diferentemente do ministro-relator Joaquim Barbosa, que resumirá seu relatório em 15 minutos, embora dispondo de três horas, Gurgel já disse que possivelmente fará uso de todos os 300 minutos de seu tempo para a leitura do libelo acusatório.

Sob pressão
Roberto Gurgel enfrentou duas saias justas este ano. Com a instalação da CPI do Cachoeira, descobriu-se que poderia ter denunciado o senador cassado Demóstenes Torres em 2009, com base na Operação Vegas, da Polícia Federal, o que só veio a acontecer dois anos depois, na Operação Monte Carlo. Quando membros da CPI ameaçaram convocá-lo para explicar o ocorrido, afirmou que se tratava de manobra dos que temiam o julgamento do mensalão.

50 mil
Quantidade de folhas do processo do mensalão

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