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Início de julgamento mostra que debates serão acalorados entre os ministros

No primeiro dia do julgamento do maior escândalo político do governo Lula, ministros do STF travam intenso bate-boca, mas a maioria rejeita o desmembramento do processo

Helena Mader, Ana Maria Campos
postado em 03/08/2012 07:02

Começou com bate-boca o julgamento histórico do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), numa demonstração de que cada detalhe da Ação Penal 470 despertará debates acalorados. A briga deixou em lados opostos o relator, Joaquim Barbosa, e o revisor, Ricardo Lewandowski. Em tese, são os dois ministros que mais conhecem o processo. O motivo da discórdia, o pedido de desmembramento da causa, de forma que apenas os réus com foro especial fossem julgados no STF, foi suscitado pelo ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, advogado de José Roberto Salgado, ex-diretor do Banco Rural.

Lewandowski apresentou um voto, preparado previamente, em que defendeu por uma hora e 20 minutos a divisão do processo, medida que beneficiaria 35 dos 38 acusados. Caso fosse aprovado o pedido, apenas três réus, os deputados João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP), aqueles que têm foro no STF para ações criminais, continuariam a ser julgados pelos 11 ministros. A decisão reduziria a importância do julgamento no STF e poderia atrasar ainda mais o desfecho do caso, sete anos depois que o escândalo do mensalão veio à tona.

Assim que Lewandowski começou a apresentar seu ponto de vista pelo desmembramento, Joaquim Barbosa reagiu. ;Isso é deslealdade.; Enquanto Lewandowski expunha argumentos, Joaquim Barbosa continuava a criticar: ;Vossa Excelência é revisor do processo há dois anos, por que não levantou essa questão antes?;. Lewandowski rebateu: ;Use argumentos jurídicos e não ad hominem (contra a pessoa em latim);. Nessa altura, o ministro Marco Aurélio Mello interveio: ;Não podemos levar para o pessoal;. Barbosa continuou: ;Está em jogo a credibilidade do tribunal. No passado, já gastamos uma tarde inteira para debater o desmembramento, a pedido do réu Marcos Valério. O tribunal tem uma súmula sobre esse assunto, meu Deus;.

Barbosa deixou claro que a controvérsia não era a tese, inclusive aceita por ele anteriormente, há seis anos, quando o então procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, ingressou com a denúncia no STF. O problema é retomar o debate de um tema já discutido anteriormente. Desde 2007, quando a denúncia foi recebida pelo plenário, a instrução do processo está a cargo do STF. Testemunhas foram ouvidas, provas analisadas, diligências autorizadas. Para Lewandowski, no entanto, o debate não se esgotou. ;Essa é uma questão constitucional ainda não enfrentada por esta Suprema Corte. O STF precisa enfrentar a matéria para balizar futuras decisões em situações análogas;, justificou Lewandowski. Barbosa não acompanhou todo o pronunciamento do colega. Deixou o plenário enquanto o colega falava.


Primeira instância
Em seu voto, Lewandowski citou vários precedentes, inclusive posições anteriormente defendidas por Joaquim Barbosa, pelo desdobramento de ações em que há réus sem foro no STF. Apesar dos argumentos, a questão de ordem foi derrotada por nove votos a dois. Apenas o ministro Marco Aurélio Mello seguiu o voto sustentado por Lewandowski. Nas argumentações, os ministros ressaltavam que o tema já havia sido analisado. ;Processo é para a frente. Não podemos dar marcha a ré;, defendeu a ministra Rosa Weber, nomeada em dezembro pela presidente Dilma Rousseff.

O ministro Marco Aurélio Mello, que apoiou a tese derrotada de desmembramento, também citou o caso em seu voto. ;No tocante ao denominado mensalinho, que envolveu um dos réus da ação que estamos a enfrentar (Marcos Valério), este tribunal implementou o desmembramento. Talvez pelo aumentativo, talvez pelo vocábulo, não implementará quanto ao mensalão.;

O argumento do advogado Márcio Thomaz Bastos de que a remessa do processo para a primeira instância não atrasaria o julgamento não convenceu alguns dos ministros. ;Levaria mais de seis meses só para um juiz ler todo o processo e entender o que se passa;, afirmou o ministro Cezar Peluso, que se opôs ao desmembramento. Para o ministro Gilmar Mendes, se o caso estivesse na primeira instância, não estaria pronto para ser julgado até hoje. ;Esse processo só está chegando ao seu termo, com as dificuldades que estamos a ver, porque ficou concentrado no Supremo Tribunal Federal;, assegurou Mendes.

Relatório
Encerrada a sessão, Lewandowski disse ter ficado ;perplexo, estupefato; com o ocorrido no plenário. Ressaltou que a questão de ordem foi levantada pelo advogado Márcio Thomaz Bastos e ele não poderia se pronunciar sobre esse assunto antes. A pessoas próximas comentou ter ficado ;horrorizado com o ataque pessoal indevido;.

Lewandowski acompanhou com semblante sério toda a leitura do relatório de Joaquim Barbosa, última etapa da sessão de ontem. O relator detalhou o andamento do processo nos últimos seis anos e as principais acusações. Não houve contestações. Antes de encerrar os trabalhos, o presidente do STF, Carlos Ayres Britto, pediu para Lewandowski, como revisor, ratificar o relatório. ;Concordo;, limitou-se a dizer, sem levantar novas polêmicas.

"Perplexidade"

O ministro Joaquim Barbosa disse, em nota, que não fez ataques pessoais ao colega Ricardo Lewandowski. ;Apenas externei minha perplexidade com o comportamento do revisor, que após manifestar-se três vezes contra o desmembramento, mudou subitamente de posição, justamente na hora do julgamento, surpreendendo a todos, quase criando um impasse que desmoralizaria o tribunal;, destacou. Ele acrescentou que, por conta da questão de ordem, o tribunal perdeu um dia de trabalho, conforme o cronograma pré-fixado.

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