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Gurgel termina leitura da acusação; advogado pede questão de ordem

Ana Maria Campos, Helena Mader
postado em 03/08/2012 19:44
Sentindo o esforço e o cansaço, depois de mais de cinco horas de leitura da acusação, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, encerrou os trabalhos do segundo dia de julgamento da Ação Penal 470, o mensalão, no Supremo Tribunal Federal (STF). Ele pediu a prisão dos réus imediatamente após a conclusão do julgamento. Para isso, é preciso que haja condenações pelos ministros do STF. Durante toda a tarde, o representante da PGR trouxe as alegações finais que já haviam sido apresentadas no ano passado ao STF. Ele reafirmou a existência do mensalão, que, segundo ele, foi o "mais atrevido e escandaloso caso de corrupção e desvio de dinheiro público" da política nacional.

No final da sessão, o advogado de Marcos Valério, Marcelo Leonardo, colocou a toga e pediu, pela ordem, para que na próxima sessão, ele tenha prazo de duas horas para apresentar a defesa do réu. Alegou que Gurgel citou Marcos Valério 197 vezes. Ayres Britto negou a ampliação do prazo. "Fica o registro para a história", rebateu o advogado. O julgamento do mensalão prossegue na segunda-feira (6/8), com as cinco primeiras manifestações das defesas.

Confira as principais frases de Gurgel no plenário do STF:



Lendo o texto por meio de um tablet, Gurgel contou hoje a dramática, pomposa e escandalosa história do esquema de corrupção em que parlamentares recebiam recursos para votar de acordo com os interesses do governo. Dedicou os 20 minutos iniciais a considerações filosóficas, além de críticas às relações de poder encontradas atualmente no país. "É possível ver no Brasil de hoje, século 21, a resistência nada gloriosa de um modelo que insiste em manter inalteradas determinadas relações de poder", lamentou. Concluindo a etapa teórica, deu os motivos pelos quais considerou o esquema criminoso. "Com base na prova reunida na ação penal, os fins não justificam os meios, quando ignoram, cabalmente, o que é moralmente correto e socialmente aceitável".

O procurador ainda rebateu críticas dos advogados dos réus que figuram no processo, que consideram o mensalão "uma criação de delírio" do Ministério Público. "A robusteza da prova colhida torna risível a assertiva", argumentou.

[SAIBAMAIS]Segundo o procurador, o mensalão foi montado em 2003, logo no início do primeiro mandato do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para cooptar apoio político. "Maculou-se a República, instituindo-se à custa do desvio de dinheiro público, um sistema de movimentação financeira à margem da legalidade, com o objetivo de comprar o voto de parlamentares em matérias relevantes para o governo". Gurgel disse que a base do esquema constituia na captação de verbas por parte do publicitário Marcos Valério, a mando da cúpula do PT, para distribuição entre parlamentares da base aliada.

"O grande protagonista"

Para a PGR, José Dirceu era o mentor, "o grande protagonista", do grupo que reunía também Delúbio Soares e José Genoíno. "Foi, sem dúvida, o mais atrevido e escandaloso caso de corrupção e desvio de recursos públicos flagrado no país", enfatizou. Para a PGR, José Dirceu tinha conhecimento de todos os acordos para composição da base aliada no Congresso Nacional. "Nada, absolutamente nada, acontecia sem consentimento de José Dirceu". Ressaltou também que os acordos eram comprados por intermédios de recursos financeiros do Banco Rural. "O crime era praticado e engendrado dentro de quatro paredes do Palácio da Presidência da República. Daí a dificuldade de provas materiais". Gurgel apontou crime de lavagem de dinheiro no Banco Rural com empréstimos suspeitos "sem padrões mínimamente éticos".



Marcos Valério, a gênese de tudo

Ao relatar a organização do núcleo político do mensalão, o representante da PGR citou o ex-presidente do PT José Genoíno, o ex-secretário-geral do partido Silvio Pereira e o ex-tesoureiro da legenda Delúbio Soares, além dos parlamentares dos partidos beneficiados pelo esquema - PL (hoje PR), PTB e PP. Do núcleo publicitário-financeiro, o destaque foi para Marcos Valério, a quem intitulou de "gênese" do esquema. "Dirceu foi o mentor do esquema enquanto Marcos Valério foi seu executor", disse.

Carros-fortes

Sobre o núcleo financeiro, ele detalhou ainda que alguns saques feitos pelos membros do mensalão eram de valores tão altos e em moeda corrente que era necessário o uso de um carro-forte. Segundo a PGR, foram desviados R$ 73 milhões do Banco do Brasil. Como eram feitos saques de mais de R$ 100 mil por vez, e até mais, policiais eram contratados para o tranporte nos carros. Ressaltou que as funcionárias das agências do publicitário Marcos Valério realizavam a retiradas e as entregas do dinheiro ilícito aos parlamentares. Elas também repassavam ao Banco Rural os nomes dos "beneficiados".

O núcleo financeiro ; formado por dirigentes do Banco Rural à época ; aceitou entrar no esquema para obter vantagens em transações. Segundo a investigação, o grupo forjou empréstimos que não ocorreram na realidade, dissimulando a origem ilegal da verba. O procurador lembrou que representantes do Banco BMG não estão na ação penal do STF porque o caso está sendo tratado em outro processo, que tramita na Justiça de primeiro grau. Após duas horas de leitura, o presidente do STF, Ayres Britto, perguntou se era possível fazer um intervalo. Gurgel quis continuar, alegando não ter chegado nem na metade da leitura da acusação, mas diante do cansaço dos demais magistrados, Ayres Britto suspendeu a sessão por 30 minutos.

Provas sustentam a acusação

Na segunda fase da exposição, Gurgel passou a tratar dos crimes imputados a cada um dos réus e as provas que sustentam as acusações. Em um dos momentos mais importantes, Gurgel falou sobre o envolvimento de Roberto Jefferson com o esquema. Foi o ex-parlamentar quem denunciou a existência do mensalão e que, em 2003, assumiu a presidência do Partido Trabalhista Brasileiro. Segundo o PGR, Jefferson recebeu R$ 4,5 milhões para garantir integração do PTB à base aliada do governo. "Os pagamentos foram feitos em dinheiro, por Marcos Valério, em espécie, na sede do PTB em Brasília", disse Gurgel. Jefferson recebeu o mensalão por meio de contatos com o deputado federal Romeu Queiróz e Anderson Adauto, ex-ministro dos Transportes.

Desvio milionário do BB

Segundo a PGR, a empresa de Valério prestou serviços ao Banco do Brasil por 10 anos. "O desvio do Banco do Brasil foi de R$ 2.923.686,15", disse Gurgel, diante do contrato de publicidade entre a DNA Propaganda e o banco. Tanto o banco quanto o publicitário afirmaram que não havia contratos formais em relação ao fundo de incentivo Visanet, diz o procurador-geral. Henrique Pizzolato, diretor de marketing do BB na época, "assinou pessoalmente a transferência de fundos" às agências sem a realização dos serviços.

Destemor irrenunciável

Ao final da sustentação, Gurgel fez várias pausas para tossir e beber água, antes de concluir o texto da acusação. Foi incisivo ao dizer que não há espaço para intimidações. "A tibieza é incompatível com o MP. O destemor é irrenunciável imposição do ofício", disse. E finalizou com Chico Buarque: "Dormia a nossa Pátria mãe tão distraída sem perceber que era subtraída em tenebrosas transações".

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