postado em 14/08/2012 07:20
; Tereza CruvinelCelso Antonio Bandeira de Mello, um dos juristas mais conceituados do Brasil, é professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e representa a quinta geração de uma família dedicada às ciências jurídicas. Seu trisavô, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, foi professor da primeira faculdade de direito do Brasil, a de Olinda, fundada em 1827 por D. Pedro I. Nesta entrevista ao Correio, ele faz considerações sobre o julgamento do caso mensalão pelo STF, rompendo o silêncio de grande parte do meio jurídico sobre o assunto. Critica a cobertura da imprensa, que, a seu ver, tenta influenciar o resultado do julgamento, e adverte que todos devem estar preparados para o fato de que o Supremo não condenará sem provas. Leia a seguir os principais trechos.
Os juristas têm falado pouco sobre o julgamento em curso no STF. O que o senhor achou até aqui?
O STF tem conduzido o julgamento de forma irrepreensível, com sobriedade e equilíbrio, assegurando o direito de defesa e a isonomia entre todos os réus, permitindo o acesso de qualquer cidadão às dependências do tribunal e propiciando o acompanhamento ao vivo pela TV Justiça. Eu não acompanhei todas as sessões, mas é certo que nunca um julgamento foi tão aberto e transparente, o que é um sinal de vitalidade e aprimoramento de nossa democracia. Não posso ter opinião sobre quem seja culpado ou inocente, sobre quais crimes foram ou não cometidos. Nem eu nem ninguém, afora os ministros, que, com independência e propriedade, agora vão cotejar acusação e defesa com os autos do processo e formar, cada um, sua convicção. Mas todos devem estar preparados para uma coisa, que é certa: o Supremo não absolverá nenhum réu contra o qual haja provas. E, da mesma forma, não condenará ninguém na ausência de provas consistentes. É isso que o meio jurídico espera. E é essa a tradição historicamente construída por nossa mais alta Corte, com base nos princípios universais do direito e nas garantias individuais fixadas pela nossa Constituição. Por que o Supremo iria agora vergar-se a pressões externas, comprometendo sua reputação nacional e internacional?
De onde partem essas pressões externas?
O barulho da imprensa, a falta de proporções, é uma forma de pressão. O barulho foi muito menor, por exemplo, quando houve a grave denúncia de compra de votos para a mudança constitucional que permitiu a reeleição. É indiscutível que a imprensa e os meios de comunicação eletrônicos, alguns mais que os outros, vêm tentando influenciar o julgamento, conduzi-lo em determinada direção. A cobertura tem uma inclinação muito clara e expressa a opinião dos veículos, a chamada opinião publicada, como se fosse a opinião pública, que é coisa diferente. Isso vem de 2005, da cobertura do escândalo e da CPI, e voltou agora, com o julgamento. Primeiro, a imprensa prejulgou e condenou. Agora, tenta fazer com que sua condenação prevaleça, embora nos últimos dias tenha havido mais abertura ao contraditório. Tenho lido críticas na imprensa à própria imprensa, talvez por cautela, pois não havendo condenação ampla e irrestrita, a imprensa teria que criticar o Supremo. Mas por um longo tempo a mídia tratou as acusações como crimes provados, usando inclusive uma linguagem indevida.
Por exemplo...
Com referências afirmativas e categóricas às acusações. Acho especialmente violador do princípio da presunção da inocência, e acredito que de preceitos éticos da própria imprensa, o uso da palavra mensalão como fato, com dispensa de qualquer ressalva, ainda que fosse colocando o verbo no condicional. Há sete anos, lemos e ouvimos referências taxativas a mensalão e mensaleiros. Chamar alguém de mensaleiro é dizer que ele vendia seu voto recebendo propinas mensais, conforme a denúncia inicial que deu origem a todo o escândalo. Fazer isso sem provas equivale a chamar alguém de assassino apenas porque outro o apontou como tal. E, no entanto, vemos com frequência, na cobertura de casos de homicídio, o uso da expressão ;suposto assassino;. Foi para garantir a observância de um princípio fundamental do direito ; ninguém será condenado até prova em contrário ;, e não a elegância verbal, que o presidente Ayres Britto, acertadamente, determinou que, no âmbito do tribunal, fosse usada a expressão ;Ação Penal 470; em lugar de ;julgamento do mensalão;. Vamos esperar. Depois que o tribunal decidir, poderão dizer se houve quadrilha, se houve mensalão e tudo o mais. Não antes.
Os advogados de defesa vêm fazendo um esforço sintonizado para desqualificar a acusação, insistindo na fragilidade das provas. Quanto há de retórica e de verdade nisso?
Não posso fazer juízo, não conheço em detalhes a peça acusatória, não examinei os autos, mas, pelo menos em relação a um dos réus, o José Dirceu, o procurador-geral reconheceu essa fragilidade em sua acusação oral. Falou da dificuldade de produzir provas de supostos crimes que teriam acontecido entre quatro paredes, no gabinete do ex-ministro. Ele nos informou que, pelo menos nesse caso, as provas são frágeis. E trata-se de um réu acusado de ser o mentor de um esquema e comandante de uma quadrilha.
As defesas têm questionado a validade dos depoimentos colhidos em CPI. A seu ver, eles devem ter o mesmo valor que os depoimentos prestados em juízo?
CPIs são instrumentos políticos, em que o direito ao contraditório não é impositivo. A meu ver, o material por elas produzido pode servir de base para investigações na fase de instrução do processo, mas não pode ser usado como prova em julgamento. Muito menos como prova única.
O senhor acha que o ministro Dias Toffoli, por suas ligações anteriores com Dirceu, a quem assessorou, deveria declarar-se impedido?
Acho que sim, e acho que o ministro Gilmar Mendes também. Recentemente, ele fez declarações em que até usou palavras pesadas, falando em gângsteres e bandidos. Demonstrou certo rancor, certo agastamento, decorrente daquele episódio do encontro com Lula, a quem acusou de tentar cooptá-lo. Um juiz precisa afastar qualquer dúvida sobre sua isenção.
Por falar naquele episódio, o ex-presidente alguma vez o convidou para jantarem juntos com o ministro Ayres Britto?
Lula nunca tratou comigo de jantar, não me convidou para vinho nenhum e nunca me pediu nada relacionado com esse julgamento.
Algumas defesas, como a de Delúbio Soares, admitiram claramente o crime eleitoral, o uso de caixa dois. Esse não é o primeiro escândalo envolvendo financiamento de campanhas. Como evitar a recorrência?
A reforma política é uma necessidade moral. Campanhas caras e com doações privadas vão continuar produzindo escândalos frequentes.
Nos Estados Unidos, discute-se a reforma da Suprema Corte. O senhor acha que o sistema de mandatos seria uma boa mudança também no Brasil?
Acho que sim. Um mandato de oito anos talvez fosse o ideal. Outra mudança salutar seria a obrigatoriedade de que uma parte dos ministros fosse composta por juízes de carreira. Embora com formações jurídicas de alto nível, eles têm as mais diversas origens. Raramente um juiz chega ao Supremo. A presença de mais juízes faria bem à Corte.