postado em 01/09/2012 09:03
Condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e fora da disputa pela Prefeitura de Osasco (SP), o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) caminha para perder o mandato. No trajeto até a cassação, porém, ainda há uma divergência de interpretação da Constituição entre integrantes do Legislativo e do Judiciário. Deputados avaliam que cabe à Câmara decidir sobre a permanência do petista no cargo, enquanto juristas garantem que a cassação será imediata, após o processo transitar em julgado ; quando não há mais possibilidade de recursos.O ministro aposentado Cezar Peluso, ao votar na última quarta-feira, pronunciou-se pela perda do mandato de João Paulo, depois de ter votado pela condenação do parlamentar. O cálculo final das penas será feito no fim do julgamento, mas as condenações pelos crimes de corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro já estão ratificadas. Na avaliação do ministro do STF Marco Aurélio Mello, a cassação do mandato de João Paulo será automática. ;Um pronunciamento condenatório do Supremo fica submetido a uma condição resolutória, que seria a ótica em sentido contrário de uma das Casas do Parlamento? Creio que a resposta é negativa;, afirmou o ministro, após ser questionado se a condenação do deputado levaria a perda do mandato.
João Paulo Cunha participou ontem de uma reunião no Sindicado do Comércio Varejista de Osasco e Região, onde confirmou a renúncia de sua candidatura ao cargo de prefeito. Ao sair do encontro, ele preferiu ficar calado. ;Há o momento de falar e o momento de ficar calado. Agora é a hora de ficar calado;, disse o petista que, com a decisão do STF, fica inelegível por força da Lei da Ficha Limpa.
Aliados
No que depender de deputados aliados, João Paulo continuará no Congresso. Para o líder do PT na Câmara, Jilmar Tatto (SP), apesar de a questão ser controversa, a palavra final será do Legislativo. ;Acho que compete à Câmara, porque quem pode cassar mandato de parlamentar é só o próprio Legislativo. Ele foi eleito pelo povo. Mas vamos aguardar o julgamento terminar para ver o que será definido;, disse. O deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) também rechaça a possibilidade de a perda do mandato ser imediata. ;Cabe à Câmara decidir e ela, aliás, já decidiu, quando o absolveu em votação no plenário;, frisou o parlamentar, reconhecendo que o assunto será polêmico em 2013, quando a ação penal do mensalão deverá transitar em julgado e, consequentemente, a decisão do STF passará a ter validade.
Os defensores de que a palavra final seja do Congresso se baseiam no artigo 55 da Constituição, segundo o qual a perda do mandato de parlamentar que sofrer condenação criminal será decidida pela Câmara dos Deputados. De outro lado, juristas citam o artigo 15 da Constituição. O dispositivo estabelece a perda ou suspensão dos direitos políticos de quem é condenado na esfera criminal. Diante disso, aplica-se, na avaliação de juristas, o inciso IV do artigo 55, que prevê que ficará sem o mandato o deputado ;que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;. Em relação a esse trecho, a Constituição não faz qualquer menção de que a Câmara tenha que dar a palavra final.
De acordo com o especialista em direito constitucional Erick Wilson Pereira, a perda do mandato deverá ser comunicada à Câmara tão logo o processo transite em julgado para que a cassação seja efetivada. ;O Congresso não pode procrastinar o cumprimento da decisão. O corporativismo não pode ser aplicado em detrimento à harmonização constitucional;, observou o jurista. ;A discussão regimental não pode se sobrepor ao efeito penal que o Judiciário deu, sob pena de descumprimento de preceitos, como o da separação dos poderes;, completou.
Ex-integrante do Ministério Público, o senador Pedro Taques (PDT-MT) avalia que a Câmara não terá o que debater, pois não restará opção senão a de cumprir a Constituição. ;Defendo que, com a suspensão dos direitos políticos prevista no artigo 15, haja automaticamente a perda do mandato, porque ninguém pode exercer cargo eletivo com os direitos políticos suspensos.;
O próprio advogado de João Paulo, Alberto Toron, avalia que a perda do mandato deverá ser rápida. ;Não sou especialista na matéria (constitucional), mas me parece que as consequências são imediatas. No caso, a perda do mandato;, admitiu. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, acredita que a Câmara irá respeitar a Constituição. ;A Mesa da Câmara terá apenas de ver se as formalidades foram respeitadas, mas a decisão judicial foi tomada pela mais alta corte do país e terá de ser cumprida.;
Colaborou Karla Correia
Dupla interpretação
Os poderes Judiciário e Legislativo divergem sobre a perda de mandato do deputado federal João Paulo Cunha
(PT-SP). É certo, porém, que o parlamentar permanecerá no cargo até o trânsito em julgado do processo, o que deve ocorrer somente em 2013.
O que diz a Constituição
O artigo 15 estabelece a perda ou suspensão dos direitos políticos no caso de ;condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos;.
O artigo 55 da Constituição, por sua vez, prevê situações conflitantes quanto a perda do mandato de deputado
ou senador.
O inciso IV prevê a perda do mandato do deputado ou senador ;que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;.
Já o inciso VI estabelece que perderá o mandato o parlamentar ;que sofrer condenação criminal em sentença
transitada em julgado;.
O parágrafo segundo do artigo 55 destaca que, no caso do inciso VI, ;a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa;. O mesmo parágrafo não faz qualquer referência ao artigo IV.
Na prática
Representantes do Judiciário avaliam que, a partir da condenação criminal, os direitos políticos são suspensos. Assim, a perda do mandato seria automática. Já a maior parte dos integrantes do Legislativo acredita que a prerrogativa é da Câmara, baseando-se no parágrafo segundo do artigo 55 da Constituição.
Cardozo nega benefícios aos réus
O ministro da Justiça, Eduardo Cardozo, negou ontem que o projeto de lei que regulamenta os ;bônus volume; ; repasses que as agências recebem das empresas de comunicação como um incentivo aos comerciais veiculados ; tenha sido alterado para beneficiar os réus do mensalão. Na quinta-feira, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto, disse que a ;manobra; era ;um atentado veemente, descabido, escancarado; contra a Constituição. Isso porque Marcos Valério é acusado de ter ficado com R$ 2,9 milhões de bônus que deveriam ter sido devolvidos ao Banco do Brasil. Cardozo, autor do projeto, explicou que, originalmente, a regra só mudaria para contratos futuros. A emenda que estendeu a medida para contratos passados, e que em tese beneficiaria Marcos Valério, não é de sua autoria e, segundo ele, tinha o objetivo somente de atender a uma reivindicação do mercado.