Helena Mader
postado em 05/09/2012 06:52
A possibilidade de empate no julgamento da ação penal do mensalão passou a ser real desde a aposentadoria do ministro Cezar Peluso, que deixou o Supremo Tribunal Federal (STF) na última sexta-feira. A Corte vai julgar as acusações contra 35 dos 37 réus com a composição atual de 10 integrantes. Embora haja o risco de empate no julgamento de alguns acusados, o presidente do STF, Carlos Ayres Britto, afirmou ontem que não cogita essa hipótese. Ele disse ainda que não avaliou se dará o chamado voto de qualidade em caso de empate. ;Não discutimos isso. É uma pergunta sem resposta;, frisou Britto em entrevista, ontem, antes da sessão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).O regimento interno do Supremo não é claro sobre como proceder em casos de empate em julgamentos de ações penais. E não há precedentes, já que nunca houve placar igual entre os favoráveis e os contrários à condenação de um réu em processo criminal no STF. As regras do tribunal tratam apenas dos empates em análises de mandados de segurança ou de pedidos de habeas corpus. Nesta situação, a norma determina que o réu seja beneficiado. Com base nesse entendimento, tradicional no direito penal, alguns ministros e os advogados da maioria dos acusados defendem que o empate se traduza automaticamente na absolvição dos réus. Mas há uma corrente que defende o voto de qualidade do presidente, para que a posição do comandante da Corte prevaleça sobre a dos demais magistrados.
Relator do processo do mensalão, o ministro Joaquim Barbosa admitiu, há duas semanas, que alguns pontos do julgamento podem terminar empatados. ;A minha única preocupação é a possibilidade de dar empate, porque nós tivemos, em um passado muito recente, empates que geraram impasses;, afirmou o relator.
Ministros ouvidos pelo Correio admitem que a Corte não sabe como agir se as votações empatarem. Dois deles mostraram-se favoráveis à aplicação do princípio conhecido como in dubio pro reo, que prevê o favorecimento ao réu no caso de empate. Outros três magistrados defendem o voto de qualidade do presidente.
Desde que foi incluído nas regras do Supremo, em 2009, esse princípio foi usado uma única vez, em dezembro do ano passado. Na ocasião, o então presidente da Corte, Cezar Peluso, desempatou o julgamento no qual o STF afastou a aplicação da Lei da Ficha Limpa contra o senador Jader Barbalho (PMDB-PA). A decisão reverteu ordem da Justiça Eleitoral, que havia declarado o peemedebista inelegível, e determinou que Jader, segundo colocado nas eleições para o Senado no Pará, tomasse posse.
Naquele julgamento, Ayres Britto defendeu que Peluso apresentasse o voto de qualidade. ;Embora votando contra a pretensão do senhor Jader Barbalho no julgamento dos embargos, mas diante do empate, eu já entendia, desde aquela ocasião, que Vossa Excelência estava autorizada a fazer uso da norma regimental de desempate;, destacou Britto, na ocasião. A declaração do ministro já demonstra sua opinião favorável ao uso do mecanismo para desempatar julgamentos.
Cinco a cinco
Em setembro de 2010, o Supremo suspendeu o julgamento sobre a inelegibilidade do ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz (PSC-DF) exatamente devido a um empate por cinco votos a cinco. Naquela época, o ministro Dias Toffoli ainda não havia sido indicado para ocupar a vaga do falecido Menezes Direito. Diante da paralisação da análise, Roriz desistiu da candidatura ao GDF, indicando sua mulher, Weslian Roriz, para a disputa.
O ministro Ricardo Lewandowski, revisor do mensalão, reconheceu ontem que essa é uma polêmica que o Supremo terá que encarar até o fim do julgamento. ;Como decidir em caso de empate, isso é uma incógnita. Nunca tivemos que enfrentar uma questão como essa;, comentou. Ele não quis adiantar sua opinião sobre como proceder em caso de empates.
Para o presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, Nelson Calandra, o empate deveria automaticamente ser transformado na absolvição do réu. ;Em matéria criminal, essa é a tradição dos tribunais. Se aplica o princípio tradicional que diz que, em casos de dúvida, o réu deve ser beneficiado. Nunca vi presidente de tribunal votar duas vezes para condenar alguém;, afirma Calandra.
O revisor da ação penal 470, Ricardo Lewandowski, lembrou que a polêmica do empate não é a única dúvida com relação ao julgamento. Os integrantes da Corte ainda terão que decidir como calcular a pena dos acusados depois da condenações. Existe a possibilidade de o Supremo fazer uma média de todas as punições impostas pelos magistrados ou ainda levar em conta apenas as penas mais brandas para cada acusado. Outra dúvida é a respeito da participação dos ministros que votaram pela absolvição no cálculo das penas. Lewandowski, que considerou o deputado João Paulo Cunha inocente, acredita que só quem condena pode estabelecer a punição. ;Quem vota pela absolvição acha que a pessoa é inocente. Como vai estabelecer a dosimetria depois? Não faria muito sentido isso;, comentou Lewandowski.
;Como decidir em caso de empate, isso é uma incógnita. Nunca tivemos que enfrentar uma questão como essa;
Ricardo Lewandowski, ministro-relator do mensalão
Cenários possíveis
Confira o que pode ocorrer em caso de votação empatada e como será a aplicação das penas aos réus condenados
EMPATE
; O regimento interno do Supremo diz que cabe ao presidente da Corte proferir voto de qualidade nas decisões do plenário, ;para as quais o regimento
interno não preveja solução diversa.; O texto só detalha soluções específicas para os casos de habeas corpus e mandado de segurança.
; Essa mesma norma também estabelece que o presidente pode proferir voto de qualidade quando o empate na votação decorrer de ausência de ministro em virtude de impedimento, suspeição, em caso de vaga ou licença médica superior a 30 dias, quando seja urgente a matéria e não se possa convocar o ministro licenciado.
; No julgamento de habeas corpus e de recursos de habeas corpus, quando há empate, o réu é beneficiado.
; No caso do mandado de segurança, quando há empate, quem sai ganhando é a autoridade questionada na ação.
; Ministros do STF reconhecem que o regimento interno do Supremo é omisso sobre a possibilidade de empate em ações penais. Os magistrados terão que decidir
que medidas tomar se isso ocorrer no julgamento de alguns réus do mensalão.
; A depender da interpretação do regimento, o presidente poderia votar duas vezes para desempatar. Mas essa possibilidade é, desde já, muito criticada por advogados, que afirmam que isso contraria princípios do direito penal.
; Outra possibilidade, ainda que improvável, seria aguardar a nomeação de um novo ministro para a vaga de Cezar Peluso. Mas é pouco provável que a presidente Dilma Rousseff indique o novo magistrado em meio ao mensalão.
DOSIMETRIA DAS PENAS
; Os ministros vão definir o tamanho da pena de cada réu condenado somente após a conclusão do julgamento dos sete itens da denúncia.
; Por sugestão do relator do processo, Joaquim Barbosa, a fase de cálculo das penas será a última do julgamento.
; Ainda não há consenso sobre como será calculada a pena final. Existe a possibilidade de os ministros fazerem uma média de todas as penas, mas alguns defendem que prevaleça a pena mais baixa, para beneficiar o réu.
; Os ministros também terão que decidir se aplicam a tese do crime continuado, na qual as recorrentes práticas do mesmo crime são contadas apenas como um delito, ou o concurso material, quando a pena é multiplicada pelo número de vezes que o réu cometeu o crime.
; Único a adiantar a dosimetria em relação a um único item do processo, o ministro aposentado Cezar Peluso condenou o empresário Marcos Valério a 16 anos de prisão; o ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato a 12 anos e um mês de cadeia; e o deputado João Paulo Cunha, a seis anos de detenção.
; O primeiro a votar em relação a dosimetria será o relator, Joaquim Barbosa. Na sequência, vota o revisor, Ricardo Lewandowski, e depois os demais ministros.
; Caso os ministros optem pela pena mínima para os réus nos crimes de corrupção passiva, corrupção ativa, peculato e evasão de divisas, haverá a prescrição e os acusados escaparão de qualquer punição. No entanto, qualquer pena superior a dois anos terá validade.
; Na dosimetria, os ministros levam em consideração questões como o fato de o acusado ser réu primário e outros atenuantes. Há também agravantes que podem ser considerados para aumentar as penas.