Ana Maria Campos
postado em 24/09/2012 07:39
A depender da conclusão do capítulo em análise no processo do mensalão, o Supremo Tribunal Federal (STF) firmará entendimento de que o recebimento de dinheiro não declarado para campanha eleitoral configura corrupção. Ao reconhecer que os recursos enviados a parlamentares faziam parte de um ;acordo de financiamento de campanha;, o revisor da Ação Penal 470, Ricardo Lewandowski, concordou com a existência do caixa dois, mas mesmo assim condenou o ex-deputado Pedro Corrêa (PP-PE) pelo crime de corrupção passiva. O relator, Joaquim Barbosa, foi além. Apontou a existência de compra de votos, mas ressaltou que a destinação da verba recebida em razão do cargo é irrelevante para caracterizar o crime de corrupção.Os ministros têm interpretado o artigo 317, do Código Penal, ao pé da letra. O dispositivo prevê que configura corrupção passiva ;solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem;. Dessa forma, um candidato na iminência de se eleger, ao receber dinheiro de campanha com origem ilícita e sem declaração à Justiça Eleitoral, poderá ser enquadrado como corrupto. A pena prevista é de dois a 12 anos de prisão mais multa.
[SAIBAMAIS]Os dois primeiros votos de ministros do Supremo no item 6 do processo do mensalão recolocaram em debate a tese desenvolvida pela defesa dos réus do núcleo político de que os recursos recebidos do valerioduto não passaram de caixa dois, o que seria um crime eleitoral e já prescrito. Joaquim Barbosa afirmou em seu voto que ;a ajuda de campanha consiste em vantagem indevida e pode induzir a prática de ato de ofício;. A declaração mostra o entendimento do ministro no sentido de que, por trás da formação do chamado caixa dois de campanha, existe um ato de corrupção.
Caso a maioria dos ministros entenda que o caixa dois deve ser considerado um crime de corrupção, mesmo sem a comprovação de que houve uma contrapartida do agente público que recebeu a quantia, o ato de ofício, cairá por terra a tese usada até então por advogados de réus do mensalão e também de suspeitos no inquérito da Caixa de Pandora, que apostam nessa estratégia para evitar condenações criminais de seus clientes.
Interpretação polêmica
Para o advogado criminalista Antonio Nabor Bulhões, o precedente que pode ser aberto é perigoso, uma vez que, segundo ele, não se pode partir da premissa de que qualquer dinheiro recebido e não declarado por agente público seja fruto de um esquema de corrupção. ;Uma ajuda de campanha não pode, em princípio, caracterizar corrupção. É preciso o ato de ofício provado contra quem foi corrompido;, frisou o jurista. ;Se alguém recebe uma oferta em dinheiro e isso não tem relação com a sua função pública pode ser qualquer outra coisa, menos corrupção. Não é qualquer importância dada ao servidor que configura crime de corrupção. Isso seria extremamente perigoso. A não ser que o dinheiro tenha sido dado com fins espúrios;, avaliou Nabor Bulhões.
O ministro do STF Marco Aurélio Mello, porém, prefere não relacionar os crimes de caixa dois, descrito no Código Eleitoral como ;captação ilícita de recursos;, com os crimes de corrupção previstos no Código Penal. O magistrado observa que, no caso examinado pelo Supremo, o que se coloca são acusações de corrupção ativa e passiva. ;Só na quinta-feira que o ministro Lewandowski apontou que seria realmente uma contribuição de campanha. Como estamos só agora a lidar com a problemática mais sensível que envolve o denominado núcleo político, temos que esperar para ver qual será o entendimento da Corte, porque só dois votaram por enquanto.;
Colaborou Helena Mader
Agravante
No julgamento do deputado João Paulo Cunha (PT-SP) por corrução passiva, ministros como Rosa Weber, Cármen Lúcia e Luiz Fux sustentaram que, para configurar o crime, não é necessária a contrapartida de um ato de ofício praticado pelo réu. ;A indicação de ato de ofício não integra o tipo legal. Basta que o agente público tenha o poder de praticar atos de ofício. Se provar, aumenta a pena;, disse Rosa Weber. O Código Penal estabelece o aumento de um terço da pena se o acusado praticou ou deixou de praticar ato de ofício inerente de sua função pública.