O julgamento do mensalão completa dois meses amanhã com 19 condenados e quatro absolvições. Mas nenhum veredicto proferido até agora pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto, terá tanta relevância e atenção quanto o esperado para os próximos dias. Hoje à tarde, o relator da Ação Penal 470, Joaquim Barbosa, deve começar a ler seu voto que vai definir o destino dos principais réus do caso. Ele dirá se o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e o ex-presidente da legenda José Genoino articularam, ao lado do empresário Marcos Valério, o esquema de compra de votos de parlamentares da base aliada do governo. Se condenados por corrupção ativa, o trio que outrora já figurou como a cúpula do PT poderá passar de dois a 12 anos na cadeia. Eles ainda respondem por formação de quadrilha, crime que só será julgado na última etapa do mensalão.
O início da leitura do voto do relator a respeito do capítulo mais esperado do julgamento depende de quatro ministros. O STF está concluindo a análise das acusações contra ex-deputados, assessores e parlamentares do PP, PL (atual PR), PTB e PMDB. Nove pessoas já foram condenadas nesse capítulo, entre elas o delator do esquema, Roberto Jefferson, e o deputado federal Valdemar Costa Neto (PR-SP). O parlamentar do PP de Mato Grosso Pedro Henry está a um voto da condenação por corrupção passiva. Ainda faltam os votos dos ministros Celso de Mello, Marco Aurélio Mello e do presidente da Corte. O ministro Dias Toffoli leu metade de seu voto e falta concluir a sua análise. Se os quatro ministros forem sucintos, haverá tempo hábil para que Joaquim Barbosa comece, enfim, a revelar seu entendimento sobre os principais réus da Ação Penal 470.
Em seus votos anteriores, Joaquim Barbosa já deu pistas sobre o seu posicionamento. Quando condenou políticos da base aliada do governo, por diversas vezes citou ;o esquema operacionalizado por Marcos Valério e Delúbio Soares;, o que indica claramente uma condenação para o ex-tesoureiro e para o empresário por corrupção ativa. Barbosa afirmou há duas semanas que ;Marcos Valério foi o elo entre todos esses parlamentares e o PT, na pessoa de Delúbio Soares;. Ele também citou por várias vezes a lista entregue por Marcos Valério com os nomes dos beneficiários dos ;pagamentos feitos a parlamentares no período, por ordem de Delúbio Soares;.
Mistério
Apesar de ainda não ter dito em nenhum momento que José Dirceu fazia parte da organização do esquema, a exemplo das citações que fez a Delúbio e Valério, o relator do mensalão já deu pelo menos uma grande sinalização que compromete o ex-ministro. Ele fez menções a um episódio que tem grande espaço na denúncia da Procuradoria Geral da República: a viagem de alguns acusados da ação a Portugal em 2005.
De acordo com o Ministério Público, o ex-secretário do PTB Emerson Palmieri teria acompanhado o empresário Marcos Valério e seu sócio Rogério Tolentino em uma viagem a Lisboa. Na capital portuguesa, eles teriam se reunido com representantes da Portugal Telecom, para negociar o repasse de R$ 24 milhões para o esquema de corrupção. A PGR afirma que a viagem teria sido organizada por José Dirceu e que o ex-ministro teria tirado vantagem do interesse da Portugal Telecom na compra da empresa Telemig.
Na semana passada, durante um bate-boca com o ministro Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa declarou que a viagem foi ;bizarra; e ;esdrúxula;, o que indica que o relator não acatou a tese da defesa de Dirceu de que a viagem não tinha nenhuma relação com política e que Valério estaria interessado apenas em contratos de publicidade com a Portugal Telecom.
Nas próximas semanas, ao votarem nesse item da denúncia, os ministros vão revelar seu entendimento a respeito do poder que José Dirceu tinha no governo Luiz Inácio Lula da Silva e no PT. A defesa do ex-ministro afirma que ele teria apenas um ;papel burocrático; dentro da estrutura da Casa Civil. Os advogados garantem ainda que José Dirceu estava completamente afastado do comando do Partido dos Trabalhadores. O ex-ministro é apontado pela Procuradoria Geral da União como o ;chefe da quadrilha do mensalão;.
Um dos aspectos citados pela denúncia que pode comprometer Delúbio Soares é a acusação de que ele teria se apropriado de R$ 550 mil do esquema. A PGR assegura que ;muito embora o objetivo principal de Delúbio Soares fosse o financiamento ilícito do projeto político de poder do PT, ele não hesitou em locupletar-se do esquema;. No caso de José Genoino, o seu elo com o esquema de corrupção é o fato de que ele foi avalista de um dos empréstimos falsos firmados entre o PT e o Banco Rural. A concessão do crédito foi renovada 10 vezes e Genoino deu garantia a todos esses acordos, já considerados fraudulentos pelo STF.
Mulher de Delúbio administra R$ 7 mi
Às vésperas de ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares foi envolvido em mais uma denúncia. Segundo a revista Isto É que circulou ontem, a mulher do réu do mensalão, a psicóloga Mônica Valente, comanda o escritório de uma organização que faz a intermediação entre sindicatos de funcionários públicos e organismos internacionais. A filial brasileira da Internacional do Serviço Público (ISP), administrada pela mulher de Delúbio, recebe R$ 7 milhões por ano de receita com o imposto sindical. A reportagem mostrou que o destino desses recursos é um mistério para os sindicatos e alvo de várias contestações dos servidores públicos, obrigados a repassar dinheiro para a entidade.
Confira as principais denúncias contra os réus do núcleo político do PT no mensalão:
José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil
; Segundo a PGR, o mensalão era um esquema de compra de votos de deputados para a aprovação de projetos de interesse do governo, como as reformas da previdência e tributária. O então ministro José Dirceu teria arquitetado o esquema para pagamento de mesada a deputados.
; Como ministro da Casa Civil, José Dirceu teria usado sua influência para beneficiar o banco BMG. Por intermédio do então presidente do INSS, Carlos Gomes Bezerra, Dirceu teria conseguido benefícios para o banco, como a autorização para oferecer empréstimos para servidores.
; O ex-ministro José Dirceu teria influência em órgãos de controle do governo e também na indicação de pessoas para ocuparem cargos estratégicos na administração pública federal.
; A Procuradoria Geral da República classificou José Dirceu como o ;chefe da quadrilha; do mensalão e garantiu que o ex-ministro seria um dos principais articuladores do esquema de arrecadação de dinheiro para pagamento de mesada aos parlamentares, com grande influência no PT.
; José Dirceu manteria contato com Marcos Valério, considerado o principal operador do mensalão, para organizar os repasses de dinheiro a políticos. O publicitário teria viajado a Portugal a mando de Dirceu, para tratar da captação de recursos que seriam repassados ao esquema.
José Genoino, ex-presidente do PT
; O ex-presidente do PT teria participado do esquema de repasse de recursos a parlamentares tendo como contrapartida apoio ao governo federal.
; Genoino foi um dos avalistas do empréstimo fictício firmado entre o Partido dos Trabalhadores e o Banco Rural, por meio do qual o PT conseguiu R$ 3 milhões para o esquema. Genoino também deu garantia em dez renovações do empréstimo, que foi quitado depois do surgimento do escândalo por R$ 10 milhões.
; A denúncia da Procuradoria Geral da República afirma que José Genoino, ;mesmo negando ter tratado de questões financeiras, admitiu ter participado de reuniões com líderes do PP e do PL para tratar de alianças políticas.;
; Ainda de acordo com o Ministério Público, ;depoimentos contidos nos autos da ação penal comprovam que os contatos com os partidos eram sempre feitos por José Genoino. Embora neguem o caráter ilícito da oferta, os depoentes trouxeram aos autos prova irrefutável de que o núcleo político do grupo criminoso obteve o apoio parlamentar mediante o pagamento de vantagens indevidas;.
; A PGR afirma que, representando José Dirceu, José Genoino, além de conversar com os líderes partidários, convidando-os a apoiar os projetos de interesse do governo, procedia ao ajuste da vantagem financeira que seria paga caso aceitassem a proposta.
Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT
; A denúncia da Procuradoria Geral da República descreve Delúbio Soares como um dos responsáveis pela ;operacionalização do pagamento;, juntamente com outros réus como Marcos Valério, Rogério Tolentino e Simone Vasconcelos.
; Assim como Genoino, Delúbio também foi um dos avalistas do empréstimo fictício firmado entre o Partido dos Trabalhadores e o Banco Rural, por meio do qual o PT conseguiu R$ 3 milhões para o esquema. Delúbio também deu garantia em dez renovações do empréstimo, que foi quitado depois do surgimento do escândalo por R$ 10 milhões.
; O Ministério Público afirma que, ;muito embora o objetivo principal de Delúbio Soares, assim como de José Dirceu e José Genoíno, fosse o financiamento ilícito do projeto político de poder do Partido dos Trabalhadores, não hesitou em locupletar-se do esquema.;
; Em depoimento à Justiça, o empresário Marcos Valério afirmou que, em 2003, foi procurado por Delúbio Soares. Teria afirmado que, em razão das campanhas realizadas, estava com problemas de caixa em diversos diretórios, e teria proposto que as empresas de Valério tomassem empréstimos e os repassassem ao Partido dos Trabalhadores.
; Outro fato citado pela PGR que envolve o ex-tesoureiro é uma reunião ocorrida na Casa Civil entre José Dirceu e Ricardo Espírito Santo, presidente do Banco Espírito Santo no Brasil, com a participação de Marcos Valério e Delúbio Soares.