Renato Russo

Peça de Renato Russo é importante chave para entender pensamento do cantor

Ele escreveu o texto três anos antes da estreia fonográfica da Legião Urbana

postado em 20/02/2013 06:00

Na leitura, o que impressiona à primeira vista é mesmo a apropriação de recursos formais diversos

Há uma armadilha ao encontrar-se pela primeira vez com a obra dramática A verdadeira organização do desespero: a de julgá-la com os olhos de agora e realizar uma leitura anacrônica. O que há de juvenil e perecível nessa narrativa de Renato Russo nunca levada ao palco, portanto, nunca transformada em teatro, é, talvez, o que possa parecer mais potente numa análise mais atenta desse texto.

Levando em conta que todo documento histórico (seja ele um texto, uma imagem ou um objeto) traz em si a memória e o traço das operações mentais que o produziram, A verdadeira organização do desespero é uma importante chave para entender o pensamento de Renato Russo em 1982, três anos antes da estreia fonográfica da Legião Urbana. É justamente por esse aspecto que, o que há de mais juvenil e perecível do texto, é o mais instigante e revelador na leitura desse material. O Ato III da obra, quando os personagens misturam o gosto pelas festas de divertimento, as discussões metafísicas e pacifistas com o tédio e alienação da juventude aculturada, é o ápice desse texto. Ali, encontra-se o embrião identitário do que viria a ser a Legião Urbana como porta-voz de uma juventude que se põe pelo avesso, questionando a própria natureza burguesa e os jogos de poder sociais.

Na leitura, o que impressiona à primeira vista é mesmo a apropriação de recursos formais diversos, adotados por Renato Russo para montar essa história: 1) A estrutura da narrativa como um espelho, mesmo que distorcido, do drama grego (explicitamente Prometeu acorrentado, atribuído a Ésquilo). 2) Recursos de metalinguagem (o teatro falando do fazer teatral). 3) A natureza ilógica do teatro do absurdo (com personagens trocando de identidades em situações sem aparente sentido e solução). Renato faz racionalmente, sem escamotear, essas operações dramáticas que lhe servem como uma potente forma para pôr em discussão o que mais lhe interessava: os jogos de poder a que propõe discutir.

Ele escreveu o texto três anos antes da estreia fonográfica da Legião Urbana

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