Não deve ser fácil ser irmã do maior ídolo do rock nacional. Carmem Manfredini lida com o legado deixado pelo irmão desde a morte do artista, em 1996. Ao longo dos anos, algumas afinidades foram descobertas sem querer, principalmente as profissionais. Carmem lecionou inglês por mais de duas décadas, na mesma escola que o irmão, por exemplo. Saiu da sala de aula direto para os palcos. Assumiu os vocais da banda Tantra, gravou um disco e explorou a veia musical. Recentemente, mudou-se para o Rio de Janeiro. Apesar da surpresa ao ser informada que o Correio estava em posse da peça escrita por Renato, em 1982, Carmem revelou as circunstâncias e os detalhes desse projeto, desconhecido do grande público até hoje.
Qual a sua ideia geral da peça?
Acho que ele escreveu a obra com seriedade. Ele queria montar essa peça. Foi uma tentativa já na arte de escrever. O que ele dominava muito não era a música em si, mas a arte escrita. Faroeste caboclo era um poema, por exemplo. A peça é meio um teatro do absurdo. Há personagens como Plateia, Oceano, Coro. Ele era completamente obcecado por mitologia grega e romana. Mitologia nórdica também, celta. Gostava muito de tudo isso.
Por que a peça veio à tona somente 30 anos depois de ter sido escrita?
Esquecimento. Não mexer no material. Ele guardava tudo isso no apartamento dele. Não lembramos. Talvez, nem ele se lembrasse. Até hoje, há um volume imenso de manuscritos. Agora, que estou pegando tudo isso. Acho que não há letras inéditas, pouca coisa sobre isso. Mas, diversos manuscritos. Desenhos também, muitos desenhos dele. Morando no Rio, fica mais fácil. Eventualmente, vou no apartamento dele, olho o material, trago para casa e começo a pesquisar.
O que o levou a escrever?
Por ter esse contato com o mundo teatral. Com todas as pessoas do teatro de Brasília e da dança também. Acho que ele pensou: ;Ah, vou tentar escrever uma peça;. Ele era muito impulsivo. Tinha base para fazer as coisas e fez essa tentativa. Ficou interessante. Não acho que tenha sido por vaidade. Renato era multifacetado, como a maioria dos artistas. Como o Caetano (Veloso) ou o Chico (Buarque). Escreve, canta, compõe. Não digo que a peça é genial, foi uma tentativa. Se talvez tivesse escrito mais, com certeza ele se desenvolveria. Também uma descoberta, de tentar várias coisas ao mesmo tempo, várias linguagens. A única coisa que ele não experimentou foi a dança, e ele dançava muito bem.
Em que circunstâncias ele escreveu a peça?
Escreveu no nosso apartamento de Brasília. Ele ainda não tinha ido para o Rio. Lembro que ele me mostrou. Eu não entendia nada de teatro naquela época e devo ter achado aquilo absurdo. ;Mas, que coisa maluca. Essa peça não faz muito sentido; (risos). Teatro grego com teatro do absurdo total.
Algum nome foi considerado para a montagem?
Há uns três ou quatro anos, mostrei para o (dramaturgo Fernando) Villar. Primeira pessoa que pensei. Se for encenada, quero que seja em Brasília. Pode ter elenco carioca, mas quero também atores de Brasília. Tenho alguns amigos atores aqui no Rio: ;Eu quero! Eu quero!” Aí, fica difícil. Não há tantos papéis assim. Agora, o Fernando Villar gostou, ele achou interessante. Disse que daria para montar ; mas como estava com duas páginas faltando ; talvez encenássemos como leitura, com atores locais. Eu adoraria que o Villar dirigisse, afinal foi um grande amigo do meu irmão.
E por que não saiu?
Eu já estava na transição para o Rio de Janeiro. Fica difícil trabalhar aí (em Brasília). Acho muito viável de ser feita. Não sei se em 2013. Este ano há muitas coisas. Dois filmes serão lançados. Meu sobrinho (Giuliano) está pensando em fazer o Renato Russo Sinfônico. Então, ficaria muita coisa. Mas, acho fácil de fazer. Penso ainda no Villar. Seria até uma homenagem a ele. Precisamos encenar isso. Estrear aí. Acho que ele (Renato) gostaria.
Alguma ideia sobre o paradeiro dessas duas páginas?
Eu tentei desesperadamente achar essas duas páginas. Eu não consigo. Eu não sei se outras pessoas têm a cópia completa. No meu material, não encontrei. É uma pena essas páginas estarem faltando. Teremos que buscar alguma solução cênica.