Jornal Correio Braziliense

Ser Sustentável

Consciência ambiental e mudança social

Maior projeto de reflorestamento do mundo recupera áreas degradadas por usina de Itaipu. Iniciativa inclui projetos sociais que beneficiam habitantes de 29 municípios

Um corredor verde com 104 mil hectares de mata nativa recuperada. Ligado a ele, mais 180 mil hectares de preservação em um parque nacional. Os números grandes podem parecer obra de país desenvolvido, mas a verdade é que tudo isso existe, está em solo brasileiro e tem pouco mais de dez anos de vida. O maior projeto de reflorestamento do mundo fica no Paraná, mais precisamente entre o reservatório da hidrelétrica de Itaipu e o Parque Nacional do Iguaçu.

A ideia de que a maior hidrelétrica em atividade no mundo deveria recuperar a área degradada pela construção da barragem começou em 2003. Na época de sua construção, em meados da década de 1970, foi preciso alagar uma área equivalente a sete Maracanãs e meio. Mas tão assustador quanto o tamanho da obra faraônica, é o impacto que os projetos de integração ambiental e social causam na região.

Além das mais de 24 milhões de árvores nativas plantadas, o corredor da biodiversidade trouxe de volta 55 espécies que não habitavam a área há tempos. Dessa forma, com um espaço que vai do Parque Nacional até a faixa de proteção do reservatório, os animais têm liberdade e garantem, assim, o aumento da diversidade genética.

Apesar da área verde recuperada chamar a atenção pelo seu tamanho, o trabalho de preservação não parou por ali. A recuperação da bacia do Paraná envolve 29 municípios da região, atinge diretamente um milhão e cem mil pessoas e conta com projetos que vão desde a recuperação de matas ciliares ; que já cobrem 1350 km de margens de rios ; até o incentivo da pesca não predatória nas comunidades que ocupam áreas próximas à usina.

O investimento feito pela estatal para recuperar, aos poucos, as microbacias que formam a bacia do Paraná chegou a quase R$ 80 milhões nos últimos dez anos. No entanto, os mais de 284 mil hectares de flora e fauna, além da parte aquífera, recuperados, não poderiam se resumir somente a melhorias ambientais. Era preciso que natureza e homem conversassem em harmonia e que um pudesse interferir positivamente no outro. E para que isso acontecesse só havia um jeito: mudar a filosofia da empresa.

Diretor de coordenação da Itaipu Binacional, Nelton Friedrich explica que a estatal tomou a decisão de transformar a forma como era vista pela comunidade, bem como a maneira como atuava nas redondezas da hidrelétrica. ;Em 2003, aconteceu uma imersão de cem dias na empresa e mudamos o nosso planejamento estratégico. Concluímos que uma empresa estatal não deveria ser apenas isso, uma empresa. Era preciso que fosse feita inclusão social e produtiva;. A nova estratégia, criada por funcionários, considerou a estatal como uma empresa cidadã e como a binacional deveria ser vista pela comunidade nos próximos 40 anos. ;Foi aí que ficou claro que Itaipu deveria ser capaz de atuar no seu entorno e ser uma agente de desenvolvimento mais justo na sociedade;, diz.

Verde humano
Para unir consciência ambiental e mudança social foi criado o programa Cultivando Água Boa, que engloba 20 projetos e 65 ações em todos os 29 municípios que ocupam áreas próximas à bacia Paraná. De acordo com a estatal, cada cidade conta com um comitê gestor, que consegue gerenciar mais de perto as necessidades de cada região e os projetos que devem ser desenvolvidos para sanar essas deficiências. A ideia é que todas as decisões sejam tomadas em conjunto. ;A comunidade e a prefeitura listam sonhos que gostariam de ver realizados no município e, depois de entrar em consenso, são escolhidas as metas comuns;, explica Friedrich.

Graças ao envolvimento das comunidades, foi construída uma cadeia de consumo e produção sustentáveis. É o caso do projeto de incentivo à agricultura familiar e, somada a ela, ao cultivo de produtos orgânicos. De acordo com o agricultor Valmir Roque Andele, morador de Pato Bragado (PR), o incentivo à pequena propriedade multiplicou a renda. ;Nossa vida mudou;, conta.

Antes com uma propriedade de 70 hectares, Andele conseguia uma renda baixa com o trabalho em sua popriedade devido aos altos custos de manutenção e produção na terra. Hoje, onze anos depois, o tamanho do terreno caiu para 2,5 hectares, mas o lucro anual chega a oitenta salários mínimos.

;Isso é a prova de que você não precisa de muito para produzir com qualidade. Não é com grandes áreas que a gente faz dinheiro. Basta ter um trabalho bom e saber usar a terra do jeito certo;, diz Andele.

Segundo o diretor da estatal, os bons números não são reflexo apenas das novas práticas no campo. Foi preciso mais do que isso. ;Somente com a reeducação foi possível mostrar como a agricultura familiar poderia mudar para melhor a vida na região;, explica Friedrich. E tanto mudou que, do primeiro ano do programa até hoje, a quantidade de famílias ativas na agricultura familiar orgânica saltou de 180 para pouco mais de mil e cem. A mudança foi tanta que Andele reconhece que a qualidade do plantio melhorou. ;Antigamente eu plantava mandioca, fumo, soja e outras culturas danosas umas às outras. Hoje o meu forte são frutas, como a uva, ameixa, banana e verduras;, afirma.

O escoamento da produção local tem endereço certo. Como uma forma de garantir alimentação de qualidade e a baixo custo, as escolas municipais atendidas pelo Cultivando Água Boa preparam 70% da merenda a partir do que é plantado nas redondezas, o que gera diminuição de custo com transporte, polui menos e garante renda para os produtores.

Tanque cheio
Entre os projetos da estatal surgiu mais uma proposta de envolvimento comunitário. O projeto Mais Peixes em Nossa Água tem como objetivo focar a atividade pesqueira no cultivo em tanques. O fim do uso das redes de pesca trouxe novas possibilidades de mercado para os pescadores profissionais.

É o caso de Estevam Souza, ativo no projeto desde 2006. Ao redor do lago de Itaipu existem 16 colônias e associações de pesca, algo até então impensável para a realidade pesqueira regional. Souza e os outros trabalhadores passaram por cursos de qualificação em apicultura, processamento de pescado e reaproveitamento de resíduos. A partir da iniciativa, eles estavam aptos a lidar com toda a cadeia produtiva e de cultivo dos peixes ; da engorda, ao processo industrial e também à comercialização do produto.


;A gente tem consciência que a pesca tradicional vem diminuindo não só na nossa região, mas no mundo todo. É por isso que a gente vê a produção de peixe em tanques como um grande mercado e um novo negócio para a região;, explica Estevam. De vento em popa, a produção não pára de crescer. Só este ano, o pescador espera produzir entre 25 e 30 toneladas de peixe, número ainda modesto para a expectativa de cultivar a tilápia, próximo passo do projeto. O peixe, tradicional na culinária nacional, deve ser inserido no leque de peixes cultivados pelos ribeirinhos. Estevam afirma que o objetivo é que a produção chegue a cem toneladas anuais. Pode parecer exagero, mas essa não é mais uma história de pescador.

Fitoterápicos em alta
Com o incentivo a cadeias de produção sustentáveis, a região da bacia Paraná 3 se consolidou como pólo nacional de cultivo de plantas medicinais. A fitoterapia é receitada em 40 postos médicos dos 29 municípios e segue em produção de larga escala para o resto do país. O uso não fica limitado ao combate de doenças e o leque de opções de produtos é variado. É ali que também é desenvolvida parte da matéria-prima usada pelas indústrias de cosméticos.

Números do projeto
- 93 Bélgicas é a área equivalente ao corredor da biodiversidade de Itaipu
- 1,1 milhão de pessoas são impactadas diretamente pelo Cultivando Água Boa
- 8 milhões de reais foi o lucro que os pequenos agricultores deram para a região
- 70% da merenda escolar dos 29 municípios é produzida de forma orgânica pela agricultura familiar
- 1700 quilômetros de estradas foram recuperadas para facilitar o escoamento da produção local