No Enem, Márcia pediu o recurso da letra superampliada. ;Como ainda tenho resíduo de visão, eu consigo ler de perto. Tive a experiência de fazer uma prova de concurso com ledor e acabei me atrasando muito. Percebi que não tenho facilidade de ouvir a pessoa;, lamenta. Mesmo assim, ela acredita que, no Enem, será diferente. ;Não tenho receio porque a acessibilidade melhorou muito e as provas costumam ser bem organizadas;, diz. A poucos dias da avaliação, ela se sente ansiosa. ;É a primeira vez que vou fazer o Enem. Não sei como vou me comportar. Estou com o meu coração a mil;, afirma.
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) oferece uma série de opções de adaptação para pessoas com deficiência e as encaminha para locais com a infraestrutura necessária. Quando é preciso complementar a adaptação, o Centro de Seleção e de Promoção de Eventos (Cespe) fica responsável por providenciá-la.
Libras
Alunos do 3; ano do Centro Educacional Gisno, Jefferson Cândido, 19 anos, David Ferreira, Letícia Rodrigues, Túlio Cardoso e Geane Sara da Silva,18, são surdos e solicitaram o intérprete da Língua Brasileira de Sinais (Libras). ;Sempre preciso do intérprete para entender os conceitos de palavras. Só assim consigo compreender o conteúdo das questões;, conta David, que quer fazer direito na Universidade de Brasília (UnB). Para auxiliar o aprendizado, os alunos fazem aulas de reforço no Centro Educacional de Audição e Linguagem Luduvico Pavoni (Ceal).
Túlio nasceu surdo e solicitou a ajuda de intérpretes de Libras para as provas das duas primeiras etapas do Programa de Avaliação Seriada (PAS) da UnB. Mas o auxílio não foi suficiente. ;Às vezes, o intérprete sabe pouco sobre um assunto e não ajuda na interpretação;, conta. Ele pretende fazer letras português na UnB porque quer ajudar outros surdos a entenderem melhor a língua. ;Acho difícil a prova porque o português utilizado é mais rebuscado que a Libras;, diz apreensivo o estudante.
Letícia Rodrigues, 18 anos, estuda no mesmo colégio que Túlio e também fez as provas do PAS. Ela afirma que a ajuda do intérprete é boa, mas que, em algumas ocasiões, há divergências na tradução. ;Às vezes, a interpretação dada acaba sendo diferente do que é exigido na prova;, relata.
Dificuldades
O presidente da Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Auditivos (Apada), Marcos de Brito, acredita que, para o intérprete desenvolver um bom trabalho, é preciso ter acesso às provas antes da aplicação. ;No caso dos surdos, o português é uma segunda língua. Em Libras, o vocabulário é visual e, ao ler um texto, ele não consegue entender e contextualizar todas as palavras. Isso pode induzir o participante ao erro.;
É preciso muito cuidado para não prejudicar os candidatos, como o que ocorreu com seis surdos de Curitiba que recorreram à Justiça, em 10 de dezembro de 2013, para refazer a prova.Eles alegaram que foram prejudicados por conta da tradução do intérprete. O pedido dos estudantes foi acolhido e eles fizeram o exame em 26 e 27 de julho.
O caso impulsionou a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feis) a entrar com ação judicial coletiva, em maio 2014, contra o Inep e pedir uma indenização de R$ 24 milhões. O valor seria revertido a fundos para o desenvolvimento de tecnologias para acessibilidade em Libras no exame. ;Muitos alunos procuram a federação para reclamar do problema. Os novos casos são encaminhados para corroborar com a ação coletiva, pois, caso seja julgada procedente, ela será válida para todos;, afirma Bruno Meirinho, advogado responsável pelo caso.
Por meio da assessoria de imprensa, o Inep informa que as adequações dos testes são realizadas pela Comissão de Especialistas em Adaptação de Itens e Provas, que estuda a melhor forma de realizar o atendimento a pessoas com deficiência.
Para o professor do Departamento de Processos Psicológicos Básicos (UnB) Domingos Sávio Coelho, a forma como é oferecida a acessibilidade, hoje, ajuda, mas ele defende que o processo precisa ser repensado. ;Seria muito importante e crucial ver se esse formato é o que interessa. Acho que o melhor seria o exame como o da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM);, exemplifica.
Desde 2010, a Comissão Permanente do Vestibular (Coperves), responsável pela formulação e pela aplicação do vestibular para a UFSM, oferece o edital e as provas em Libras. ;Uma associação de pais de candidatos com deficiência auditiva solicitou uma reunião para discutir sobre a avaliação das redações desses candidatos, pois eram utilizados os mesmos critérios dos que não apresentam deficiência, e eles normalmente zeravam a prova e eram eliminados", conta Edgar César Durante, presidente da Coperves.
Opções
O atendimento especializado é voltado para pessoas com deficiência e foi solicitado por 36.385 candidatos. Idosos, gestantes, lactantes, pessoas que guardam o sábado por convicção religiosa ou estudam em instituição hospitalar por causa de tratamento de saúde recebem o atendimento específico.
Ajuda qualificada
Para garantir que os candidatos sejam bem atendidos, o Inep exige que os aplicadores tenham ensino médio completo e cursos de capacitação para cuidar das deficiências apresentadas pelos participantes. Todos os responsáveis pela aplicação participam a distância de curso sobre a realização e a logística do exame e sobre capacitação presencial. O instituto oferece vídeos, manuais e folhetos com orientações adicionais para o dia das provas.
Os surdocegos terão direito ao acompanhamento de dois aplicadores que tenham realizado curso específico para o atendimento. Um dos aplicadores tem conhecimento da língua estrangeira escolhida pelo participante. Para todos esses casos, o participante tem direito a sala individual. O tradutor-intérprete de libras ou para leitura labial precisa de certificado emitido pelo Exame Nacional para a Certificação de Proficiência no Uso e no Ensino de Libras (Prolibras), exame realizado pelo Inep que dá certificado de tradutor e intérprete de Libras, ou por organização reconhecida que comprove o conhecimento da linguagem. Serão dois tradutores-intérpretes para cada sala com até seis candidatos.
Marcus Vinícius de Carvalho, 21 anos, foi ledor na última prova do Enem. Ele é estudante do 8; semestre de arquitetura e urbanismo da Universidade de Brasília e se cadastrou como aplicador reserva do Cespe. Ele conta que desenvolver a função não é uma tarefa fácil. ;É preciso ler tudo, repetir quantas vezes necessário e, caso o candidato seja cego ou tenha deficiência visual, tem que passar a mão dele sobre o gráfico e explicar o que tem ali sem ajudar o participante;, explica. O ledor também precisa de atenção e ritmo de leitura para não atrapalhar. ;O texto deve ser lido com clareza, respeitando os sinais gráficos;, detalha.
Ana Regina Saviano é uma das responsáveis pelo Núcleo de Integração à Vida Acadêmica do Centro Universitário de Brasília (Uniceub), que atua com alunos com necessidades educacionais e deficiências em geral. Ela acredita que um ledor mal preparado pode influenciar negativamene no desempenho do candidato. ;A experiência do ledor é necessária e importante. Uma leitura não linearizada na questão técnica ou clara pode atrapalhar as respostas do candidato. Tem que ser vista a individualidade de cada participante. Alguns têm mais facilidade para entender o que está sendo lido ou traduzido, outros mais dificuldade, e o profissional tem que estar atento a essas questões. As pessoas têm que saber a importância disso, porque são os olhos dos alunos;, destaca a especialista.