Depois de passar 40 anos fora das salas de aula, o aluno do 3; ano da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e mecânico aposentado José de Arimatéia Falcão, 61 anos, passa as noites no Centro de Ensino Médio (CEM) n; 1 de Sobradinho para alcançar as metas de terminar o ensino médio e se tornar engenheiro mecânico. ;Eu quero insistir para ver se consigo realizar meu sonho de fazer uma faculdade e vejo o Enem como uma maneira mais prática de conseguir isso;, diz entusiasmado. Seu Ari, como gosta de ser chamado, faz parte do grupo de 15,5 mil pessoas acima de 60 anos que se inscreveram para fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em 8 e 9 de novembro. Desde 2009, o número de inscritos dessa faixa etária mais que triplicou.
O tempo afastado dos estudos e as mudanças no corpo que a vida impõe são as principais dificuldades que José de Arimatéia aponta para conseguir um bom desempenho no exame. ;Desde que parei de estudar, a forma de ensinar mudou muito. Outra dificuldade que sinto é por conta da idade. É fato que meu raciocínio é diferente do desses garotos moços, mas minha vantagem é a vontade de aprender;, opina. O problema enfrentado pelo colega de classe de José é conciliar o trabalho com os estudos. ;A dificuldade maior é por causa do trabalho. O cansaço atrapalha muito, mas a força de vontade é maior;, afirma Francisco Piauí da Silva, 58 anos, também aluno do 3; ano da EJA do CEM n; 1 de Sobradinho. O trabalhador da construção civil se inscreveu no Enem para conseguir uma vaga em arquitetura.
Mesmo que Piauí não faça parte das estatísticas de idosos que se inscreveram no Enem, ele e José de Arimatéia servem de inspiração para os colegas mais novos que dividem a mesma sala de aula. ;Eles são exemplos porque mostram que não há idade para estudar;, opina Izabela Freitas, 18 anos. ;Do mesmo jeito que a gente está aprendendo com eles, por meio da experiência e do conhecimento que nos passam, eles aprendem com a gente. É um ajudando o outro. Estamos no mesmo rumo tentando terminar o ensino médio e buscando algo melhor;, conta Letícia de Souza, 19. ;Mesmo diante das dificuldades do tempo que eles deixaram de estudar, eles não ficam distantes da turma. Eles se destacam pelo esforço;, aponta o professor de geografia, Eduardo Borges.
Foco no objetivo
Após uma aposentadoria não planejada, o engenheiro elétrico João Batista Pereira, 66 anos, decidiu ocupar o tempo se dedicando aos estudos para fazer uma segunda graduação. Ele vai tentar uma vaga pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu) para o curso de engenharia de produção, tecnologia de informação ou contabilidade na Universidade de Brasília (UnB). Para isso, o funcionário público aposentado dedica aproximadamente quatro horas diárias à preparação para o Enem. ;Tem matérias a que nunca me dediquei, como geografia, história e sociologia. Tento driblar minhas dificuldades com leitura, estudos e me mantendo atualizado;, conta. O aposentado faz curso preparatório no Impacto Concursos e acha corajosos todos os que, na idade dele, decidiram fazer o exame. ;Parabenizo os idosos que, assim como eu, estão enfrentando essa empreitada, porque realmente é um desafio;, elogia.
Conquista por conta da qualidade de vida
Apesar do aumento, o número de idosos no Enem representa 0,17% dos 8,7 milhões de inscritos. O número ainda não é expressivo, mas a busca dos idosos por qualificação é uma tendência segundo o coordenador do curso de pós-graduação em gerontologia da Universidade Católica de Brasília (UCB), Vicente Paulo Alves. ;Esse é um processo irreversível. É a ideia de educação permanente. Não existe um ser humano pronto e acabado;, afirma. Segundo o coordenador, os motivos por essa busca são diversos. ;A procura por qualidade de vida, onde as pessoas querem ocupar a mente, a conquista de melhores condições financeiras e o fato de as pessoas viverem mais são alguns dos fatores;, elenca.
A principal motivação de Aldir Silva, 69 anos, é sentir-se inserido na sociedade. ;Minha intenção é reintegrar. Não gosto de ficar distante dos assuntos da nova geração;, conta. O funcionário público aposentado faz curso preparatório para o Enem, mas não está otimista com o resultado que pode obter na prova. ;Ainda estou engatinhando. Não pensei na faculdade nem em que curso fazer. Na hipótese de passar, pensarei no que vou fazer;, admite. A professora de geografia Aracelly de Santos, do MFE Concursos, onde Aldir estuda, afirma que ele é um aluno dedicado. ;Ele é muito participativo. Sempre está interado dos assuntos, faz perguntas e nunca está à margem;, comenta.
Segundo o professor do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Terceira Idade da Universidade de Brasília (Nepti/UnB) Frederico Fósculo, o crescente interesse de pessoas da terceira idade em fazer o Enem é um indicativo de que o país precisa investir mais na qualidade de vida dos idosos. ;Não são poucos os que estão investindo em uma nova perspectiva na terceira idade. A população brasileira vive mais, então o governo tem que investir nisso, seja na recolocação profissional ou em prestações de serviços públicos mais qualificados;, defende.
Palavra de especialista
Aprendizado possível
A diferença é fisiológica. Uma pessoa com cerca de 19 anos está adaptada ao processo de aprendizagem, tem capacidade desenvolvida e memória aguçada para o desenvolvimento. Já acima de 60 anos, por conta do processo fisiológico, o ser humano começa a ter perdas na memória recente, compreensão e informação. Porém os idosos preservam uma reserva cognitiva que dá substrato para a aprendizagem, ou seja, nessa idade ainda há capacidade de aprender. Existe dificuldade, mas há a possibilidade de ganhar aprendizado a partir das experiências adquiridas anteriormente. Há distinção na forma de aprender dependendo da idade, mas a diferença não leva à descrença sobre o aprendizado do idoso.
Vicente Paulo Alves, coordenador do curso de pós-graduação em gerontologia da Universidade Católica de Brasília (UCB)
Número de idosos inscritos no Enem
2009 ; 4,6 mil
2010 ; 6,3 mil
2011 ; 7 mil
2012 ; 8,3 mil
2013 ; 10,9 mil
2014 ; 15,5 mil