Enem

Reflexo da leitura dinâmica

Professores avaliam que a geração atual de estudantes, que se desenvolveu conectada à internet e às redes sociais, tem uma dificuldade maior com textos mais extensos. No Enem 2014, 529 mil alunos tiraram zero na redação

Daniela Garcia
postado em 15/01/2015 11:33

Guimarães: Dos 529 mil alunos que tiraram zero na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a maioria (53,1%) deixou a folha destinada à dissertação em branco. Entre outros 248 mil que obtiveram a pontuação nula, 87,5% tiveram a prova anulada por fugirem do tema proposto: ;Publicidade infantil em questão no Brasil;. Chama a atenção que três de cada quatro candidatos que se submeteram ao Enem têm até 24 anos. Criada não só na internet, mas também sob a ágil dinâmica de interações pelas redes sociais, a juventude teria uma dificuldade especial para chegar ao fim da leitura de um texto um pouco mais extenso, avaliam os especialistas.

[SAIBAMAIS];Estarão os nossos jovens excessivamente plugados em multimídias instantâneas, apenas com manchetes de notícias? Ou pior: ainda usando excessivamente as redes sociais sem se importar com a cultura e o aprofundamento de temas? Como nossas escolas estão preparando os nossos alunos nessa questão? Parece que muito mal;, observa, preocupada, Vivina Balbino, professora aposentada da Universidade Federal do Ceará. A mestre em educação vê a enxurrada de zeros como comprovação da falta de leitura dos jovens e da busca de informações longe do conhecimento aprofundado.

;Um ponto pesado que essa quantidade de zeros traz é a qualidade do ensino. Ela se evidencia pela comparação das notas dos alunos de escolas públicas e privadas. É muito triste;, lamenta Rafael Riemma, coordenador de Português de um colégio particular da Asa Sul. A precariedade do ensino médio não deve ser tratada como isolada na educação, alega Vivina, uma vez que a má qualidade da fase escolar afetaria diretamente a qualificação dos profissionais formados no ensino superior. ;O ensino superior precisa receber alunos cultos e detentores de conhecimentos para avançar com qualidade os seus estudos e pesquisas na graduação e na pós;, defende.

;Temos que ensinar os meninos a ler, a escrever, a compreender o mundo;, complementa Riemma. Parece inacreditável, mas mesmo em um exame tão importante, que abre as portas para o ensino superior, especialistas ouvidos pelo Correio acreditam que muitos dos jovens não leram os textos complementares ao enunciado da redação do Enem, fundamentais para a compreensão do que era pedido como dissertação.

;O aluno, muitas vezes, lê o que está em negrito e não lê a coletânea de textos, é um problema de leitura;, analisa Eli Guimarães, coordenador de redação de uma escola particular de Brasília. ;O aluno precisa se inserir no mundo lendo revistas, jornais, editoriais, resenhas. É preciso ampliar o leque de leitura, que não pode ser tratada como uma obrigação acadêmica, mas sim como parte da formação enquanto pessoa, enquanto cidadã crítica;, defende o professor.

Riemma ressalta que, mais do que ler, é preciso estimular a juventude a escrever mais. ;Quem leu mais sobre o tema vai ter mais facilidade para argumentar. Mas, mesmo os alunos que adoram debater, falar, dar opinião, é impressionante a resistência que têm a escrever: parece que escrever é um peso. Há medo de se expor, de errar;, observa.

Problemas detectados


Muito além da baixa qualidade do ensino público, especialistas apontam o que falta para que a atual geração consiga superar as dificuldades para ler, compreender e escrever bem

Leitura precária
; Acostumados a assimilar conteúdos de forma fragmentada ; em fontes como a enciclopédia on-line Wikipedia, por exemplo ;, muitos jovens não conseguem chegar ao fim de textos mais longos: se cansam, deduzem o que não leram e tiram conclusões precipitadas. Muitas vezes, os estudantes leem somente o que aparece em negrito ou em destaque, ignorando partes importantes do texto.

Esforço unidisciplinar
; Sozinho, o professor de redação não consegue dar ao aluno as habilidades e os conhecimentos necessários para o bom domínio da leitura e da escrita. É preciso que os mestres de outras disciplinas que têm alta carga de textos, como história e geografia, cobrem respostas bem argumentadas, com início, meio e fim. Dar nota máxima a uma prova de sociologia respondida em tópicos, por exemplo, deseduca o aluno, ainda que o conteúdo esteja adequado.

De olho no próprio umbigo
; Faltam a muitos estudante a leitura de opiniões diversificadas e a busca por fontes alternativas para entender bem uma mesma situação. Livros, revistas, jornais até mesmo blogs devem estar mais presentes no cotidiano da juventude. A cada dia, inclusive no Enem, a reflexão sobre um problema e a proposição de soluções possíveis são mais cobradas em diferentes avaliações.

Falta de hábito
; A máxima de que a repetição leva à perfeição também vale para a produção textual. A escrita de textos dissertativos deve ser parte do dia a dia. Mesmo os alunos que se engajam em acalorados debates em sala de aula ; ou nas redes sociais ;, com boa argumentação, devem ser estimulados a passar as ideias para o papel. Soltar amarras como a vergonha, o medo e a insegurança é benefício trazido pela prática constante.

Correção distanciada
; Mesmo os profissionais mais carismáticos e esforçados podem deixar a desejar na hora de corrigir os textos produzidos pelos alunos. Mais do que receber uma nota ou elogio, é preciso que o aluno tenha alguém que o oriente e explique as principais falhas ou acertos da redação. É melhor ter cinco textos bem corrigidos e analisados ao longo de um ano, do que 50 escritos e devolvidos somente com uma avaliação genérica.

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