Jairo Macedo-Especial para o Correio
postado em 23/10/2017 07:00
Falta pouco, muito pouco, para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Daqui a exatos 13 dias, a maior prova de acesso ao ensino superior será aplicada para quase sete milhões de estudantes. No primeiro domingo, 5 de novembro, serão aplicados os testes de linguagens e redação e da abrangente prova de ciências humanas e suas tecnologias. Nela, caem 45 questões que envolvem história, geografia, filosofia e sociologia. As duas últimas, sempre deixadas um pouco de lado, ocupam cerca de um terço dos itens, segundo especialistas, e podem ainda ter participação indireta em todas as áreas abordadas no exame. Daniel Crepaldi, professor de sociologia da rede pública e subsecretário de Educação Básica da Secretaria de Educação do Distrito Federal, acredita que o Enem foi, a um só tempo, sintoma e causa da reintegração das duas disciplinas no ensino médio brasileiro.
;O regime militar tirou de circulação o ensino de filosofia e sociologia, que só retornou com força e obrigatoriedade na grade curricular por volta de 2007, mesmo período em que o exame crescia em representatividade e dava espaço às disciplinas.; É com o pensamento filosófico e sociológico que os alunos deixam de ser, nas palavras dele, ;apenas fazedores de provas; e se tornam jovens de senso crítico latente. ;Essas disciplinas não eram muito valorizadas porque se acreditava que faltava aplicação delas no sentido prático;, diz. Professor do Centro Educacional Sigma, Edivaldo Monte dos Santos concorda com a relevância das disciplinas e a convergência delas com a matriz do Enem. ;Tudo aquilo que estudamos como pensamento constituído está relacionado com o fato histórico e o modo com que o ser humano ocupa o espaço. Um pensador pensa seu contexto. O exame pede que os estudantes do ensino médio, de posse de conhecimento das obras dos autores, façam o mesmo, a seu modo.;
Abordagem humanista
De acordo com a professora do Descomplica Enem Larissa Rocha, filosofia e sociologia se diferenciam na prova organizada pelo Ministério da Educação (MEC) pela abordagem e pela amplitude de atuação. Enquanto a primeira preza pelo conteúdo mais específico dos pensadores antigos, modernos e contemporâneos, a segunda é mais abrangente e se mostra mais versátil na abordagem interdisciplinar com história e geografia. ;O exame propõe contextualização com temas recentes, que estão em pauta agora. Mesmo que sejam abordados temas históricos de muito tempo atrás, exige-se o caráter crítico de hoje. Como a sociologia trata da relação entre indivíduos em sociedade, acaba lidando com questões de cidadania, direitos humanos e representatividade social;, afirma. ;Nas ciências sociais, se encontra mais interdisciplinaridade. É importante que o inscrito no Enem saiba atrelar os assuntos da disciplina à história do Brasil e do mundo;, acrescenta Crepaldi. Sendo assim, as abordagens sociológica e filosófica podem mesmo extrapolar as ciências humanas e chegar à prova de linguagens, códigos e suas tecnologias e à redação.
;Se eu colocar o pensamento de algum filósofo no texto, quem corrige pode ficar surpreso e verificar que domino o assunto;, acredita Gabriel de Oliveira, 18 anos, estudante do 3; ano do Centro de Ensino Médio (CEM) Setor Leste. ;Por isso, tenho focado bastante no que dizem filósofos.; Além disso, é por meio dessas matérias que o caráter propositivo e social do exame sobressai. ;É uma prova especial, na medida em que procura abordar problemas estruturais e democráticos;, afirma Paulo de Tarso, professor de sociologia do Colégio Poliedro. ;Em 2017, podemos pensar numa prova que envolva o debate da democracia e de liberdades, de modo a discutir direitos individuais e da minoria e liberdade de expressão;, aponta. Minorias, nesse caso, dizem respeito não ao senso comum de grupos com menos volume de pessoas, mas, sim, aqueles cujos direitos são historicamente minoritários. ;Mulheres e negros não são minorias numéricas, é claro, mas têm a construção identitária constantemente prejudicada por direitos excluídos, mantendo-se em luta por questões básicas de dignidade, respeito e representação.;
O que cai
Dos pensadores desde a antiguidade até a contemporaneidade, Edivaldo Monte dos Santos lista os que têm mais chance de serem cobrados: ;Há muito espaço para a filosofia clássica, de Sócrates, Platão e Aristóteles; no cenário medieval, Santo Agostinho e São Tomás de Aquino; no pensamento moderno, Descartes, Francis Bacon, John Locke, David Hume e Kant são muito importantes na construção do debate de direitos humanos; entre os contemporâneos, figuram Nietzsche, Sartre, Foucault e Zygmunt Bauman;. Este último, sociólogo falecido em janeiro aos 91 anos, destaca-se por tratar das tecnologias atuais e pela capacidade de diálogo, em função da linguagem adotada, mais acessível do que os pares dele, sempre de escrita densa e árida. ;Ele se preocupou em manter essa abordagem, por meio da qual cunhou o termo ;sociedade líquida;, conceito que o deixou famoso. Pensou a efemeridade das relações no mundo pós-moderno, discutindo como a introdução de celulares e computadores influencia as relações;, explica Paulo de Tarso.
;Os aplicativos de encontro, tão caros aos jovens, impressionam pela facilidade com que os laços se fazem e desfazem;, exemplifica. Para Edivaldo Montes, a sociologia presente no Enem se divide em dois eixos, o antropológico e o político. ;No primeiro, discute-se muito a identidade de cada indivíduo e do grupo em que eles se misturam. Figuram, aqui, abordagens que podem atingir questões de gênero, de preconceito étnico, religioso e de discussão de cultura, tão presentes no noticiário hoje;, observa. Larissa Rocha afirma tratar constantemente, em sala de aula, do conceito de cultura. ;A apropriação da cultura do outro, que se gosta muito de entender e atacar, esteve fortemente em debate no último ano, sobretudo porque as redes sociais dão essa voz para as pessoas atualmente.; Quando representantes de minorias colocam a cabeça para fora e procuram voz, não falta quem os ataque nem falta quem manifeste adesão solidária.
Dicas finais
A essa altura, parece uníssona a recomendação, por parte dos professores, de que o aluno não se mate de estudar, nem acredite que vai, em menos de duas semanas, compreender tudo o que jamais soube. ;Não adianta sentar com calhamaço de sociologia ou filosofia e querer decodificar toda aquela linguagem complexa. Vale mais, ao contrário, fixar-se na revisão de conteúdo e em resumos feitos ao longo do ano;, afirma Larissa Rocha. ;É hora de ser bastante pragmático. Pegar as provas de anos anteriores, analisá-las, destacar os autores abordados. O aluno deve conduzir a pesquisa dele para dispor dos melhores argumentos para temas sociais sob a ótica das duas disciplinas;, complementa Paulo de Tarso. Em paralelo, é importante se manter atento aos desdobramentos dos temas nos noticiários. ;Sugiro observar assuntos presentes diariamente, como ética e política no Brasil, que não vencem tão cedo. Além disso, dê atenção às crises migratórias da África e do Oriente Médio para a Europa, causadas por conflitos religiosos e militares, e ainda a questões da natureza, como a água, bem de primeira importância cuja falta tem sido sentida em todo o país, inclusive no DF;, ressalta Daniel Crepaldi.
Como estudar as duas disciplinas?
SOCIOLOGIA
Ana Flávia Cardoso, 19 anos
;Na sociologia, é muito importante estudar as diversas linhas de pensamento dos sociólogos.;
Francisco Franco, 18 anos
;É necessário ter pensamento crítico, saber como se deu a construção social e analisar o contexto histórico. Decorar é mais para exatas.;
FILOSOFIA
Hanna Ferreira Aguiar, 18 anos
;Filósofos como Descartes e Sartre, com certeza, serão cobrados. Na minha aula de hoje, a professora falou muito sobre ética e moral, que acredito serem assuntos padrões do Enem.;
Gabriel de Oliveira, 18 anos
;Eu me interesso por ética e moral e sei que são conteúdos muito cobrados no exame. Acredito que Sartre também deve cair, por isso, tenho estudado um pouco mais sobre ele.;
Francisco, Ana Flávia, Gabriel e Ana Ferreira, alunos do CEM Setor Leste: de olho em pensadores antigos e contemporâneos