Enem

Aplicação do Enem 2019 está ameaçada

Orçamento para o próximo ano é, até o momento, de R$ 158 milhões, R$ 543 milhões a menos do que em 2018. Apresentação dos números causou grande desconforto em reunião do conselho do Inep

Paulo Silva Pinto, Jairo Macedo-Especial para o Correio, Darcianne Diogo*
postado em 04/09/2018 19:59
A aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2019 está ameaçada. O orçamento previsto hoje não é suficiente para a aplicação das provas. A verba para a realização do exame precisa abarcar custos logísticos pesados, que incluem serviços como impressão em gráfica de segurança máxima, três corretores por redação e distribuição logística. Para 2018, o orçamento previsto é de R$ 701 milhões. Para 2019, a proposta inicial do Inep era um montante inferior, de R$ 603 milhões, o que já iria impor sacrifícios para a execução do exame. Porém, com a imposição das metas de redução de gastos do governo, apenas R$ 158 milhões seriam destinados à execução da edição de 2019.
Aplicação do exame, que envolve milhões de estudantes anualmente, está ameaçada
A apresentação desses números causou grande desconforto na reunião de Conselho Consultivo do órgão na quinta-feira (16). As tabelas serão entregues agora ao Ministério da Educação, que precisará encontrar uma solução para o problema, ou repassá-lo ao Ministério do Planejamento, que finalizará o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), a ser enviado ao Congresso Nacional no fim deste mês.

Uma solução para evitar o vexame de o Brasil não ter o Enem em 2019 seria o remanejamento de outras verbas da Educação. Isso pode ser resolvido até mesmo no âmbito do orçamento do próprio Inep. Mas, nesse caso, o cobertor é bem mais curto. Seria necessário cancelar outro exame, como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), por exemplo, que pode não ter a repercussão do Enem, mas também é muito importante para a avaliação do sistema de ensino.

Procurado pelo Correio, o Inep não quis se manifestar, pois afirma que o orçamento ainda está sendo debatido e depende de comissões técnicas. O Ministério do Planejamento (MP) afirma que não compete a ele a decisão, uma vez que MP define o montante global de cada ministério para a confecção do Projeto de Lei Orçamentária, mas cabe aos ministérios definirem a distribuição dos recursos entre suas unidades.

A edição 2018 do Enem recebeu R$ 6,7 milhões de inscrições e tem 5,5 milhões de participantes (81,3%) confirmados para as provas, agendadas para 4 e 11 de novembro. Ao todo, 3.361.468 pessoas foram beneficiadas com a isenção de taxa de inscrição, por se enquadrarem em um dos quatro perfis estabelecidos pelo Inep. Cada candidato sem isenção pagou a taxa de R$ 87,54. O dinheiro arrecadado com as inscrições, que em 2017 foi cerca de R$ 20 milhões, vai para o Tesouro Nacional.

Educação sem cortes

A Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2019 (LDO - Lei 13.707/2018), que estabelece direcionamentos para a elaboração do orçamento da União, foi publicada no Diário Oficial da União nesta quarta-feira (15), após muita discussão. O texto final, sancionado com 18 vetos, manteve a emenda proposta pelo Legislativo que previa a correção do orçamento da educação pela inflação deste ano. Após protestos de parlamentares e de movimentos estudantis, o presidente Michel Temer vetou o dispositivo que atrelava a destinação de recursos para o Ministério da Saúde da mesma forma que a Educação, ou seja, manteve no orçamento de 2019 os mesmos recursos para a Educação do ano anterior mais a correção da inflação. O valor de pré-limite de R$ 23,6 bilhões foi encaminhado ao MEC para despesas discricionárias.
[SAIBAMAIS]
Na ocasião, a União Brasileira dos Estudantes (UNE) comemorou a decisão. ;Consideramos uma vitória a aprovação da LDO. Lutamos muito e conquistamos a garantia de que não haja cortes. Além disso, há a previsão de correção do orçamento de acordo com a inflação;, afirmou Marianna Dias, presidente da UNE. Ela não enxerga ainda riscos específicos para a execução do Enem 2019, mas afirma que o movimento estudantil permanece alerta. ;Não vemos perigo para a realização do Enem de 2019, mas estamos atentos e mantemos a pressão para que se cumpra o que foi aprovado e sancionado para o ano que vem, do ponto de vista da verba na LDO.;
Custos das últimas edições
No período de 2013 a 2017, o histórico de ausências levou ao prejuízo total de R$ 962 milhões. Em 2017, último exame aplicado, o valor arrecadado com os quase 2 milhões de pagantes foi de R$ 164,4 milhões. O valor subsidiado pelo MEC foi de R$ 505,5 milhões. Ainda no ano passado, segundo dados do Inep, o custo por inscrito foi R$ 87,54 por aluno e, em função da abstenção de mais de 2 milhões de candidatos, o prejuízo foi de R$ 176.590.328.


Estudantes opinam


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O público afetado diretamente pelas turbulências da Educação dá sua opinião e enfatiza a importância do Enem para o acesso ao ensino superior. ;O exame ajuda as universidades a cumprirem o papel delas, que é de distribuir de forma igualitária;, opina a professora de português do Centro de Ensino Médio do Setor Oeste (Cemso), Ana Maria Gusmam. A docente argumenta que boa parte dos alunos do Cemso estão, atualmente, focados no exame e veem nele uma oportunidade maior do que o PAS. ;Tem muita gente que quer entrar em faculdade particular. Como fica para elas? O Investimento em educação não é dinheiro jogado fora. Se isso acontece, há grande chance dos alunos se desmotivarem, pois qualquer corte gera uma perda e consequência;, questiona.

Com estudos intensos nos finais de semana, o estudante do 1; ano do ensino médio, Clever Lucas, 16 anos, cogita as demais vias para ingressar na Universidade de Brasília (UnB). ;Devo focar no Programa de Avaliação Seriada (PAS) ou no próprio vestibular da UnB;, diz. Para o jovem, a inserção na universidade pública garante grandes chances no mercado de trabalho. O sonho dele é cursar geografia na universidade. ;A qualidade de ensino é ótima e isso pesa no diploma.;

Gabriela Reis, 16, diz que ficará prejudicada, pois, sem o exame, se restringiria a apenas um meio de inserção na UnB, o PAS. ;Não vou ter condições de fazer faculdade particular. Sem o Enem, não vou para a UnB. Sei que tem outras formas de entrar lá, mas esse é meu foco no momento;, argumenta a aluna do segundo ano do ensino médio do Cemso.

Lívia Pio, 15, estudante do 1; ano, fomenta o sonho de cursar medicina na UnB e o Enem seria a principal porta de entrada. ;O curso é meu sonho e a universidade também, pois estarei na minha cidade fazendo o que gosto,; diz. Lívia se prepara desde janeiro, quando iniciou as aulas em cursinho específico três vezes por semana. Além disso, ela estuda cerca de duas horas em casa. ;Mesmo que seja tão difícil é uma vaga tão importante. E sem o Enem, é mais uma porta que se fecha.;

Mesmo os que vão fazer o Enem neste ano, se dizem preocupados. É o caso do aluno do 3; ano Guilherme da Silva, 16, se diz receoso, caso não passe no exame deste ano. ;Se eu não for aprovado, minhas chances diminuiriam. Eu acho um absurdo, porque a educação é a base. Enquanto aumentam salários de funcionários públicos, diminuem o orçamento na educação,; ressalta. O estudante do 1; ano João Vitor Aderaldo, 15 anos também se diz preocupado com a ameaça. O jovem tem o sonho de ser psicólogo e conta que não tem condições de arcar com uma instituição particular. ;Entrar na UnB me ajudaria no mercado de trabalho e teria com certeza uma ótima formação,; diz ele.
*Estagiária sob supervisão de Jairo Macedo-Especial para o Correio

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