Jairo Macedo-Especial para o Correio
postado em 09/09/2018 17:48
A prova de ciências da natureza e suas tecnologias do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) chega em 2018 com a fama de ser o tema de maior dificuldade para os alunos. Como se não bastasse a expectativa de muitas fórmulas e pensamento lógicos que só entram no cérebro da ;turma de exatas;, as três disciplinas que compõem a avaliação ; física, química e biologia ; têm comprovado, nos números gerais Brasil afora, que não são mesmo para qualquer um. Esta edição do Especial Enem do Correio tenta desvendar um pouco dessa fórmula.
Nas 45 questões reservadas às ciências da natureza, a maioria dos estudantes apresenta desempenho ruim, em comparação com as demais áreas. As piores notas mínimas estão em natureza: 298 foi o pior desempenho de um aluno.
A média geral nessa área de conhecimento fica à frente apenas de linguagens, com a diferença de quatro décimos (510, 2 em linguagens, contra 510,6 em natureza). No Distrito Federal, a média é superior à nacional, chegando à marca de 534,25. O sentimento geral é de preocupação com essas disciplinas.
[VIDEO1]
;Foi se tornando mais difícil, sem dúvida;, avalia Marcela Fortaleza, 17 anos, aluna do Centro Educacional Sigma. Na busca de uma vaga em medicina, a jovem fez o exame duas vezes como treinee. Dessa vez, que será para valer, ela está ciente do crescimento do desafio. ;No ano passado, a prova subiu para um nível muito elevado. Ciências da natureza desnivela o Enem e diferencia os candidatos bons dos ótimos, se olharmos em termos nacionais;, diz. Guilherme Lobo, 17, concorda com a colega de escola. ;Nos dois últimos anos, o nível claramente aumentou. Talvez as pessoas estejam estudando cada vez mais para o Enem e se especializaram nele, então o nível sobre e a exigência também aumentou;, especula o estudante.
O sentimento dos alunos procede? Matheus André dos Santos, professor de física do Qconcursos, acredita que sim. Para ele, a prova vem sofrendo mudança natural desde 2009, quando as quatro áreas de conhecimento das perguntas objetivas ; natureza, humanas, linguagens e matemática ; foram definidas e o Sistema de Seleção Unificado (Sisu) criado. De lá para cá, a tendência foi privilegiar habilidades e interdisciplinaridade. ;A partir daí, a avaliação sofreu mudança estrutural que levou ao que é hoje. O nível da prova aumentou e cresceu também o diálogo entre as disciplinas. Hoje, o Enem exige não só o conhecimento da parte matemática e objetiva da matéria, mas também a capacidade do candidato de sintetizar e aplicar diferentes conteúdos.;
Interdisciplinar e conteudista
Coordenador do curso Poliedro e professor de biologia, Luís Gustavo Megiolaro classifica os temas de ciências da natureza não como difíceis, mas exigentes. ;Esse é o termo correto. Não se trata de uma prova impossível de ser feita, mas certamente tem se tornado mais conteudista. Antes, o aluno que se preparava para o Enem, por vezes, acreditava que poderia resolver tudo ;ali na hora;, por dedução e com base na leitura dos textos, gráficos e tabelas;, afirma.
Hoje não é mais assim. É preciso estar preparado não só para uma avaliação aprofundada que exija pré-requisitos fundamentais para ser resolvida, mas que também interligue física, química e biologia. A divisão é equivalente entre as três disciplinas e, mais que isso, a mistura entre elas é constante. ;Há alguns anos, houve uma questão de poluição, que envolvia a alteração do pH de determinada região marinha. Uma indagação como essa envolve ambiente, que pertence à biologia, e conhecimentos de química. No final, pedia-se o efeito disso nos animais marinhos;, exemplifica Megiolaro. Acrescente-se aí boa dose de preparação quanto às atualidades debatidas no mundo, é claro.
Thaif Ferreira, professor de química do Poliedro, nota o mesmo direcionamento. ;Os temas são os mesmos, mas mudou a abordagem. Há mais elementos de cada disciplina nas questões, aumentando gradativamente a complexidade.;
Química e biologia
Para o melhor desempenho nas propriedades e reações do Enem, a dica é manter o foco nos assuntos de química geral (24,8% das questões que envolvem química), físico-química (24,8%) e química orgânica (18,5%). ;Em química, sempre cai muito cálculo estequiométrico, termoquímica, equilíbrio, pilhas e reações orgânicas;, enumera o professor Thaif Ferreira. Os temas que se apresentaram mais conteudistas envolvem reações orgânicas, que estiveram presentes nos últimos três anos. ;Há vários tipos de reações. Anteriormente, tratávamos de reações de substituições, relativamente mais fáceis. Agora, vamos às reações de hidrólise e sabonificação;, afirma. Nesses casos, de acordo com o professor, o conhecimento matemático vem em menor escala. Grande parte das questões que envolvem estequiometria e eletroquímica podem ser resolvidas com regras de três e fórmulas simples.
Em biologia, os temas oscilam eventualmente, mas ;clássicos; como alterações ambientais e fisiologia animal e humana nunca deixam de comparecer ao exame. ;Outro tema muito recorrente são as doenças. Uma vez que o Enem sempre reflete as questões públicas do Brasil, doenças endêmicas caem sempre na prova;, garante Luis Gustavo Megiolaro.
Para vencer tanto conteúdo em 4h30 de avaliação (30 minutos a mais do que no ano passado), treino e estratégia são fundamentais. ;O ideal é que o candidato faça as provas de edições anteriores marcando o tempo. O pequeno aumento de meia hora é substancial. Pode ajudar;, completa Megiolaro.
Física se aproxima da matemática
Dentro de ciências da natureza, química e biologia são as disciplinas que mais dialogam entre si. Física, por sua vez, tende a manter diálogo mais amplo com os conhecimentos matemáticos, na avaliação do professor Matheus dos Santos. ;A dinâmica da física inclui a compreensão dos eventos naturais através dos números. O conhecimento matemático é fundamental e o déficit nessa matéria pode complicar o candidato. Mesmo que o aluno tenha entendido o enunciado, não tem as ferramentas básicas para resolver a questão.;
É necessário, portanto, somar a capacidade de interpretação de texto e uma desenvoltura razoável nas operações para chegar a uma resposta matemática. ;Preciso estar ligado, sim, em procedimentos com os números para fazer física. Não chega a ser tão aprofundado quanto a prova de matemática em si, mas é bom ter uma base;, acredita Guilherme Lobo. ;A própria física do ensino médio, como a parte de elétrica e de mecânica, não entra demais na matemática mais profunda, mas exige um pouco;, exemplifica. ;Em física, cai bastante matéria do primeiro ano e do terceiro, como força e potência;, acrescenta Bárbara Amaral, 17, estudante do terceiro ano que quer ingressar no curso de engenharia espacial.
Segundo levantamento do sistema SAS, as questões de mecânica foram predominantes na física do Enem de 2009 a 2017, ocupando 28% do conteúdo cobrado. Em seguida, vêm eletricidade e energia (25,5%), ondulatória (20,1%), termologia (16,7%) e óptica. Davide Morrone, 18, fez o exame no ano passado e garantiu a vaga dele justamente para o curso superior de física na Universidade de Brasília (UnB). Para ele, o conteúdo, embora pesado, pode ser transposto com muito estudo e prática. ;Acredito que a prova de 2017 foi mais difícil, sim, além de abordar conteúdos que não caíram nas edições anteriores;, avalia. ;A dica é estudar muito e, principalmente, fazer exercícios. É importante que se desenvolva um raciocínio especial para resolver os problemas.;