Enem

A ciência das conexões humanas

Prova de ciências humanas e suas tecnologias afirma-se como meio de pensar a história social do Brasil e do mundo. Geopolítica e direitos humanos são temas citados como centrais na avaliação, acreditam professores e alunos

Jairo Macedo-Especial para o Correio
postado em 17/09/2018 07:00
A prova de ciências humanas e suas tecnologias chegou à 20; edição do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), em 2017, confirmando sua vocação para a tarefa de, simultaneamente, refletir e fomentar os debates públicos. A avaliação abordou diversos temas, muitos deles ligados aos direitos humanos, como preconceito, segregação e luta pelos direitos de grupos subjugados hoje e ao longo da história.
O resultado foi uma queda de 14,2 pontos na média geral (533,5 em 2016 e 519,3 em 2017) e a sensação de uma prova mais rigorosa. Em 2018, não deve ser diferente. A ;turma de humanas;, que engloba as disciplinas de história, geografia, sociologia e filosofia, põe em pauta o ser humano pensando a si mesmo, o outro e o planeta.
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;Essas áreas estão em constante movimento. Estabelecem conexões com o passado, o presente e o futuro. Quanto mais avançamos, mais confrontos éticos são postos, e o debate social é fundamental.; O depoimento não vem de um professor, mas do jovem Antonio Talavera Costa, 16 anos. Prestes a fazer o exame, o aluno do Colégio Prebisteriano Mackenzie se diz apaixonado por essas matérias e confiante para enfrentar as 45 questões que concernem a elas no Enem.
;O conjunto de teorias estudadas no ensino médio, dentro da área de ciências humanas, se constitui a partir da análise da ação e reflexão do ser humano no mundo, sendo a contextualização, portanto, um valor fundamental para a produção e difusão do conhecimento;, acrescenta Edivaldo Monte dos Santos, professor de filosofia e sociologia do Centro Educacional Sigma.

Geopolítica em pauta

Alunos do Mackenzie: ciências humanas e atualidades se encontram no exame


;Nos vestibulares comuns, há muitos termos conceituais, alguns ;decorebas; e exigências objetivas. No Enem, o leque se abre e há maior abrangência quanto a questões étnicas, culturais, de identidade e espaços geográficos;, explica Júlio César Galano, professor de geografia do Mackenzie. Para ele, os últimos três anos foram de afirmação do exame como plenamente nacional, com questões que tocam todo o país com interesse equivalente, falando direta e indistintamente de todas as regiões.
Andrissa Jordão tem atenção redobrada em geopolítica
Para além da geografia física, a tendência do exame é manter ; ou até ampliar ; o espaço cativo das questões de geografia política, de questões econômicas, globalização e geopolítica internacional. ;Processo de imigração, luta dos insurgentes na Síria, democracia na América Latina e governo Trump nos Estados Unidos são temas caros ao debate atual;, enumera Júlio César Galano. ;Além disso, mercado interno, externo e agronegócio.; Esta, acredita ele, perpassaria diversas vertentes caras à geografia: da economia às questões de direito da terra, bem como flora, fauna e utilização correta e sustentável do solo.
Geografia é a matéria preferida de Ana Carolina Pimenta, 17, que fará o Enem pensando no curso de biotecnologia, que, acredita a jovem, tem tudo a ver com a abordagem da disciplina no exame. ;Escolhi porque une o que eu gosto. Passa por biologia, geografia física e também questões éticas, ajudando as pessoas em assuntos como acessibilidade a remédio e bons alimentos;, analisa. A expectativa, para ela, é encontrar na prova muito do que vê no noticiário. ;Nada é mais atual do que as instabilidades políticas no Brasil e no mundo. Como a prova é muito focada nos assuntos nacionais, as eleições presidenciais podem ter papel importante nas provas;, exemplifica. Dentro do tema, cabem questões para além dos atores políticos atuais, abordando conceitos gerais de democracia, luta pelos direitos e regimes autoritários que os suspendem. ;Nas demais áreas da geografia, a parte de cartografia é a que mais toca no Brasil;, conclui Ana Carolina.
Andrissa Jordão, 17, prefere geografia física, mas especula que elas tenham peso menor em 2018. ;Fauna e flora são minhas paixões. Gosto das questões sobre planícies, terrenos, vegetações e climas. Cada especificidade dessa tem suas características e riquezas, mas, no Enem deste ano, penso que talvez apareçam pouco. Não aposto muito nisso em 2018, fico mais na geopolítica nacional e internacional.;

História e interdisciplinaridade

Pedro Figueiredo informa-se por documentários independentes


A avaliação de humanas, contudo, não vem assim em blocos, como uma aula de uma disciplina que termina e, em seguida, começa outra. Longe disso. Trata-se de um conteúdo apresentado ao candidato de modo interdisciplinar, conceito que permeia as cinco áreas de conhecimento do exame. ;Este é o ponto fundamental da avaliação, muito por conta das relações que podemos fazer do homem com o espaço público e com a tecnologia. As divisões por competências de habilidades são interessantes, mas não explicam tudo: em humanas, é preciso compreender os elementos sociais, geográficos e valores históricos das instituições, postas ao candidato, muitas vezes, em uma só questão;, define Victor Augusto Ramos, professor de história.
O papel da história no exame é enxergar as demandas do mundo contemporâneo com olhos que levem em conta também o passado. Não é fácil. A partir dos levantes de junho de 2013, a discussão política tomou proporções poucas vezes vistas na esfera pública brasileira. ;De lá para cá, os movimentos sociais cresceram em diversas direções e nada disso deixa de dialogar com o passado. Temos o debate sobre a participação do negro no mundo do trabalho e seu passado de escravidão, bem como as lutas pelo protagonismo da mulher na contemporaneidade;, exemplifica o professor. Também há conexões possíveis com períodos de regimes diferentes no país, como no Brasil Colônia, Brasil Império, Era Vargas e Ditadura Militar. Em termos globais, vale a pena o candidato acompanhar a ascensão de regimes autoritários pelo mundo. ;Vemos movimentos conservadores nos Estados Unidos e Europa tomarem decisões polêmicas, especialmente na perspectiva de fechamento de fronteiras, xenofobia e governos antidemocratas.;
Pedro Felipe Figueiredo, 18, acredita que o estudo em história passa pelas mais diversas vias de informação. ;Vejo muitos documentários de história e geopolítica. Gosto de saber o que vem mudando, principalmente em relação aos grandes protagonistas mundiais;, conta ele. Para isso, o jovem procura, além dos jornais tradicionais, mídias independentes que falam da história brasileira e mundial. ;Há canais que apresentam uma visão muito centrada no que tem de evidências e dados, vendo os dois lados e sem visão ideológica;, acredita.

Pensadores da filosofia e sociologia

Gabriel Ferreira: prazer em conhecer os pensadores


O dia a dia apresentado no noticiário serve também para os estudos filosóficos e de sociologia. Quem garante é Edivaldo Monte dos Santos, professor das duas disciplinas no Centro Educacional Sigma. ;Filosofia e sociologia, são ciências humanas que formulam suas questões e intervenções numa perspectiva histórico-geográfica.Tendo como referência as provas anteriores, bem como a matriz de referência, há de se esperar que, em filosofia, questões referentes à ética, política e cidadania sejam as mais recorrentes. Porém, aspectos sobre introdução à filosofia, história do pensamento filosófico e teoria do conhecimento também compõem o bloco de ciências humanas na prova.;
Professor da disciplina no canal on-line Stoodi, Eduardo Baez acrescenta: ;Em filosofia, existe uma incidência maior de filosofia contemporânea, a partir do estudo da Escola de Frankfurt, com pensadores como Habermas, Adorno, Benjamin e Horkheimer. A filosofia antiga, sobretudo temas ligados a Platão também costumam aparecer.;
;Adoro conhecer os pensadores;, diz Gabriel Alexander, 18, que fará o Enem em busca de vaga no curso de direito. ;Meu favorito atualmente é Thomas Hobbes. Durante o 9; ano, nossa professora de filosofia o mencionou e gostei de seus conceitos, assim como os de outros pensadores;, diz.
;Em sociologia, surgem questões sobre mudança social, desigualdade, mobilidade social, política, poder, Estado, cidadania e direitos humanos, questões de gênero, identidade e diversidade. Percebe-se também temas ligados à origem da sociologia, imaginação sociológica, técnicas e métodos de pesquisa;, exemplifica Edivaldo Monte. Cinéfila, Ana Carolina Moura, 17, é outra candidata que defende a pluralidade de formação dos estudantes, incluindo no discurso o diálogo com as artes. ;Gosto bastante das teorias dos sociólogos e tenho prazer em relacioná-los. Vejo a influência desses pensamentos no cinema e valorizo muito isso de buscar conhecimento para além da sala. Tenho prazer no debate e em ouvir o outro.;


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