Enem

Inteligência emocional em sala de aula

A dois meses da aplicação do exame, é hora de conter a ansiedade e não perder a cabeça com pensamentos negativos. Mas como? Psicólogos e estudantes ressaltam a importância do cronograma correto e de uma rotina que inclua hobbies e exercícios

Daniela Santos*, Jairo Macedo-Especial para o Correio
postado em 02/09/2019 08:50
Faltam pouco mais de dois meses para a aplicação da primeira prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2019. Para ser mais preciso, apenas 62 dias. Quem vai enfrentar a maratona de questões, estes são dias nos quais o relógio corre mais rápido e a ansiedade cresce na velocidade dos primeiros desafios da vida adulta. O relatório mais recente do Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (Pisa) demonstra que 81% dos jovens no Brasil se declaram ansiosos antes de uma grande prova, deixando o país no segundo lugar do ranking mundial. No quadro geral, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), já somos o país mais ansioso do mundo (9,3% da população sofrendo com o problema).
Candidatos ao Enem: dias de planejamento para não perder a cabeça no momento decisivo
Mas calma lá. Inteligência emocional também se aprende e, debaixo de toda emoção negativa, há um pensamento a ser retrabalhado. Com os estudos em dia, cronogramas de planejamento e a devida atenção aos aspectos socioemocionais, especialistas garantem que é possível alcançar bom resultado sem se desfazer em agitação, insegurança e medo daquele ;branco; na hora mais importante. Os alunos hesitam em demonstrar a mesma garantia, mas vão montando as estratégias para não perder a cabeça no desafio mais importante do ensino médio.

Apreensão aumenta

O imaginário em torno do exame continua crescendo, acredita Fernando Elias José. Psicólogo especialista em psicologia cognitivo-comportamental, ele nota que nunca foi tão grande a apreensão dos candidatos. ;O Enem, hoje em dia, está com um grau de cobrança muito maior, o que se reflete na insegurança dos candidatos. Quando comecei a trabalhar na área, não era tão forte o impacto. O aluno está mais ansioso do que há 10 anos;, diz.

Luana Delgado: ;Cada jovem tem uma ansiedade particular;, observa Camila Cury, psicóloga e presidente da Escola da Inteligência. ;Mas é muito comum, entre os alunos do ensino médio, a pressão e o receio do fracasso. Toda vez que nós temos medo e fracasso, nossa inteligência é comprometida. O gatilho vem do medo de errar, da reprovação social e da família.;

A trajetória de Luana Delgado, 19 anos, aluna do curso Exatas, é prova disso. Ela vem fazendo o exame desde 2017, quando ainda estava no ensino médio, mas a sensação de ;agora é para valer; cresceu muito em 2018. ;Isso aconteceu porque saí da escola e foquei só no cursinho. Foi uma situação que me assustou muito no começo, porque o ritmo era diferente, tinha conteúdo que os professores assumiram que a gente já sabia e ia ter revisão;, lembra. ;Algumas vezes, eu não sabia e tinha vergonha de perguntar.;

Ueslli Dias se organiza diariamente: Ueslli Dias, 19, acrescenta como agravantes as inseguranças quanto a mudanças no conteúdo. As trocas de comando do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), órgão responsável pelo exame, geram apreensão no estudante. ;Este ano, eu tenho uma grande expectativa de que a prova possa vir um pouco mais difícil e diferente da metodologia de antes por causa do governo. Eles podem criar uma prova mais conteudista e nos surpreender;, analisa ele, que faz cursinho em busca de vaga em medicina. A princípio, não há motivos para alarde, visto que as questões vêm de um banco de dados criado e testado com antecedência, mas o volume de informações desencontradas fala mais alto. ;Com falta de segurança de como será o exame este ano, vêm a ansiedade e a reocupação;, diz Fernando Elias José.

Oportunidades em jogo

Maria Theresa de Assis, 20, faz o Enem desde 2016. De lá para cá, a experiência a ensinou a dar a proporção correta aos problemas. ;A ansiedade está grande, mas a confiança também está elevada. Neste ano, penso que estou mais calma. A experiência mostrou que a pressão que colocamos em nós mesmos não leva a nada;, diz. ;As amizades que criei no cursinho também me ajudam muito;, completa.

;É muito comum, entre os alunos que estão passando por essa fase pré-Enem, a apresentação de sintomas como perda do sono, inquietação e dificuldade de concentração. O aluno começa a estudar, mas a atenção vai embora. Lê uma página e começa a não entender nada em função do pensamento hiperacelerado, o que leva à necessidade de novas leituras;, explica Camila Cury.

A pressão traz, explica ela, grandes descargas de cortisol, o hormônio do estresse. ;O excesso de cortisol aumenta no adolescente a agressividade, o tom de voz, a impaciência. Há também aqueles que se isolam. É fundamental pais e professores os ajudem a entender por que eles estão assim e como podem desenvolver ferramentas de gestão da emoção para melhor rendimento;, diz Cury.

;Neste momento, há muitas oportunidades em jogo. O estudante terá que administrar a emoção para não ceder às pressões;, diz Aline Rodrigues, psicóloga educacional do grupo Bernoulli. São anos de estudos concentrados em poucas horas. ;A partir do momento que o candidato entende que essa prova não o define, ele começa a desenvolver um resultado positivo.;

;A percepção sobre o Enem mudou, assim como o mercado de trabalho. As pessoas são formadas em uma área e acabam diversificando, indo para outras profissões. Então, a visão de que a escolha do curso será o decreto final da minha trajetória pessoal tem mudado bastante;, acrescenta Cury.

Fernando Elias José parte do princípio de que toda emoção tem um pensamento por trás. ;A gente pensa e gera emoções o tempo todo. Não é possível modificar uma emoção puramente, mas pode-se mudar o pensamento. Se você está ansioso, está ansioso por quê? Há algo na mente que está te levando a isso.;


Planejar e não pirar

Aline Rodrigues ressalta que a autogestão do tempo e da rotina é ferramenta fundamental no trabalho emocional. ;O aluno está se preparando para essa prova há muito tempo. Então, mostramos a ele que, a partir do momento que essa competência de gestão está bem-feita, ele tem autoconfiança para seguir;, diz. ;Ter boa base, rotina e gerenciamento do tempo é fundamental;, concorda Camila Cury.

Professor de química e coach do curso Aprovação 360;, Gilberto Augusto junta a isso o controle do desempenho, outro fator de diminuição da ansiedade. Para tanto, ele trabalha com seis indicadores-chave de desempenho: o quanto, quando, onde, por onde, o que e como se estuda. ;O primeiro diz respeito à meta diária de estudos que você vai seguir, que não deve ser pequena nem excessiva. Tem gente que estuda além da conta, o que termina abalando a pessoa e fazendo o rendimento cair. O candidato chega doente e desestruturado.;

O indicador ;quando; diz respeito ao cronograma. ;Tem que estudar todo dia, levando à consistência. Aos sábados, faça simulados ou resolva questões de anos anteriores. Aos domingos, volte a elas para correção. É hora de estudar mais o que você não sabe.;

João Marcos Rodrigues, 21, estuda de segunda a sábado e, para não se perder, defende o princípio de que ;matéria dada é matéria estudada;. ;Foco o que foi passado no dia e nas matérias a serem revisadas.;

;Também me organizo a partir do que foi dado no dia. Se vejo matemática e física pela manhã, à tarde reviso o conteúdo e faço exercícios a respeito;, exemplifica Ueslli Dias.

Para controle de desempenho, ciclos contínuos de revisão e simulados também são um grande aliado. ;Simulado é o momento em que o aluno vai lidar diretamente com o que está em jogo. Fazê-los aumenta a autoconfiança;, diz Aline Rodrigues. Se o aluno não tem simulado em sua escola ou estuda por conta própria, a dica da psicóloga é pegar prova dos anos anteriores e cronometrar em casa o tempo gasto. ;Isso funciona muito bem. À essa altura, bate um cansaço, mas assim os alunos têm uma leitura boa do que é o Enem, o que traz mais serenidade.;


Um espaço de paz e uma mente tranquila

Nem só de estudos vive a preparação ideal para o exame. Nesta reta final, vale também guardar um tempinho para a saúde e a convivência com família e amigos. ;É fundamental que os alunos tenham uma rotina de gestão da emoção quanto aos relacionamentos, de sono e da alimentação;, afirma Camila Cury.

É hora de botar a cara ao sol, respirar um pouco e fazer algum exercício ao menos duas vezes por semana. ;O exercício libera dopamina e serotonina, hormônios do prazer e do relaxamento, que geram maior produtividade na hora do estudo. O cérebro fica mais preparado para a assimilação;, explica. ;Respire fundo e segure o ar quando estiver ansioso. Isto oxigena o cérebro, e diminui o nível de cortisol. Gerencie a ansiedade e pense: por que estou assim? Como posso criar um ambiente favorável para que isso não aconteça?;

Próxima da terceira prova do Enem, Laura Castanheira, 18, luta para reinserir esses hábitos na agenda dela. ;O estresse continua desde a primeira vez . Tenho gastrite nervosa por causa disso. Também sofro com cansaço e sono. Eu fazia balé, que me ajudava, mas perdia muito tempo no deslocamento até as aulas e me preocupava, pois é um tempo em que eu poderia estar estudando;, lamenta. O cronograma apertado também tirou Ueslli Dias dos esportes. ;Tive que largar um pouco o futebol e o ciclismo. Hoje eu estou mais cansado mentalmente.;

Sem válvulas de escape, jovens desta geração passam pela síndrome do pensamento acelerado, segundo Camila Cury. ;Um aluno tem que se preocupar tanto com a qualidade quanto com a velocidade de seu raciocínio;, diz. Vale também buscar amparo na família e em narrativas de superação. ;Procure histórias de pessoas que fracassaram no primeiro momento, mas conseguiram depois.;

Maria Theresa de Assis conseguiu vaga em enfermagem, mas o que queria mesmo era medicina. A decisão de largar o curso e voltar aos vestibulares provocou apreensão em casa e a jovem buscou especialistas. ;Fiquei nervosa e procurei terapia;, diz. ;A família é essencial neste momento. O candidato deve entender que fez o seu melhor e só deve satisfação a si mesmo. É hora de fechar o ciclo e notar o seu crescimento;, diz Aline Rodrigues.

Gilberto Augusto aponta ainda a importância de um ambiente saudável de estudos. ;O candidato precisa encontrar um espaço que não tenha elementos distrativos.; Um bom ciclo de amigos fora e dentro de sala de aula também são aliados. ;Aproveito o convívio com os colegas, não os enxergando como adversários;, diz o estudante João Marcos.


* Estagiária sob supervisão de Ana Sá

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