Enem

Sob nova direção: o que muda no conteúdo da prova?

Sucessivas trocas de comando e declarações polêmicas deixam alunos inseguros quanto à prova deste ano. Inep diz que mudanças não impactaram preparação pedagógica, mas reconhece redirecionamento na escolha de questões

Jairo Macedo-Especial para o Correio, Daniela Santos*
postado em 09/09/2019 07:00
Os inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) têm, normalmente, muito com o que se preocupar. Afinal, o volume de assuntos nas quatro provas de resposta objetiva e mais a redação consome a rotina de 5,1 milhões de secundaristas de todo o Brasil, que preparam-se para o exame ansiosos quanto ao conteúdo.
Vitória Cadete:
Hoje, a inquietação vem redobrada por declarações dos comandantes do governo federal, a partir da vitória na campanha presidencial, sobre o Enem 2018. Jair Bolsonaro criticou questão do exame que citava dialeto da comunidade LGBT, o que ;não mede conhecimento nenhum;, como disse na ocasião. No entanto, a promessa de que ele e equipe leriam o conteúdo do exame antes, ato sem precedentes em outras gestões, não se concretizou. ;O presidente não leu e não lerá. Eu também não pretendo ler;, disse o ministro da Educação, Abraham Weintraub, em agosto deste ano.

Em salas de aula, a especulação cresce também por causa da dança de cadeiras na Diretoria de Avaliação da Educação Básica (Daeb), que elabora o Enem e outras provas, e no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), responsável pela aplicação. ;Não é uma inquietação incomum e chega aos alunos, de fato. Eles começam a criar fantasias de que será uma abordagem puramente técnico-científica, o que não deve ocorrer. Até os professores ficam inseguros;, afirma o professor Ademar Celedônio, diretor de ensino no SAS Plataforma de Educação.

Dúvidas

;É das perguntas que mais fazem, sem dúvida;, concorda Rita André, gerente pedagógica no curso Stoodi. ;O que esperar dessa prova que, até o ano passado, trazia muitas atualidades? Ela era crítica e de conteúdos cotidianos;, diz. ;Fico perdida. Estamos acostumados com um padrão e ele pode mudar. A gente vê que é um governo que evita ser criticado;, afirma Vitória Cadete, 17 anos, aluna do Centro de Ensino Médio Setor Oeste. ;Acho que serão mudanças radicais. Pode ter caráter mais conservador, sem relação com LGBT nem feminismo, por exemplo;, opina Matheus Machado, 17.

Para Fernando Elias José, psicólogo, a insegurança sobre o presente e o futuro do exame atrapalha. A sensação, infundada ou não, é que falta linearidade. ;Os alunos veem os vestibulares tradicionais como provas cuja linha de raciocínio é mais clara do que o Enem, que causa muitas dúvidas na cabeça dos meninos;, compara.

Trocas de gestão

Sem experiência na área, o general da reserva Carlos Roberto Ponto de Souza assumiu oficialmente o cargo de diretor do Daeb na última quarta-feira (4). Ele é o quarto diretor da gestão Bolsonaro. Antes, passaram Murilo Resende, cuja nomeação foi anulada dois dias após anúncio, e Paulo César Teixeira, que saiu em solidariedade a Marcus Vinicius Rodrigues, presidente do Inep exonerado por Ricardo Vélez, então chefe da pasta de Educação. Francisco Garonce, terceiro nome, foi afastado em maio.

Camilo Mussi, presidente substituto do Inep, minimiza o impacto das mudanças, uma vez que a prova já está pronta e sendo impressa. ;Neste momento, em relação ao Enem, já acabaram as atividades da diretoria. Quando começa a impressão, termina o trabalho da Daeb, que volta ao exame somente na divulgação do gabarito;, diz (leia entrevista completa na página 6).

;As trocas não impactaram na preparação pedagógica, sejam nas mudanças no Inep, no Ministério da Educação ou na Presidência da República. Alunos podem esperar uma prova como nos últimos anos, na mesma linha de raciocínio;, afirma Mussi.

Ele insiste, porém, na tese de que houve viés ideológico em edições recentes, o que influiu na seleção dos itens para 2019. ;É uma decisão de governo que, realmente, não tenham questões com viés ideológico para qualquer lado. Elas devem mostrar o conhecimento do aluno, fazendo perguntas do modo mais isento possível;, afirma. ;Apenas muda o direcionamento.;

Viés ideológico?

Arthur Morais:

Por ;ideologia;, o Inep entende temas como o da questão criticada por Bolsonaro, que falem ;sobre uma coisa relativa à sexualidade;, na definição de Mussi. A professora Rita André não vê assim. ;Era uma abordagem puramente interpretativa. O candidato não precisava conhecer nada do dialeto. Bastava interpretar o que estava no texto;, avalia. ;O presidente da República deu uma opinião de leigo na área;, critica Gabriel Félix, professor de redação do Curso Positivo. ;A prova é dinâmica, costuma valorizar a diversidade da linguagem e é comum que trabalhe com as diferenças.;

O candidato Arthur Morais, 17, confessa que não estava a par do debate, mas aprovaria eventual intervenção do presidente. ;Talvez revise coisas mais puxadas para a esquerda ou direita. Já vi bastante questão ideológica e eu não gosto disso;, diz. Ana Beatriz Rabelo, 17, discorda do colega. ;Considero que o presidente não entende o que acontece nas escolas públicas e quer opinar. Eu nunca tive um professor que tentou impor uma ideologia em mim. Eles expõem os lados da moeda e você escolhe no que acreditar.;

Mas afinal, como estudar?

Ana Beatriz Rabelo:

Dito isso, é hora de seguir os estudos. Para redação, permanece em vigor a competência cinco, que versa sobre ;elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos;. O viés humanista também gerou polêmica. Em 2018, o não cumprimento do o critério passou a não zerar mais a prova, mas ainda tira pontos preciosos. ;O candidato deve entender que vive em uma sociedade de direito, democrática, e a proposta precisa estar dentro da lei. Argumentações totalitárias, agressivas, que proponham métodos como tortura ou discriminação aos grupos, geram perda de 200 pontos;, explica o professor Gabriel Félix.

;São temáticas sociais com recorte nacional, ou seja, que ocorra nas cinco regiões do país;, diz Ademar Celedônio. ;Assuntos polêmicos, como escravidão moderna ou questões problemáticas na família, são improváveis;, especula. Rita André espera um tema voltado às mudanças pessoais e não coletivas. ;Talvez sobre reprogramação alimentar ou tabagismo;, diz a professora, lembrando que, há exatos 50 anos, entidades internacionais de saúde reconheceram oficialmente que o cigarro mata.

;Espero algo sobre ambiente, mas o exame surpreende. A gente nunca sabe;, diz a candidata Myrella Caldas, 17. Arthur Oliveira, 18, tem aposta semelhante. ;Além da questão ambiental, assuntos de refugiados e de terrorismo;, elenca.

Sobre suposta abordagem conteudista e técnica nas questões objetivas, Camilo Mussi é cauteloso. ;Não necessariamente. Para quem entende que as provas do passado foram mais conteudistas, então serão. Para quem entende que não, não será. Quem se preparou para as provas anteriores não verá nenhum sobressalto;, diz. Em exatas, não há mudanças drásticas, espera Diego Viug, professor de matemática do ProEnem. ;Não vai ter cara de concurso militar, como já ouvimos por aí, pois não é o perfil do Enem e não há tempo hábil para mudanças.;

* Estagiária sob supervisão de Ana Sá

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