Daniela Santos*, Jairo Macedo-Especial para o Correio
postado em 23/09/2019 07:00
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A primeira etapa de aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2019, em 3 de novembro, apresenta aos candidatos uma prova para lá de diversificada. As 45 questões de linguagens, códigos e suas tecnologias são norteadas pelos usos variados da linguagem e seus recursos expressivos. Por ela, passam língua portuguesa, literatura, artes, tecnologia da comunicação e informação, e língua estrangeira (inglês e espanhol). Esta edição do Especial Enem tratará, especificamente, da primeira. Mas, se esbarrar com as outras pelo caminho, não estranhe: essa área do exame exige do candidato habilidade em conectar leituras e entender as diferentes paisagens linguísticas possíveis.
O Enem 2018, por exemplo, teve de tudo em termos de forma e conteúdo: peças publicitárias, matérias jornalísticas, artigos acadêmicos, fotografia, performance, tirinhas e até emojis de WhatsApp. Os textos literários foram do clássico em Guimarães Rosa, em texto original e adaptação para os quadrinhos por Eloar Guazzelli, à poesia contemporânea de Angélica Freitas. Música, do hino nacional ao grupo Teatro Mágico. ;São vários gêneros textuais para análise e reflexão. Creio que charges e tirinhas demandem conhecimento maior do contexto e capacidade de associação com a realidade, por meio de pistas extralinguísticas, como expressões corporais das personagens;, afirma a professora Dani Ribeiro, que leciona no Autoria Cursos e como voluntária no programa Jovem de Expressão, em Ceilândia.
Mais que isso, a observância da variação linguística permeia a prova, debatendo usos regionais e sociais da língua, bem como preconceitos expressos nela. ;Sempre foi tema caro ao Enem e é uma discussão muito interessante para uma prova de abrangência nacional;, afirma a professora Cléa de Souza Maduro, dos cursos Exatas e Autoria. Ela lamenta as polêmicas em torno de textos de temática LGBT%2b e negra em 2018, e, depois disso, aposta em seleção de textos mais amena para 2019. ;Desta vez, a variação linguística cobrada deve ser a diatópica, que trata das variedades entre regiões ; As falas específicas do Nordeste, do Centro-Oeste, etc. Há quem pense que uma fala tem mais valor do que outra, e cabe a todos nós entender as diferenças e os preconceitos;, diz.
;Pelo viés atual, acredito que questões mais problemáticas não apareçam tanto nos textos. Vai ter menos temas sociais como desigualdade, desmatamento e gênero;, espera Arthur Menezes, 17 anos, aluno do Sigma. Gabriel Félix, professor de redação do Curso Positivo, concorda: ;A mudança em linguagens seria para uma prova mais conteudista e prática, talvez com presença maior de conteúdo gramatical.;
Contexto
A estrutura das questões objetivas do Enem se difere dos vestibulares tradicionais, garante Neusa Nepomuceno, professora de português e redação no Sala de Redação. ;O Enem contém mais do que apenas perguntas. Ele espera que o candidato analise, interprete e aplique seus conhecimentos, contextualizando-os de acordo com o texto apresentado em cada questão. A matriz de referência avalia competências e habilidades dos estudantes;, afirma.
Cléa Maduro também enxerga particularidades no exame. ;Na hora de responder a questão, não vale pensar de maneira fragmentada, mas sob uma visão panorâmica dos assuntos e da linguagem;, diz. Para ela, o Enem espera do candidato uma linha de pensamento que, por vezes, destoa do que ele recebe em salas de aulas pelo Brasil. ;Esse tipo de preparo não é o comum. A vida escolar é pautada estritamente pelo ensino fragmentado e preparação para as provas;, lamenta.
É a partir deste norte que Matheus Lacerda, 17, tem estudado. ;Tenho lido notícias e discutido bastante com meus familiares sobre elas;, diz o aluno do Sigma. Da primeira experiência dele no exame, ele espera temas e linguagem do dia a dia. ;Você precisa ter repertório cultural e saber o que está acontecendo no Brasil, porque é uma prova que aborda temas cotidianos e atuais. Venho estudando por meio de simulado e aulas.;
Interpretação de texto
Clara Almeida, 17, segue raciocínio semelhante ao de Matheus. ;Além dos simulados, acho também que leitura é uma parte muito importante, porque a prova tem muita interpretação de texto. Sempre gostei de ler e acho que conhecer obras, principalmente brasileiras, são importantes para a prova de linguagens.;
Para a professora Teresa Cristina, a interpretação de texto é, de fato, o mote principal do exame. ;O Enem tem privilegiado muito esse lado. Os alunos têm que ler cada texto com atenção, ficando no limite das informações presentes ali. O candidato precisa estar atento para o que está posto e o que se exige, pois, se não está no texto, não é condizente com o que se pede;, observa a professora do Centro de Estudos da Língua Portuguesa.
Sendo assim, vocabulário, repertório e capacidade de pensar as funções da linguagem são fundamentais. No Enem, a cobrança da gramática pura fica um pouco de lado. ;Nada de regras de gramática da sintaxe, mas o trabalho com a língua portuguesa. Muitas pessoas vão para a prova com essa ideia de que serão perguntadas sobre classificação de sujeito, predicado e assuntos semelhantes, mas não é assim;, exemplifica Teresa Cristina.
;No ano passado, dava para fazer várias questões só com base no texto;, afirma Larissa Calazans, 17. ;De vez em quando cobram algo de gramática, mas a maior parte dá para pegar só pelo texto;, concorda Arthur Menezes.
Hábito de leitura
Mas calma lá. Embora concorde com a centralidade de interpretação de texto na prova, a professora Cléa Maduro vê uma armadilha na difusão desse pensamento. ;Ouço muito isso dos meus alunos: ;Enem é só ler;. Sou contra, na medida em que fica parecendo que não é preciso estudar;, contrapõe. ;Se o candidato lê um texto de Vinícius de Moraes sem saber previamente da história e do contexto de produção do autor, não chega à questão com a segurança nem velocidade;, exemplifica. ;Hoje, o que está em voga é a aplicabilidade do que você aprendeu ao longo de sua experiência como estudante. É preciso bagagem sociocultural.;
O remédio, não tem jeito, é ler mais e mais. ;O hábito da leitura traz vocabulário e conhecimento, especialmente atualidades no Brasil, que foi tendência em 2018;, diz a professora Teresa Cristina. ;O diálogo com obras de filosofia, sociologia e literatura também é fundamental;, afirma Neusa Nepomuceno. A candidata Natália Klein, 17, tem retomado a prática aos poucos. ;Costumava ler mais ficção e isso ajudava. Não gosto muito de ler, mas leio as obras obrigatórias de vestibulares;, reconhece.
;Leia e assista a tudo que lhe traz prazer. Vá ao cinema, assista aos filmes e observe de que maneira você pode interpretar cada cena. É um exercício diário, no qual elevo minha capacidade;, recomenda Cléa Maduro. ;Leitores são pessoas críticas da realidade;, sintetiza Dani Ribeiro.
* Estagiária sob supervisão de Jairo Macedo