Enem

Atenção especial: as dificuldades de quem necessita de acessibilidade para o exame

Estresse, pressão e ansiedade são barreiras enfrentadas pelos milhões de inscritos no exame. Para pessoas com deficiência, as dificuldades são ampliadas pelas dúvidas e particularidades de cada limitação. Falta clareza dos direitos e serviços oferecidos

Daniela Santos*
postado em 23/09/2019 07:00
No último sábado, 21, foi celebrado o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência. A data vem ao encontro das diretrizes propostas pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para o tema, sobre o qual cresce, a cada ano, o número de pessoas que solicitam atendimento especializado para fazer as provas. Neste ano, cerca de 50 mil inscritos, de um total de 5,1 milhões, solicitaram algum tipo de atendimento especializado. No Distrito Federal, esse grupo ficou restrito a 1.676 pedidos. Assim como os inscritos, as possibilidades de atendimento também se ampliam. No total, 15 recursos, disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), auxiliam o candidato com deficiência na hora de fazer a prova.
Beatriz Ferreira:
Este ano, a novidade foi a possibilidade do candidato com deficiência auditiva sinalizar que faz uso de aparelho auditivo e implante coclear, dispositivo eletrônico que proporciona sensação auditiva próxima ao fisiológico. Isso permitiu à organização colocar os candidatos em salas separadas nos locais de prova, diferente de como era antes, quando o estudante podia usar os equipamentos, mas sem essa atenção especial.

Hoje, o Enem oferece atendimento especializado para candidatos com deficiência visual, baixa visão, surdocegueira, deficiência auditiva, física e intelectual. Para solicitar o auxílio especializado, o candidato deve sinalizar, no momento da inscrição, qual a limitação que possui e os recursos de que necessita. Além disso, ele precisa comprovar a necessidade por meio de laudo ou declaração assinada por um profissional de saúde.

Os atendimentos variam de acordo com cada caso, que vai ser avaliado por uma comissão (no quadro). Presidente do Inep, Alexandre Lopes esclarece que também há recursos que, mesmo não sendo previstos no edital, podem ser disponibilizados. ;Já tivemos caso de candidato que precisou usar uma lupa eletrônica;, exemplifica. O material não tem o uso previsto no edital, mas, após avaliação, foi comprovada a necessidade e o candidato foi autorizado a usar o equipamento, dentro dos parâmetros de segurança. ;Quando se fala sobre deficiência, é preciso analisar caso a caso.;
[SAIBAMAIS]
Aluna do Centro de Ensino Médio Elefante Branco, Beatriz Ferreira, 17 anos, conta que a orientação dos professores foi fundamental na hora de fazer a inscrição. ;A escola me explicou tudo direitinho, tanto que consegui ter acesso a todos os recursos que pedi.; Ela tem baixa visão no olho esquerdo e cegueira no direito. Nos dias de aplicação, fará a prova em uma sala separada e com um caderno de questões cujas folhas são maiores.

O participante é orientado a solicitar o que for necessário para igualar as condições de prova a qualquer candidato. ;A gente procura entender a limitação que o candidato possui e avaliar a melhor forma de colocá-lo em condição de igualdade aos demais;, acrescenta Lopes.

Variações de acessibilidade no Enem

Em 2019, são 15 os tipos de acessos especiais para os candidatos do exame

Visão monocular e baixa visão:
; ledor, transcritor, prova com letras e figuras ampliadas e sala de fácil acesso. O edital também prevê que, se solicitado, o candidato pode fazer o uso de alguns materiais próprios como: caneta de ponta grossa, tiposcópio, óculos especiais, lupa, telelupa e luminária.

Cegueira:
; prova em braille, ledor, transcritor e sala com fácil acesso. Assim como os candidatos com baixa visão, o deficiente visual também pode ter o auxílio de materiais próprios. São eles: máquina Perkins, punção, reglete, assinador, tábuas de apoio, sorobã e cubaritmo ; instrumentos que auxiliam na escrita e cálculos para pessoas cegas. O candidato também pode fazer a prova acompanhado de cão-guia.

Surdocegueira:
; guia intérprete, prova em braille, transcritor, sala de fácil acesso.

Deficiência auditiva e surdez:
; tradutor-intérprete de Língua Brasileira de Sinais (Libras), leitura labial, videoprova em Libras.

Autismo, discalculia, déficit de atenção e dislexia:
; ledor, transcritor e tempo adicional ; uma hora por dia.

Deficiência intelectual:
; ledor, transcritor e sala de fácil acesso.

Deficiência física:
; transcritor, sala de fácil acesso, mobiliário adaptado (mesa e cadeira sem braços, mesa para cadeira de rodas, etc.).

Falta informação

Vera Barros:

Professor da rede pública do Distrito Federal e doutorando em educação especial pela Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), Roger Pena pontua que, apesar de todos os recursos oferecidos pelo exame, parte dos candidatos com deficiência acaba esbarrando na falta de informação. ;Muitas vezes, a pessoa com deficiência não tem a clareza de que ela tem direitos de acessibilidade no Enem, nas próprias universidades e em outras políticas.;

Ele espera maior mobilização do governo e da sociedade para expandir o conhecimento acerca de políticas de inclusão. ;É preciso publicizar mais esses direitos, nas próprias redes de educação, criando campanhas, esclarecendo e debatendo essas questões.;

O estudante do terceiro ano do ensino médio no Centro de Ensino Médio 2 de Ceilândia, João Lucas Cardoso, 18 anos, tem deficit de atenção e vai fazer o Enem pela primeira vez. Ele conta que ficou confuso no momento da inscrição. ;Eu não sabia muito o que fazer. Assinalei a opção de pessoa com deficiência, mas não sei se vou ter uma ajuda a mais;, comenta.

A subsecretária de educação inclusiva e integral da Secretaria de Educação do DF, Vera Barros, admite a falha de comunicação, mas vem trabalhando para suprir as demandas. ;A partir do ano que vem, vamos levar para a rede pública de educação todas essas informações sobre o Enem.;

Recentemente, a subsecretaria lançou o programa Enem Inclusivo e Especial, um cursinho preparatório para o exame exclusivo para alunos da rede pública com deficiência. Vera diz que a iniciativa é uma forma de lidar com o problema da falta de informação. ;Sabendo dessa questão, a gente trouxe na aula inaugural alguns professores voluntários. Eles vão esclarecer como funciona a prova e a avaliação, o que são esses recursos, como pedir e, inclusive, as questões das cotas.;
João Lucas:
Chegar a todos os cantos do país não é fácil, reconhece o presidente do Inep. ;Procuramos orientar por meio de coletivas de imprensa, nas redes sociais e sites, além de blogs que acompanham o Enem. Claro que não é perfeito, pois são milhões de pessoas inscritas. Nesse sentido, os professores também têm um papel muito importante em nos ajudar;, diz o presidente do Inep. O assunto já chegou até ao tema da redação: em 2017, a proposta de dissertação falou do direito à educação da pessoa com deficiência.

Tempo preocupa

Beatriz Ferreira também terá acompanhamento de um ledor e uma hora a mais disponível. Hoje, o Inep oferece a opção de pessoas com qualquer tipo de deficiência ou autismo, dislexia, deficit de atenção e discalculia, solicitar o recurso desse tempo extra. Normalmente, os candidatos dispõem de cinco horas e meia de prova na primeira etapa e cinco horas na segunda.

Roger Pena explica que é importante o exame pensar as horas de aplicação na perspectiva da deficiência. ;Muitas vezes, o processo de compreensão da pessoa com deficiência demora um pouco mais. Às vezes, a leitura é mais complexa, assim como a própria compreensão ou a locomoção. São condições que dificultam a realização do exame;, diz. O tempo, portanto, também pode ser sinônimo de acessibilidade. ;É um fator que pode ampliar direitos e garantir que essas pessoas participem do certame em pé de igualdade com pessoas que não têm deficiência;, completa.
Alexandre Lopes, presidente do Inep:
Kléber Caverna, professor da rede pública e em cursinhos preparatórios para o Enem, acredita que o acréscimo de uma hora é suficiente para que o candidato consiga concluir a prova. ;Tem algumas áreas que são mais puxadas, mas, no geral, é suficiente. Há prejuízos para o aluno, até por conta do cansaço, somado à tensão e ao estresse.;

Alessandra Pereira, 18, pensa que o tempo pode complicar a vida dela, especialmente na escrita da redação. A estudante do Centro de Ensino Médio 01 (CEM 01) do Paranoá fará o Enem pela primeira vez e receia não concluir a prova. ;Você não sabe o que vai cair. Tem que desenvolver o texto e isso acaba tomando muito tempo.;

A estudante tem uma doença congênita que afeta o desenvolvimento dos músculos. Apesar de ter feito a solicitação de atendimento, ela não vai fazer a prova com os recursos de acessibilidade, pois o pedido foi recusado. ;Pedi o recurso de adaptação da mesa, mas não foi aceito. Até consigo fazer a prova, mas é uma dificuldade a mais;, lamenta.

PALAVRA DO ESPECIALISTA

Inclusão x acessibilidade

A gente não pode confundir inclusão com acessibilidade. Inclusão é um conceito muito maior, de garantir oportunidades para um grupo que, historicamente, é excluído de políticas públicas, e acesso à educação. Quando você trabalha com acessibilidade, o que está garantindo são alguns recursos, para que essa pessoa realize um exame, trabalhe ou vá a escola. O fato de garantir acessibilidade não é garantir inclusão. Incluir é aceitar o outro que é diferente e precisa de uma abordagem diferente.

O Enem e outros vestibulares querendo ou não, trabalham com parâmetros, até por ter esse caráter classificatório. O que se discute muito nesse modelo é a questão da acessibilidade. De uma série de recursos, de serviços e profissionais que vão te garantir alguma acessibilidade. Mas a inclusão é muito mais ampla do que isso.

Roger Pena, doutorando em educação especial
* Estagiária sob supervisão de Jairo Macedo

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