Enem

Por que engenharia e medicina?

Busca por uma vaga nos cursos pode custar anos de estudos em cursinhos e em casa. Alunos e especialistas contam como fazem para gerir a pressão e combater o estigma de inacessibilidade

Daniela Santos*, Jairo Macedo-Especial para o Correio
postado em 30/09/2019 07:00
Para enfrentar a maratona do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em busca dos cursos mais concorridos, conhecimento é fundamental, é claro. Mas não basta. Não é incomum que bons alunos se empenhem por anos para alcançar vaga em engenharias ou medicina, mas esbarrem sempre em má gestão de tempo, nervosismo ou pressão familiar.
Maria Clara (esq.), Mariana e Pedro Lucas: paixão e estudos intensivos para alcançar a vaga mais concorrida
Tem vaga para todo mundo, garante Wisner Freitas, professor do curso Exatas. ;Todos os estudantes dedicados vão passar um dia. Só não há vaga para aquele que desiste;, afirma ele, que tem, nas turmas, alunos que permanecem até cinco anos para encontrar a vaga ideal. ;É um trabalho a longo prazo, pois a concorrência é grande. O trabalho psicológico é importante e diário.;

A fama de medicina é especialmente alta, segundo Wisner, e estende-se até a graduação. ;Dentro da universidade, a carga é tão ou mais pesada do que no Enem;, compara. ;Cada pessoa vai ter o seu caminho;, diz Mariana Sernégio, 17 anos. Maria Clara Beltrão, 17, ama biologia. ;Me atrai muito, porque está relacionado ao nosso cotidiano, nossa relação com ambiente e outros seres.;

;Só me imagino nessa profissão, ajudando as pessoas. Meus pais apoiam muito;, conta Pedro Figueiredo, 18, cujo plano B, ainda distante, seria nutrição.

Engenharias

Ainda que os números apontem engenharia no topo das concorrências, Wisner Freitas nota mudança gradual de interesse na área. ;Na primeira década deste século, houve grande avanço no mercado, mas inchaço nos cursos. A partir de 2013, o mercado não conseguiu comportar mais todos os formandos.;

A busca por engenharia elétrica de Vítor Corrêa, 17, veio da predileção por exatas. ;Sempre fui ligado a essas matérias e, com o tempo, moldei minha escolha;, diz o jovem. O convívio com amigos mais velhos, que trilharam esse caminho, o tranquiliza sobre o mercado de trabalho. ;São pessoas com quem me identifico.; Na luta por vaga em engenharia de produção, Letícia Ribeiro, 18, também é movida pela paixão. ;Tem que acreditar. Se não, por que tentar?;, questiona.
[SAIBAMAIS]
Ela reconhece o estigma de que exatas não seria para mulheres e estuda para mudá-lo. ;A gente aprende que os homens estiveram à frente dessas matérias ao longo da história. Então, associamos uma coisa à outra;, opina.

Na Universidade de Brasília (UnB), as mulheres ocupam apenas 45% das vagas em cursos de exatas. Nos cursos de engenharia , o número de homens é até quatro vezes maior, segundo dados do anuário estatístico da UnB. ;Tenho várias amigas que já estão no curso ou querem fazer. Está diferente agora.;

Estigmas

A proposta de Júlio Sousa no Projeto Medicina, fundado em 2012, é retrabalhar também o estigma de que esses são cursos inacessíveis para quem não tem condições financeiras elevadas ou não tem histórico escolar muito acima da média. O projeto busca outras narrativas. ;Tentamos encontrar pessoas que, de fato, estudaram sozinhas e passaram. Ninguém é gênio, não se trata disso. Porém, há quem encontre formas de otimizar os estudos;, diz.

;Há uma questão social muito forte envolvida;, diz Thiago Carvalho, professor do Gran Cursos e Albert Einstein. ;Vestibulares são muito elitistas. Tento preencher justamente essa lacuna;, diz. Sem parâmetros nem exemplos, fica difícil organizar-se. ;Muitos não têm parente ou amigos da área. Sempre tento trazer essas orientações para os jovens, como eles devem estudar e a quantidade de acertos que ele deve ter.;

Weisner Freitas, porém, sustenta que o perfil tradicional do candidato vitorioso, aquele com família de médicos ou engenheiros atuantes na sua formação, vem sendo modificado. ;Antigamente, era uma tradição familiar. Isso vem mudando muito ao longo dos anos, muito em função da facilidade de acesso e multiplicidade de cursos;, afirma ele.

A existência do Enem tem contribuição nesse fenômeno, acredita Thiago Carvalho. ;O Enem, tal como conhecemos hoje, ajuda a democratizar o acesso. Por meio de uma boa nota no exame, o estudante pleiteia não só vagas, mas também o financiamento dos estudos;, observa. ;Além disso, é uma prova única. Só o fato de você não precisar viajar para fazer uma prova já ajuda bastante.;

* Estagiária sob supervisão de Jairo Macedo

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